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Artigos de Direito do Seguro
A figura do agente na atividade de seguro
RICARDO BECHARA SANTOS
Diversas são as maneiras, sentidos, formas e expressões pelas quais pode ser entendida e designada a figura do AGENTE. Multifários podem ser os significados e denominações desse termo polissêmico por natureza: agente comercial, agente consular, agente diplomático, de polícia, de crime etc. E quando empregado como “agência” terá sempre o sentido de dependência de estabelecimento comercial localizada fora da sede e a esta subordinada. Nos primeiros exemplos, aquele que age como representante ou em função de determinada atividade, enquanto, no último, no sentido de direito penal, o autor de um delito. No direito civil costuma-se dizer da pessoa incumbida de cuidar de negócios ou interesses alheios, ou pessoa que pratica ato jurídico, tendo responsabilidade por ele. No direito administrativo, aquele que exerce função pública, ou está encarregado de uma delegação pública. No direito comercial, aquele que é encarregado da gerência, direção ou administração de uma empresa. Em medicina legal, a força ou substância mórbida ou curativa capaz de agir sobre o organismo humano. Enfim…
Mas na operação de seguro ela tem significado todo próprio e peculiar, podendo de pronto se afirmar que em nada se confunde com a figura do CORRETOR, cada qual com a sua função específica, ambos, no entanto, exercendo importante papel na atividade de seguros e que, como figuras tradicionais desse mercado, sempre contribuíram, contribuem e ainda podem contribuir para o seu desenvolvimento, razão pela qual podem e devem coexistir e conviver em perfeita harmonia.
Com o advento do Código Civil de 2002, a função do Agente de Seguros ficou claramente delineada, reforçando a diferença que o separa do Corretor de Seguros, pelo que se depreende da simples leitura do seu artigo 775, in literis: “Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem.”
Pode-se inferir que enquanto o Agente de Seguros atua no mercado representando o segurador, vendendo seguro, o Corretor de Seguro, sem perder a característica de intermediário, atua no mercado representando o segurado, comprando seguro, buscando entre as diversas seguradoras o “produto” que melhor convenha aos interesses de seu cliente – o segurado -, daí se estabelecendo uma relação mais equilibrada entre consumidor de seguro e seguradora, percebendo-se, de logo, uma diferença marcante entre um e outro, sendo o agente, de um lado, vendedor representante do segurador – tanto que a comercialização de seguro realizada por ele é considerada como venda direta a que alude o artigo 18 da lei nº 4.594/64, por isso não haveria dupla intermediação se a venda ocorrer com a intermediação do corretor junto ao agente, posto não ser este um intermediário propriamente dito e por estarem em polos distintos – e, de outro lado, o corretor, intermediário comprador e representante do segurado, fazendo deste um consumidor diferenciado, eis que, por poder contar com um representante assessor e conhecedor de seguro, não tem a mesma hiposuficiência ou vulnerabilidade técnica dos consumidores em geral, já que o consumidor de seguros sempre contará com a assessoria técnica do seu corretor, profissional avaliado, aprovado em cursos especializados e habilitado pela SUSEP, por isso empregando esse conhecimento técnico especializado em prol do segurado desde a fase pré-contratual, na conclusão do contrato, na sua vigência e na sua execução, auxiliando-o na regulação e liquidação do sinistro.
O Agente de Seguros não é propriamente um intermediário, tanto que poderá recepcionar a proposta de seguro assinada e encaminhada pelo próprio corretor (artigo 13 da mesma lei), ambos, portanto, coexistindo em polos distintos, e, se a venda é realizada sem corretor, a proposta recepcionada pelo agente caracteriza venda direta. Senão, vejamos: “Art. 18. As sociedades de seguros, por suas matrizes, filiais, sucursais, agências ou representantes, só poderão receber proposta de contrato de seguros: a) por intermédio de corretor de seguros devidamente habilitado; b) diretamente dos proponentes ou seus legítimos representantes.” (o grifo não é do original, por isso intencional).
É claro que anomalias existem, como em toda atividade, não sendo demasiado lembrar de que o corretor de seguro que acaso exerça a sua atividade sem autonomia, com subordinação e exclusividade, alguns chegando a usar a mesma logomarca, o mesmo endereço e telefone da seguradora, esse não será em verdade um corretor de seguro da maneira como concebido pela legislação que o criou, mas um verdadeiro agente da seguradora e, como tal, seu representante.
Quanto aos erros e omissões do agente de seguros, responderá por eles, ainda que solidariamente, o segurador, enquanto os erros e omissões do corretor de seguros propiciarão ao segurado prejudicado o devido direito de reparação, com a proteção, inclusive, do Código de Defesa do consumidor – CDC.
O Sistema de Seguros Privados Brasileiro conhece de há muito as figuras do Agente e do Representante, que são produtores externos das seguradoras regulamentados pelo CNP e pela SUSEP com desenhos semelhantes aos do agente de que tratam os artigos 710 a 721 do Código Civil, mas que ao contrário dos corretores de seguros agem em nome das seguradoras.
Consoante a regulamentação em vigor, denomina-se Representante ou Representação, ou Agente como queiram, geralmente pessoa jurídica para escapar da vinculação empregatícia com a Seguradora, a cujo responsável são outorgados certos poderes ditados pela norma.
Escreveu PEDRO ALVIM, ao comentar o citado artigo 775 do Código Civil, ainda na sua forma embrionária de projeto de lei, que “agente autorizado não é o corretor de seguro que faz a intermediação entre as partes contratantes, pois não é funcionário do segurador. Exerce uma profissão independente dos interessados. Agentes autorizados são as agências externas, sucursais ou dependências do segurador”.
Vale insistir, em reforço da demonstração das diferenças entre agente e corretor e da possibilidade de convivência harmônica entre essas duas entidades. Guardadas suas devidas características, o segurado é um como que comitente do corretor, este que se torna comissário daquele, na medida em que a comissão de corretagem é o preço não só da intermediação como também da assessoria técnica e comercial que o corretor lhe presta na representação de seus interesses perante o segurador, eis que a comissão de corretagem integra a tarifa do prêmio devido pelo segurado. A legislação que regula a atividade do corretor de seguro é clara ao estabelecer essa relação, tanto que, ademais, dá ao corretor o poder de assinar a proposta de seguro, não havendo nada mais eloqüente para demonstrar essa representação já que é na proposta que constarão as informações e declarações necessárias para a aceitação do risco pelo segurador, inclusive para os efeitos do art. 766 do CC, fazendo do corretor de seguro um profissional que se distancia léguas dos demais intermediários de negócios e do segurado um consumidor diferenciado dos demais consumidores, fazendo-o não tão hipossuficiente assim como os outros, que normalmente não contam com igual assessoria, equilibrando dessa forma a relação com o segurador.
O segurado só não é um comitente puro do corretor de seguro porque, a uma, o Código Civil passou a disciplinar o contrato de corretagem (arts. 722/727 do CC e legislação específica do corretor de seguro) e o contrato de comissão (arts. 693/709), separadamente, como também o contrato de agência (arts. 710/721), e o mandato (arts. 653/692), bem a propósito em capítulos vizinhos, dentro do Título “Das Várias Espécies de Contrato”, pelas características que cada um tem do outro. Na verdade, o corretor de seguro, espécie de comissário, recebe de certo modo um “mandato” do segurado, como o agente recebe um “mandato” do segurador. A duas, porque o contrato típico de comissão, tratado nos arts. 693/709 tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, o que não sucede na corretagem de seguro, mas o comissário, assim como o corretor, é obrigado a agir de conformidade com as instruções do comitente, com os cuidados e diligências para evitar prejuízo.
Insta, no entanto, não confundir agenciador com agente, nem angariador com corretor, nem uns com os outros entre si. A confusão pode ser explicada: a uma pelo fato de o termo agenciador guardar relação semântica com a palavra agente passando a impressão de que agenciador é o mesmo que agente, quando em verdade não é, pois o agenciamento praticado pelo agenciador não é o mesmo praticado pelo “agente de seguros”, tampouco trabalho de intermediação/corretagem, mas trabalho de convencimento feito junto a pessoas seguráveis a fim de que elas firmem adesão às apólices coletivas de seguro de vida e ou acidentes pessoais coletivos, por isso o agenciador, que não se confunde com o “agente de seguros” referido no artigo 775 do CC, muito menos com o “corretor de seguros”, costuma ser o profissional, autônomo ou assalariado, especializado na angariação de adesões de componentes às apólices referidas, apólices essas já intermediadas por corretor habilitado, ou contratadas sem intermediação (os chamados seguros diretos a que aludem os artigo 18 e 19 da Lei 4.594/64), daí o trabalho do agenciador ser apenas o de alimentar tais apólices, existindo, isto sim, uma sinonímia entre agenciador e angariador, que afinal se confundem em uma só figura, tanto assim que na terminologia dos Dicionários e Vocabulários de seguro, Agenciador é o título que se dá a pessoa devidamente autorizada e remunerada pelo segurador, para promover a adesão de pessoas a uma apólice coletiva, sendo o agenciamento o termo utilizado para definir o trabalho executado pelo Agenciador ao promover as referidas adesões (In Dicionário de Seguros, Alexandre Del Fiori, Editora Manuais Técnicos de Seguros, 1996); a duas, pelo fato de constar na definição de “corretor de seguros” a palavra angariar conforme artigo 1º da Lei 4.594/64 (“… intermediário autorizado a angariar e a promover contrato de seguro entre…”).
Por conta de tal confusão, a partir de indagação que de certa feita me fora formulada sobre eventual obrigação de a seguradora indicar o nome e o registro dos agenciadores nas propostas, apólices, certificados e demais documentos de seguro, pudemos esclarecer que a exigência nesse sentido imposta com relação aos corretores de seguro não se estendia aos agenciadores ou angariadores posto tratar-se de figuras distintas, estas últimas que, aliás, pendem de regulamentação por parte do CNSP e SUSEP. Analisando o questionamento de forma isolada, realmente não se vê obrigação legal de a seguradora indicar em tais documentos o nome e número do angariador/agenciador, até porque não é ele como tal registrado na SUSEP. Embora o agenciador/angariador acaso tenha inscrição de corretor na SUSEP, mesmo assim, esse número de registro não se impõe constar dos referidos documentos se não está ele atuando como corretor, mas como mero agenciador.
O corretor e o agente de seguros ante o art. 39, inciso IX, do Código de Defesa do Consumidor.
Insta considerar que duas e distintas são as relações de consumo que se instalam entre (1) o consumidor de seguro e o segurador e (2) o consumidor de seguro e o corretor, inexistindo, portanto, relação de consumo entre o corretor e o segurador. Na primeira, o que se consome é o seguro, firmado mediante contrato pelo qual o segurador se obriga a garantir interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados, mediante o recebimento do prêmio, que é o preço da garantia (CC art. 757). Na segunda, o serviço consumido, multifacetado, é o de intermediação, angariação e promoção do seguro, e mais o de assessoramento técnico e de representação fornecido pelo corretor ao segurado, cuja remuneração se denomina comissão de corretagem, por isso o corretor que der causa a prejuízos ao segurado enquanto consumidor, responderá autônoma e independentemente da responsabilidade da seguradora (DL 73/66, arts. 126 e 127), cuja independência das relações de consumo afasta a responsabilidade solidária de um para com o outro, sabido que se o corretor for pessoa física a sua responsabilidade dependerá da apuração de culpa (responsabilidade civil subjetiva), enquanto que se pessoa jurídica a sua responsabilidade será objetiva, embora não se trate de uma responsabilidade objetiva pura. Em outro giro, os danos ao segurado que o agente de seguros der causa, por eles responderá o segurador.
Cabe daí indagar se haveria abusividade na prática de se realizar contrato de seguro sem a intermediação do corretor. Para responder, vale transcrever o citado art. 39, inciso IX: “Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: … IX – recusar a venda de bens ou prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis específicas…” (os grifos não são do original).
O inciso em referência, que faz parte de um elenco de itens indicados como práticas abusivas, se restringe à hipótese de recusa de oferta, pelo fornecedor, sem intermediação, ou seja, venda de produtos ou prestação de serviços diretamente entre consumidor e fornecedor, sem intermediários, como, aliás, admite a lei que regula a atividade de corretagem de seguro (Lei 4.594/64, arts. 18/19).
Todavia, consta do dispositivo do CDC a ressalva da regulação por leis especiais (e a corretagem de seguro é regulada por lei especial), sabido mais que a intermediação é praxe na comercialização de seguros, embora se admita a contratação direta. Portanto, não veria como abusiva a prática, mais que consagrada pelo costume e pelas leis especiais, de recusa de oferta pelo segurador em face da natureza própria do contrato de seguro, considerando, ademais, que o corretor de seguro supre a suposta vulnerabilidade técnica do segurado enquanto consumidor, representando-o e assessorando-o perante o segurador nessa complexa operação chamada seguro.
Não seria abusa também porque o segurador não estaria obrigado a aceitar a proposta sem o corretor, considerando que na dicção do artigo 18 da Lei 4.594/64 duas opções são estabelecidas, a juízo do segurador (como gestor da mutualidade e sujeito da oração) para aceitação de uma proposta de seguro – com ou sem corretor – tratando-se, portanto, de uma faculdade segundo a sua política de aceitação. Mas o tema não estaria livre de interpretação oposta, considerando ser o corretor um representante do segurado e, daí, não ser razoável pretender-se impor a alguém um representante que ele não queira.
Mas entendo também que se o proponente manifestar o desejo de dispensar o corretor, só para não se onerar com o custo da intermediação, deve ser a ele advertido de que desse custo não se livrará totalmente, considerando que, conquanto não obrigatória a intermediação, obrigatória será a corretagem, repassada para a Fundação Escola Nacional de Seguros – FUNENSEG nos termos da lei especial (Lei 4.594/64, art. 19), admitida na ressalva do indicado inciso IX do art. 39 do CDC. Para o consumidor, melhor seria pagar para ter o corretor do que pagar para não tê-lo, considerando que poderá usufruir dos serviços que o corretor está obrigado a prestar ao segurado, desde a pré-contratação (proposta) até a execução do contrato de seguro (liquidação de sinistro).
O dispositivo citado do CDC, por certo, não alcança o agente, posto não ser este, como dito, intermediário nos termos, inclusive, do artigo 18 da Lei nº 4.594/64 alhures transcrito.
Só resta finalizar lembrando de que se encontra para debate em audiência pública, minuta de Resolução do CNSP, a esta altura de todos conhecida, com vistas à regulamentar a atuação do AGENTE DE SEGUROS, esperando que o bom senso ilumine o “legislador infralegal” de modo que, ouvindo amplamente os setores interessados, possa editar uma norma de vanguarda e que concilie o interesse do mercado como um todo.