A recente súmula nº 465 do STJ, que apaga o § 1º do Art. 785 do Código Civil

A RECENTE SÚMULA Nº 465 do STJ, QUE APAGA O § 1º DO ART. 785 DO CÓDIGO CIVIL, DISPENSANDO O SEGURADO DE COMUNICAR O SEGURADOR DA VENDA DO VEÍCULO.

 

RICARDO BECHARA SANTOS

 

No último dia 13 de outubro, o STJ aprovou a sua Súmula nº 465, segundo a qual, “Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação”. 

 

Embora se refira ao seguro de automóvel, nada garante não seja ela aplicada também a outros tantos seguros cujo bem segurado seja suscetível de transferência. De toda sorte a ressalva a torna menos severa ao segurador, pois retira de sua aplicação as transferências para pessoas de maior risco, mas não o faz sem derrogar expressa disposição de lei,constante do artigo 785 do Código Civil, em prejuízo do princípio constitucional da Separação dos Poderes da República que impede ao Judiciário legislar e ao Legislativo julgar e, consequentemente, do da Segurança Jurídica.

 

Desconsiderou-se, também,o diálogo das fontes, entre o CC e o CDC, pois este, no artigo 54, § 4º, admite cláusulas limitativas do direito do consumidor, desde que redigidas com clareza e destaque, sendo portanto  válida cláusula que dessa forma obrigue o segurado a comunicar ao segurador, sempre que alienar o veículo. Tampouco o CDC trataria como consumidor de seguro, no caso, o terceiro que não celebrou com o segurador contrato intuitu personae.

 

A Súmula impõe nítido borrão derrogatório ao § 1º do art. 785 do CC que estabelece para os contratos nominativos, como o de seguro de automóvel, que a transferência só produz efeitos para o segurador após a comunicação prévia do segurado (cedente) e daquele que venha a aspirar a condição de novo segurado (cessionário).

 

E de outra melhor forma não poderia estar redigido o parágrafo “derrogado” na medida em que é direito do segurador deliberar se aceita ou não o cessionário como seu segurado, submetendo-o à devida análise prévia do risco através de um novo Questionário de Avaliação, além de ser direito constitucional que garante ao segurador escolher livremente os seus clientes e, no mínimo, usar da prerrogativa de avaliá-lo previamente, não só em relação ao risco técnico como moral, pois é apanágio do contrato de seguro a avaliação prévia, e não a posterior do risco, não sendo razoável ao Judiciário se imiscuir nos aspectos técnicos, atuariais e operacionais que competem à seguradora como gestora da mutualidade, tampouco na regulação e liquidação dos sinistros, e na política de bônus que, assim como os contratos nominativos, intuitu personae e não intuiitu rei, é pessoal e intransferível.

 

A Súmula pode causar situações esdrúxulas, como a de total anonimato dos clientes de uma seguradora, com reflexos inclusive na legislação que reprime a “lavagem de dinheiro”, eis que, na medida em que o segurador só venha a conhecer seu suposto novo cliente por ocasião do sinistro, e se todos resolverem não comunicar encorajados pela decisão sumulada do STJ, a seguradora teria uma carteira anônima de segurados, sem conhecer os seus clientes e, por isso, impossibilitada de cumprir, se caso, os procedimentos emanados das normas referentes à “lavagem de dinheiro”.

 

No rol de dificuldades e gestões a cargo da seguradora, que não estão a salvo de aumento de custos a dano dos consumidores que integram a mutualidade, haverá de se questionar, por conta do julgado, o que deva ser entendido por “efetivo agravamento do risco” constante do verbete sumulado. Seria o agravamento a que aludem os artigos 768 e 769 do CC? Como deveria ser entendido, por exemplo, para fins de aplicação da Súmula, o fato de um segurado, com 30 anos de idade e 10 anos de carteira, transferir o veículo e o seguro para terceiro com 26 anos de idade e 6 anos de carteira? Configuraria isso um agravamento efetivo do risco? Ou a transferência por segurado que guarda o veículo na garagem para outrem que não tem garagem? O receio é que tudo isso, sob o manto da subjetividade, se transforme em mais demandas, em mais conflitos e atritos com os clientes. A questão também não pode escapar da análise do art. 766 do CC, que trata das consequências decorrentes de omissões e declarações inexatas ou reticentes do segurado.

 

As respostas a estes e outros questionamentos, pretendemos aprofundar em artigo que esperamos seja publicado na Revista Cadernos de Seguros, edição impressa nº 164, de espaço mais generoso que o desta coluna.

 

Há de haver uma formal substituição na titularidade do seguro, sem a qual, deveria restar desonerado o segurador nos seguros de dano em que seja nominativa a apólice.

 

É certo que na apólice ao portador basta sua posse para legitimar o status de segurado. Se à ordem, basta o endosso para operar a transferência dos seus direitos e obrigações. Restando, portanto, para as apólices nominativas, eventuais dúvidas que pudessem suscitar, considerando, ademais, a proeminência do risco subjetivo na avaliação da aceitação pelo segurador e consequente taxação do prêmio, muito comum nos seguros de automóvel, em que o prêmio é maior ou menor conforme sejam as características do segurado, em função da idade, do sexo, do tempo de habilitação, do tipo de uso que se dá ao veículo, por demandando um Questionário de Avaliação de Risco para a avaliação prévia do PERFIL do segurado. Pois é pela apólice nominativa que se opera a seleção do risco subjetivo, em função do provável comportamento do segurado na relação com o bem ou interesse garantido.

 

Uma vez comunicada previamente a transferência, pode suceder três hipóteses em caso de aceitação: (a) o segurador aceitar o risco do cessionário, adquirente ou sucessor pelo mesmo prêmio, se não houver alteração em relação ao cedente, alienante ou transmitente; (b) aceitar com prêmio adicional uma vez verificada agravação do risco ou; (c) aceitar com devolução de prêmio se o risco do cessionário ou adquirente for menos gravoso que o do cedente, alienante ou transmitente. Se não houver aceitação do novo risco, o prêmio deverá ser devolvido pro rata ou com base na tabela a prazo curto.

 

 

CESARE VIVANTE, citado por PEDRO ALVIM, em seu “O Seguro no Novo Código Civil”, já advertia que o segurado pode ceder os direitos que lhe competem contra o segurador, mas a cessão está subordinada, nos seguros de danos, às seguintes condições:A) La póliza no puede transmitirse antes del siniestro sino aquel a quien  se transmite tambiém, um interes em la conservación de la cosa asegurada, por ejemplo, al comprador o al creador pignoratício. Si se la pudiera ceder válidamente a quien no tuviera verdadero interés en su salvación, por tanto, nada que perder si ella se pierde, el seguro degeneraría  en una apuesta sobre los riesgos ájense, con las tristes incitaciones que de ela derivan. Después del siniestro la póliza vale como documento de crédito no subordinado ya a la sobreveniencia  del siniestro y puede cederse a cualquiera, aun a quin no haya sufirdo daño alguno. B) La indole pesonal de muchos riesgos contra los que la vigilancia del asegurado puede ejercer una eficaz influencia, como en los seguros contra los incendios, hace que la cesión de la póliza a beneficio del comprador está  subordinada al consentimiento de la Compañia. Sin éste, el beneficio del seguro no pasa al cesionario”.

Enfim, a doutrina de todos os povos é unânime em afirmar que a transferência das apólices nominativas não pode ser feita sem o consentimento prévio do segurador, mesmo na doutrina francesa, cujo direito positivo chegou a ponto de não autorizar, tanto por isso, apólices à ordem e ao portador (Code des Assurance, pág. 117, por Justin Godart).

 

São essas, por enquanto, as considerações que nos ocorrem aduzir sobre o tema, em apertadíssima síntese.

 

Ricardo Bechara Santos.

Advogado especializado em direito do seguro. Sócio do Escritório Miguez de Mello Advogados.

 

Rio, 04/11/10.

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