As despesas de salvamento e o dever de comunicação pelo segurado no Código Civil vigente

RICARDO BECHARA SANTOS 

 

 

O tema proposto pode e deve ser examinado a partir de dois dispositivos do Código Civil de 2002, os artigos 771 e 779, que a seguir me permito transcrever para melhor visualização:

 

“Art. 771 – Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Parágrafo único – correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

 

Art. 779 – O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.”

 

COM RELAÇÃO AO ARTIGO 771

 

O artigo 771 acima transcrito corresponde ao art. 1.457 do Código de 1916, mas livre da ressalva do parágrafo único que o mesmo continha, a de que só a omissão justificada exonerava o segurador e mesmo assim se este provasse que, se avisado oportunamente, seria possível evitar ou atenuar as consequências do sinistro.

 

O dever de comunicação do sinistro, como variante do dever do segurado de prestar ao segurador toda informação relativa ao risco, desde a fase pré-contratual, durante a vigência do contrato e na sua execução, tem fundamento pelo menos em três vertentes básicas: (a) a de que a seguradora deve estar informada do sinistro de modo que possa adotar as medidas pertinentes ao cumprimento de sua prestação; (b) a de que a seguradora deve preparar a regulação e liquidação técnica do sinistro que, dependendo do caso, poderá envolver o trabalho de peritos; (c) a de que a seguradora deve provisionar o sinistro.

 

Até porque só há possibilidade de ressarcimento de danos se e quando acontecer o sinistro e dele tiver o segurador o devido e tempestivo conhecimento, daí o dever primordial tanto do segurado, do tomador e do beneficiário, de comunicar o sinistro no prazo assinalado que, de tão importante tal dever no contexto do seguro, o legislador determinou que o aviso de sinistro fosse dado tão logo o segurado dele saiba, cuja consequência é a perda do direito à indenização.

 

Para que o segurador, por conseguinte a mutualidade, não seja posto em situação de desvantagem, o perfeito cumprimento do dever imposto ao segurado deve ser de tal forma que: (a) não haja falta de aviso e declaração do sinistro; (b) o aviso e a declaração do sinistro não sejam tardios e; (c) o aviso e a declaração do sinistro não sejam defeituosos.

 

O segurado, o tomador do seguro, beneficiários e prepostos, devem envidar todos os meios e esforços razoáveis para minorar as consequências do sinistro, independentemente de serem tais medidas recomendadas pela seguradora, pois devem agir como toda pessoa prudente e diligente, daí porque o legislador imprimiu o dever de salvamento. O sinistro, que é fato eventual, não se confunde com as consequências danosas de sua ocorrência que podem ser perfeitamente minoradas pelo segurado, em sua própria defesa e interesse, por isso o segurado, em que pese estar garantido pelo seguro, a esse efeito há de agir como que se seguro não tivesse, eis que se permanecer inerte estará atentando, por omissão, contra o princípio da boa-fé objetiva, devendo daí adotar todas as medidas de salvamento. É certo que o salvamento também favorece o segurador, nem por isso o segurado há de se descurar, deixando que se agravem as consequências do sinistro, até porque essas consequências, estatisticamente, são difíceis de avaliar. Se o segurado agir com dolo ou culpa, perde induvidosamente o direito à indenização, ao que se infere da letra e do espírito do texto legal pátrio. Há, todavia, legislações que admitem uma redução proporcional da indenização se atuar apenas com culpa ou mesmo sem ela, por se considerar inadequado que a mutualidade gerida pelo segurador tenha que indenizar um prejuízo superior àquele que seria produzido se o segurado tivesse adotado as providências razoáveis de salvamento ao seu alcance.

 

Com efeito, a demora do segurado na comunicação do sinistro é punida com a perda do direito à indenização correspondente ao sinistro a que se refere a comunicação tardia, não necessariamente de toda a garantia. Indica a Doutrina que o mais típico dever acessório derivado do princípio da boa-fé é o de informar, que assume especial relevância no seguro, antes de sua celebração e durante toda a vida do contrato inclusive no sinistro e na sua regulação, valendo a propósito repisar que seguro é contrato de duração, de trato sucessivo e de execução continuada.

 

Entrementes, em nosso sistema jurídico de diálogo e comunicação de fontes e de cláusulas abertas, é previsível que prevaleça o entendimento no sentido de que para se determinar a perda do direito à indenização mister que a demora do aviso haja determinado um mínimo de prejuízo para o segurador e ao fundo por ele gerido, como também para a regulação do sinistro, por isso se o segurado demonstrar que o seu atraso foi sem dolo e absolutamente inofensivo, justificável, provando que o segurador nada poderia fazer para evitar ou atenuar as consequências do sinistro, não deveria de regra ser-lhe acarretada a perda do direito.

 

Para não se ficar no limbo da subjetividade da expressão “logo que saiba”, deveria haver espaço para se ajustar na apólice, ao contrário do que entende a SUSEP, um prazo decadencial, digamos de dez dias, conforme autorizado pelo art. 211 do CCb, para que o segurado proceda ao aviso de sinistro se dele tomou conhecimento. Algumas legislações estrangeiras determinam esse prazo decadencial. O velho código italiano estabelecia esse prazo em três dias; a lei francesa em cinco dias; a alemã, sem prazo, mas imediatamente, dentre muitas outras nesse mesmo sentido, como a Argentina, na qual parece ter o nosso Código se inspirado, tanto que lá é estabelecido igualmente que o segurador se desobriga do pagamento da indenização se o segurado não lhe der aviso imediato e não tomar as primeiras providências relacionadas com o sinistro por conta da verba segurada, até o limite fixado no contrato.

 

A propósito, vale ilustrar os presentes comentários com a seguinte ementa de acórdão exarado na Apelação Cível nº 2058/96, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em que foi Relator o insigne Desembargador GALDINO SIQUEIRA NETTO que, acolhendo tese da seguradora referente à falta de comunicação deu à mesma, ganho de causa tendo em vista a violação de cláusula constante da apólice de seguro, que impunha ao segurado a obrigação de dar imediato e escrito aviso de sinistro à seguradora, independentemente da comprovação de prejuízo que da omissão decorra:

 

“AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO COM RITO SUMÁRIO. SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU JULGANDO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO. INDEFERIMENTO DA DENUNCIAÇÃO À LIDE POR TER O SEGURADO DESCUMPRIDO OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE COMUNICAR A SEGURADORA”.

 

Verifica-se do caput do artigo 771 ao início transcrito, que a obrigação de minorar as consequências do sinistro é do segurado, enquanto que o parágrafo único estabelece que as despesas de salvamento consequente ao sinistro (note que o salvamento é que é consequente ao sinistro) e a ele consentâneas (as despesas de salvamento) e de imediata deflagração, correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato. Portanto, enquanto aguardar as providências do segurador, já avisado ou mesmo antes disso, o segurado deverá tomar as primeiras providências emergenciais, não só para evitar consequências agravadoras do sinistro, como para diminuí-las.

 

Embora nos pareça lógico que esse limite referido no dispositivo citado seja o próprio limite máximo de garantia fixado na apólice nos termos dos art. 778 do Código, sugere-se conter na apólice (ou ao menos na sua oferta) cobertura específica para despesas de salvamento com limite próprio, com a cobrança de um prêmio adicional correspondente, diante da regra de prevenção do sinistro prevista no parágrafo único do artigo 771 do Código.

 

Infere-se de pronto que, se não contratado um limite de garantia próprio para despesas de salvamento, correriam elas por conta do limite máximo da garantia estipulado, devendo deste limite ser deduzidas, se acaso, as despesas utilizadas, de modo que, se na sequência de vigência da apólice ocorrer sinistro, mormente com perda total, coberto pela garantia básica, a indenização será paga com a dedução do valor indenizado para despesas de salvamento. O mesmo não sucede se contratada a cobertura específica de salvamento, posto que a expressão “correr à conta do segurador mais não pode significar do que no sentido de por conta do seguro por ele administrado, e não às suas próprias expensas, já que a lei não tolera o enriquecimento sem causa, pois se são despesas próprias do segurado para salvamento de seu próprio patrimônio, somente por ele devem ser efetivamente suportadas.

 

O dispositivo não especificou a proporção do limite que pode ser estabelecida no contrato, mas deixou claro que as despesas de salvamento correrão por conta do seguro no limite fixado no contrato.  Despesas de salvamento essas que em tese não devem ser consideradas nos seguros de pessoas eis que nitidamente mais apropriadas para os seguros de dano, pois aqui a palavra indenização utilizada no caput parece ter sido empregada corretamente com o fito de estar se referindo somente aos seguros de dano e não também aos de pessoa, nestes que, pelo seu caráter não indenitário, a prestação do segurador denomina-se capital segurado, e não indenização. Até porque, mormente nos seguros de vida com reservas individualizadas sob o regime de capitalização (veja artigos 796/797 e 798), a demora do beneficiário em participar o sinistro ao segurador é muito mais prejudicial a ele mesmo do que ao segurador. A não ser que esteja o interessado imbuído do propósito de, em seu proveito, apagar os vestígios de uma boa regulação ou de esconder uma fraude, caso em que se resolve pelas consequências da quebra do princípio da boa-fé.

 

Nesse tocante, vale transcrever as imortalizadas palavras do mestre PEDRO ALVIM, ao comentar dito dispositivo do código de 2002 ainda quando antes de se convolar em lei, mas já a salvo de qualquer alteração:

 

“Resta esclarecer que o artigo, ora comentado, deveria estar na segunda seção que trata de seguros de dano. Sua posição na primeira seção que cuida de disposições gerais, aplicáveis tanto aos seguros de dano, como aos seguros de pessoa, pode levar à conclusão de que disciplina também estes últimos. Acontece que nos seguros de pessoa as verbas são prefixadas em quantias certas (…)

 

As despesas, por exemplo, com o tratamento de um doente que vem a falecer não são indenizáveis por aquela verba. Assim, se o seguro de vida é de cem mil reais, os beneficiários receberão, apenas, este valor e não os gastos com assistência médico-hospitalar que constituem objeto de outro tipo de seguro. A manutenção do dispositivo, onde se encontra, poderá induzir o intérprete nas lides forenses a impor ao segurador o pagamento de quantias não previstas no contrato”.

 

Realmente, as referidas despesas de salvamento estão previstas no parágrafo único de artigo 771 do Código constante das disposições gerais do Capítulo do Código que trata do contrato de seguro, por isso poderiam ser vistas, ao menos numa interpretação mais apressada, com destinação tanto para os seguros de dano quanto para os seguros de pessoa (veja-se regra similar para os seguros de dano no art. 779), muito embora se trate de garantia que se conforma, como dito alhures, muito mais apropriadamente com o seguro de dano, tanto que também referidas como despesas de salvamento (custo financeiro, despesa material), e que, portanto, devem ser efetivamente demonstradas pelo interessado, avisadas de imediato ao segurador e que seja o salvamento consequente ao sinistro, o que por si só afastaria em regra a ideia de salvamento nos seguros de pessoa, sabido mais que, se inserido no parágrafo, há de submeter-se ao contexto do caput já que, na melhor hermenêutica, inexiste parágrafo (membro) dissociado do caput (cabeça), ou seja, inexiste parágrafo autônomo. E, bem a propósito, como o caput faz referência aos seguros em que a prestação do segurador em ocorrendo o sinistro é uma indenização e não capital segurado parece-nos óbvio que o legislador, também por aí, quis mesmo referir-se aos seguros de dano, considerando as circunstâncias que envolvem o seu contexto, ao contrário do que sucede nos artigos 763 e 772, em que teria o legislador se utilizado da expressão “indenização” por um erro material de digitação e de sistematização, inclusive de alocação.

 

Repise-se que em decorrência da expressão “consequente”, plasmada no art. 771, no singular, reflete inexorável intenção do legislador de restringir o risco de salvamento aos seguros de dano, e se pudesse ser aplicada aos seguros de pessoa quando muito o seria no de acidentes pessoais nas garantias de invalidez, pois o risco de morte estaria obviamente excluído. É que na invalidez, particularmente a causada por acidente, os recursos médicos, por exemplo, que pudessem ser empregados, no máximo poderia permitir a redução de suas consequências, mas sem configurar o salvamento na expressão literal do dispositivo legal em comento, mesmo porque, tratar-se-ia de um risco financeiro excluído expressamente da Seção dos seguros de pessoa pelo art. 802.

 

Entretanto, se acaso imposta a extensão desse preceito aos seguros de acidentes pessoais no risco de invalidez, argua-se apenas para argumentar, a alternativa seria a fixação, nas condições da cobertura, de um ponderado valor fixo, ou proporcional ao capital, devidamente considerado na taxação, embora impregnando o seguro de pessoa com a garantia de seguro de dano.

 

Isso para atender às hipóteses em que, realmente, pudesse acaso se vislumbrar o salvamento do segurado consequente ao sinistro e suas despesas.  Tendo ele cobertura para riscos de acidentes pessoais – que se enquadra como seguro de pessoa nos termos dos arts. 789 e seguintes do Código -, vindo a sofrer um acidente pessoal coberto, por exemplo, quando praticava alpinismo (risco que não pode ser excluído nos termos do art. 799 do mesmo Código), e, para não morrer ou tornar-se inválido, aciona uma UTI móvel através de seu telefone celular, ou por outro meio remoto ao seu alcance!…

 

A cautela poderia até recomendar um limite percentual apartado para livrar o segurador de eventual interpretação que milite pela sua responsabilidade, mesmo nos seguros de pessoas nas condições acima – pelo fato da localização do dispositivo nas disposições gerais como se disse -, em face de expressão “correm à conta do segurador…” Todavia, historicamente essa despesa de salvamento sempre foi reservada aos seguros de dano ou de coisas pela sua natureza indenizatória, como, por exemplo, o rompimento de obstáculos com a sua destruição, pela brigada de incêndio no afã de debelar o fogo no seguro do imóvel, ou pelo próprio segurado, no desespero traumático do sinistro. A expressão ”consequente ao sinistro”, empregada no parágrafo único do art. 771, contribui vigorosamente para que a melhor interpretação, senão a única, seja mesmo a de que o dispositivo se refira, sem assombro, aos seguros de dano ou de coisas, completada pelo comando do caput que se utiliza da palavra “indenização”, incompatível com os seguros de pessoas em face de sua multiconhecida natureza não indenizatória. Como se nota, existem maiores e melhores elementos para o triunfo de tal entendimento do que daquele que se apega tão somente na localização do dispositivo no capítulo do código, que pode igualmente ter sido fruto de um erro material escusável ou de sistematização do naturalmente falível legislador, como tudo estaria a indicar.

 

Ademais, e em se fechando esse parêntesis, não faria qualquer sentido eventual interpretação de que, pela falta de um limite específico, o segurador tenha que responder por essas despesas de salvamento sem que tenha cobrado o prêmio adicional e sem que tenha sido o causador do sinistro e ou de suas consequências, ou que coubessem a ele os custos de uma prevenção (antecedente) não assumida e nem legal ou contratualmente prevista, ou do próprio salvamento, no caso da coisa já sinistrada (consequente). Por isso a melhor interpretação dentro das regras de hermenêutica – se não houver um limite fixado na apólice – é a de que esse limite seja o próprio limite máximo de garantia (artigos 760/778/781), do qual seriam deduzidas, até o seu exaurimento repita-se, as despesas havidas com o salvamento consequente ao sinistro, caso em que resultaria na extinção do contrato pela consumação do valor do limite máximo de garantia, fenecendo o interesse legítimo segurado, por conseguinte o próprio objeto do contrato de seguro (art. 757). Até porque, prevalece o princípio constitucional fundamental do direito de propriedade, que restaria lesionado na medida em que exigida do segurador privado qualquer indenização ou capital segurado além dos limites do seguro e da equivalência atuarial do prêmio.

 

Como estamos lidando com contrato por adesão, seria necessária a cautela de que esse limite não seja apenas simbólico, mas que represente algo razoável, ponderável, proporcional, e seja fixado com clareza tanto na proposta quanto no contrato dela resultante, preferencialmente em forma de um percentual do limite máximo de garantia – nada impedindo também seja por um valor fixo – calculado atuarialmente pela experiência de cada modalidade de seguro e que fique bem visível também o seu destaque ou que seja dedutível se acaso utilizado, cabendo, de qualquer forma, ser calculado e cobrado o prêmio adicional correspondente e referido na Nota Técnica Atuarial, eis que o fato de essas despesas de salvamento correr por conta do segurador, ou melhor, do seguro, nos limites do contrato, obviamente não significa tenha ele que as conceder gratuitamente, sob pena de restar malferido, como dito, o direito constitucional de propriedade, até porque, se a preservação do patrimônio do segurado interessa ao segurador, muito mais ainda e inevitavelmente ao próprio segurado. Por isso se não houver limite especial fixado na apólice, o limite será a consumação, até o exaurimento, do limite máximo da garantia.

 

No seguro de dano ou de coisa, decerto que seriam variáveis os critérios para se fixar o limite de cobertura de salvamento. No seguro de automóvel, por exemplo, é muito comum essa cobertura embutida na conhecida assistência 24 horas, que cobre, por exemplo, o reboque do veículo segurado em caso de pane (que por si só não representa um sinistro de cobertura básica ou compreensiva – colisão, roubo incêndio). Para não deixar o veículo à deriva, exposto a sinistro de furto, por exemplo, o segurado aciona a assistência 24 horas como forma de salvamento, cobrindo situações também consequentes ao sinistro, como, por exemplo, o reboque de um veículo já sinistrado de colisão. Nesse propósito, vale destacar as disposições da Resolução nº 102/2004 do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, que regulamenta a oferta, pelas sociedades seguradoras, de serviços de assistência caracterizados como atividades complementares ao seguro. Nesse propósito, valendo-me do espírito da oportunidade, permito-me ilustrar com o seguinte questionamento envolvendo a assistência 24 horas de segurado que a acionou quando teve o pneu de sua motocicleta furado. Senão vejamos o posicionamento que adotamos diante da dúvida suscitada:

 

“Tratava-se de dúvida concernente à cobertura da assistência 24 horas, acionada pelo segurado, em face de haver furado o pneu da moto cujo interesse é objeto do contrato de seguro firmado com a seguradora.

 

Negada a cobertura da assistência (solicitação de reboque) sob a alegação de que o evento não se enquadraria no conceito de acidente definido no contrato, reage o segurado buscando respaldo na cláusula de “Socorro e Salvamento”, que segundo entende lhe assegura a garantia do reboque uma vez contratada a assistência 24 horas, no caso ocorrente. E reforça sua assertiva brandindo o conceito de acidente timbrado no glossário organizado pela própria seguradora, como sendo o acontecimento imprevisto e fortuito do qual resulta um dano ao objeto, à coisa ou à pessoa do segurado.

 

Realmente, tal como posta na apólice a referida garantia, não há dúvida de que estamos diante de um acidente coberto pela mesma (embora o evento possa não estar coberto pelas demais garantias – compreensiva, indenização, roubo etc.; aliás, a cláusula de socorro e salvamento acima mencionada é clara em estabelecer que a garantia do reboque seja independente das demais coberturas), posto que imprevisto, presumidamente fortuito e do qual decorre um dano qualquer. Nem que esse dano seja representado pela própria paralisação da moto, pela interrupção do trajeto do condutor e pelo custo financeiro para sua reparação (vulcanização do pneu ou câmara de ar, desmontagem e montagem etc.), considerando a falta de definição desse dano no clausulado, por isso militando a favor do segurado as interpretações que daí advenham. Mormente em se tratando de uma moto, cuja substituição do pneu somente pode ser feita na oficina, até porque inexiste, a contrário dos automóveis, o pneu estepe, o que necessariamente demanda a remoção do veículo por, dentre outros meios, naturalmente o reboque.

 

Se fosse intenção da Seguradora a exclusão desse risco, deveria ter providenciado uma cláusula excludente expressa nesse sentido como, por exemplo, vinculando a garantia da assistência à ocorrência de um dano que seja coberto pela apólice, e não qualquer dano… Mas advirta-se de que a assistência em tela tem também a função preventiva de agravação do dano e também de sinistros de maior monta, tais como furto, roubo e depredação do veículo, já que, sem possibilidade de auto locomoção, poderia ficar mercê desses riscos. E a assistência tem também a função de salvamento. Até porque, diz o art. 771, parágrafo único do CCb, que “correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro”. Tal não bastando, complementa o art. 779 do mesmo Código, dispondo que “o risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa”.

 

Tal não bastasse vale ressaltar, para reflexão, as ponderações aduzidas por PEDRO ALVIM, em escritos distribuídos em seminário realizado em Ouro Preto em setembro de 1998. Além de mostrar o verdadeiro alcance do artigo 771 do CC como um todo, quando comentava o seu parágrafo único ainda na fase de projeto de lei, lembra que em determinados sinistros, como o de incêndio, os prejuízos causados pelo fogo e pela água dos bombeiros, são acrescidos pelas despesas de remoção dos bens retirados do local e de outras como a de salvamento. Questiona-se se tais despesas deveriam ficar incondicionalmente por conta do segurador. O sinistro constitui um acontecimento terrível para o segurado, realmente, tumultuando seus sentimentos, criando situações de angústia, enfim perturbando sua tranquilidade, por isso não se conforma com a destruição repentina de seu patrimônio, principalmente quando recai o dano sobre sua residência ou seu estabelecimento comercial. E é nesse impacto emocional que costuma lançar mão de todos os recursos que acredita minorarem as consequências do sinistro, carecendo nesse momento de tranquilidade necessária para ponderar os limites das despesas que no seu pensamento irão beneficiar o segurador. Daí porque justo seria que continuassem a cargo do segurado ao menos se houvesse excesso do mesmo. Para conter esses possíveis excessos é que o legislador previu a possibilidade de se limitar no contrato essas despesas mediante uma previsão que seja razoável e não apenas simbólica.

 

A propósito, em que pese continuar a tratar do tema passos mais adiante em abordagem ao art. 779 do Código, permito-me trazer à baila, também aqui, uma breve noção de salvamento” imprimida pela legislação e doutrina de outros povos, como, por exemplo, a de nossos vizinhos argentinos, como se vê do magistério de GUSTAVO RAÚL MEILIJ, conforme escólios extraídos de seu “Manual de Seguros” (Depalma, Buenos Aires, edição 1998, pág. 62), literis:

 

“El salvamento es un deber que la ley impone al asegurado de disponer lo necesario, en la medida de sus posibilidades, para evitar el daño o disminuirlo.

El deber de ejecución de los actos de salvamento nace con la inminencia del siniestro y se mantiene en tanto sean de posible realización los daños provocados por el hecho previsto como riesgo en el seguro.

Salvo expresas instrucciones del asegurador, el asegurado deberá cumplir con esta carga realizando lo que estime necesario para evitar o disminuir el daño.

Luego el asegurador le reembolsará todos los gastos realizados que no sean manifiestamente desacertados, aunque las medidas adoptadas hayan sido infructuosas o excediesen en su conjunto la suma asegurada (art. 73, L.S).

En caso de existir pluralidad de seguros puede ocurrir que las instrucciones recibidas de los diversos aseguradores sean contradictorias. En tal supuesto el asegurado deberá obrar conforme a las que apararezcan como más razonables, según las circunstancias (art. 72, L.S.).La mera infracción formal de esta carga no acarrea sanción, requiriéndose que la omisión obedezca al dolo o la culpa grave del asegurado y que como consecuencia de ello se haya perdido la ocasión de disminuir el daño. En la medida de esta probable disminución es que el asegurador queda liberado de la obligación de indemnizar”.

 

Com efeito, diante do parágrafo único do art. 771 do Código, ao início transcrito, estabelecendo que “corre à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro”, parece assim conveniente que tal matéria seja definida, primeiramente na proposta, e, por conseguinte, na apólice, conforme a política de aceitação da Seguradora. Daí deve ser aberto na proposta um campo para que a seguradora fixe o limite para despesas de salvamento, já que se não o fizer poderá responder até o limite máximo de garantia. Exemplo: LIMITE PARA DESPESAS DE SALVAMENTO CONSEQUENTE AO SINISTRO: R$ ——

 

Na Apólice, sugere-se constar a seguinte cláusula, dela fazendo parte as observações que seguem:

 

Despesas de Salvamento consequente ao sinistro: “Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado tomará todas as providências imediatas para minorar as consequências do sinistro, inclusive com as despesas de salvamento que forem necessárias, das quais será reembolsado pelo segurador em até o valor do limite especificado na proposta, tudo limitado ao valor máximo de garantia.

Parágrafo único. Consideram-se despesas de salvamento aquelas efetivamente necessárias, com nexo de causalidade adequada com o sinistro e comprovadamente efetuadas pelo segurado durante e ou logo após a ocorrência do sinistro, bem como os valores referentes aos danos materiais comprovadamente causados pelo segurado e ou por terceiros na adequada tentativa de diminuir o dano, as consequências do sinistro ou salvar a coisa.”

 

OBS 1: Lembre-se de que o Código Civil, em seu art. 771 (caput), além da comunicação imediata do sinistro, incumbe ainda ao segurado as providências imediatas para minorar as consequências do sinistro, estabelecendo, no parágrafo único, a possibilidade da fixação de um limite para o reembolso das despesas de salvamento consequente ao sinistro. Daí a razão de se prever na cláusula um percentual para regular o limite do referido reembolso, que deve estar fixado na proposta, de modo a evitar que as despesas com o salvamento venham a absorver todo o valor da garantia referente ao sinistro ocorrido. Não havendo esse limite específico, as despesas de salvamento teriam como limite o valor máximo da garantia. Nesse sentido estabelece o art. 31 da Circular SUSEP nº 256/2004.

 

No que tange à primeira parte do caput do mesmo art. 771, sugere-se constar também da apólice a seguinte cláusula: “Aviso de Sinistro: “Perderá o direito à indenização o segurado que não comunicar o sinistro à seguradora tão logo dele tenha conhecimento, como também se não adotar as providências imediatas para minorar suas consequências”.

 

OBS 2: A cláusula está em harmonia com o art. 39 da Circular SUSEP nº 256/2004 e art. 771 do Código Civil. O ideal seria que constasse um prazo decadencial fixo como autoriza o art. 211 do Código Civil, mas equivocadamente vedado pelo art. 39 da mencionada Circular da SUSEP.

 

COM RELAÇÃO AO ARTIGO 779 DO CÓDIGO

 

Já agora, adentrando no também ao início transcrito artigo 779 do Código, que a exemplo do já comentado artigo 771 constitui igualmente marco regulatório das despesas de salvamento, vale lembrar que tal dispositivo guarda relação com os artigos 1.460 e 1.461 do Código revogado, considerando que ambos, como também o ora comentado, de alguma forma referem-se à delimitação do risco no contrato.

 

Com efeito, voltam-se os questionamentos sobre principal e acessório no contrato, fazendo também por aí possível considerar-se verba separada para despesas com o salvamento, mas deixando dúvidas, superáveis é bem verdade, quanto à possibilidade de indenização sem sinistro.

 

Por tal dispositivo, permite-se igualmente a dedução das despesas de salvamento do Limite Máximo de Garantia, podendo o interesse englobar valores do prejuízo com sinistro e os da “prevenção” para fins do art. 778 do Código.

 

Enfim, a amplitude da redação do art. 779 do Código, poderá fazer suscitar velha disputa sobre a cobertura dos prejuízos indiretos, apesar de inteiramente superada pela legislação de outras nações.

 

Com efeito, deflui da letra do artigo em causa que se consideram cobertas pela garantia básica do seguro de dano as despesas incorridas pelo segurado para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar a coisa. Decorre também daí que, na contratação do seguro, somente se admitirá valor do interesse segurado superior ao valor do bem se as despesas mencionadas forem especificadas em separado na apólice. Entretanto, em hipótese alguma, a indenização devida, nos termos do art. 781, poderá sobrepor o limite máximo da garantia estabelecido na apólice. Por conseguinte, uma vez demandadas as despesas de salvamento, a consequência natural é a de que a cobertura se recomponha integralmente após um sinistro parcial no caso de o segurado pagar um prêmio diferenciado para cobrir aquelas despesas, do contrário, conforme se ajustar na apólice, a cobertura ficará reduzida, cabendo ao segurado, se assim o desejar, adquirir nova garantia que restabeleça os limites inicialmente contratados, arcando, decerto, com o acréscimo correspondente do prêmio.

 

De outra parte, como as garantias estabelecidas no art. 779, por sua dicção, podem ser consideradas obrigatórias, devem ser levadas em conta para efeito do cálculo do prêmio.

 

Por tudo isso o dispositivo em causa está a merecer redobrada atenção, na medida em que as coberturas adicionais, ali meio que silenciosa e subliminarmente introduzidas, ganham o selo da obrigatoriedade, eis que, ao estabelecer que o risco, e não a cobertura envolverá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa, além de imprimir uma abrangência que pode até escapar da percepção das partes já que a expressão “como sejam” dá um tom apenas exemplificativo e não taxativo, aumenta, sobremaneira, o risco coberto, elastecendo, assim, aqueles limites a que se referem os artigos 778 e 781 do Código, exceto o Limite Máximo de Garantia, este que, como se vê do art. 781, DE FORMA ALGUMA, pode ser ultrapassado. Todavia, no art. 771, parágrafo único, já analisado, se admite a fixação de um limite para a despesa de salvamento, desde que consequente ao sinistro. Nesse conseguinte, o segurador há de ficar atento para taxar o risco tendo em conta as variáveis aqui advertidas.

 

Entre as multifárias modalidades de seguro de dano, nas diversas variantes do risco, o que faz do seguro uma operação complexa que demanda a contratação de técnicos experimentados, quer para o momento da aceitação do risco, quer para o momento, mais traumático, da apuração das perdas decorrentes do sinistro, se verifica também que o sinistro tem muitas outras consequências, que ultrapassam os danos diretos e materiais que atingem os bens, produzindo também os chamados danos indiretos, como sejam a paralisação da atividade do segurado, os lucros cessantes etc., nem todos cobertos pelo seguro, razão pela qual normalmente só estarão abrangidos pela garantia se expressamente previstos no contrato, tanto que podem constituir riscos objeto de garantia específica de certa modalidade de seguro, como, por exemplo, a apólice de seguro de lucro cessante, perda de ponto etc.

 

Sustenta PEDRO ALVIM que “após discussão doutrinária sobre a extensão da cobertura aos danos indiretos, prevaleceu orientação de que só vinculam a responsabilidade do segurador os danos materiais…” (in “O Seguro no Novo Código Civil”, comentários quando ainda sob a forma de Projeto de lei). E lembra que uma apólice de seguro de incêndio, por exemplo, não abrange os danos indiretos que, nada obstante, poderá ser objeto de outros seguros, mediante outros cálculos atuariais, valendo a regra, mostrada por CESARE VIVANTE, segundo a qual só os danos materiais diretos no bem sobre o qual reside o interesse segurado são suscetíveis de serem previstos e dimensionados para efeito de cálculo do prêmio no momento da conclusão do contrato, o mesmo não sucedendo com relação aos danos indiretos, como, por exemplo, o abalo de crédito do segurado, seus projetos, suas esperanças de ganhos futuros, sua dor moral, sua perda de chance etc. Afinal, o que deve estar segurado, no seguro de incêndio, ainda a guisa de exemplo, é o valor da coisa, pelo que se conclui que a indenização não deverá, de regra, extrapolar do valor da coisa considerada em si mesma, por isso em princípio os prejuízos incorpóreos e morais não estariam cobertos salvo se expressamente contratados, tal como sucede na doutrina argentina, capitaneada por ISAAC HALPERIN, deixando claro que por lá, “en materia de incêndio, se resarcem los daños materiales, causados com ocasión de um fogo hostil, directamente a la cosa sobre la que versa en interés. Los otros daños, que pueden ser materiales o imateriales, no son cobiertos: el asegurador responde por los demás danõs materiales, si existe un pacto expresso; enquanto los imateriales, que son los que afectan la persona del asegurado, se excluyen porque la prima no podría calcularse, ni ia cobrada correspondería al riesgo assumido” (HALPERIN, Contrato de Seguro, Depalma editora).

 

O insigne CARVALHO SANTOS traz à colação, a propósito do tema, lição da melhor doutrina segundo a qual se reconhece as dificuldades de se identificar se os danos são consequências do risco assumido, vale dizer, de se poder separar as consequências imediatas e necessárias daquelas mediatas e indiretas, quiçá desnecessárias, já que apenas as conseqüências imediatas são indenizáveis pelo segurador, como, por exemplo, as avarias necessárias para evitar a propagação do incêndio, já que as mediatas, por exemplo, os prejuízos decorrentes da interdição do estabelecimento incendiado, somente mediante pacto expresso.

 

Decerto que a questão transcende ao seguro de incêndio, vindo a alcançar outros seguros de dano: o transportador tem prejuízos maiores que os materiais da própria mercadoria avariada ou roubada, deixando de lucrar com sua revenda; o furto ou roubo do automóvel gera para o segurado de apólice de seguro de veículos perdas decorrentes de sua falta, tanto que as apólices costumam oferecer garantia adicional do “carro reserva”. PEDRO ALVIM, quando participou das discussões do anteprojeto, chegou a propor, em nome da clareza, redação mais ou menos assim: “A garantia que tiver por objeto uma coisa, abrangerá somente os danos materiais dos riscos previstos no contrato, salvo disposição em contrário”.

 

De outra parte, razão também assiste a LUIZ FELIPE PELLON, nas preocupações rascunhadas em trabalho conjunto, do qual participei intensamente, e que serviu de base ao Guia FENASEG, e às subsequentes palestras de apresentação sobre a Seção de seguros de dano do então novo Código Civil, mencionando que o referido dispositivo, qual o artigo 779 do CC, refere-se parcialmente a prejuízos que podem ocorrer antes do sinistro, com propósito específico de evitá-lo, no que poderia gerar uma indenização sem que tivesse ocorrido um sinistro. Mas lembra de que os demais prejuízos a que se refere o dispositivo em comento (minorar o dano ou salvar a coisa) são consequentes ao sinistro, havendo que se distinguir entre prevenir e evitar um sinistro, sabido que foi esta última a expressão utilizada pelo Código.

 

Realmente, enquanto prevenir induz ao entendimento de que o que existe para a prevenção seja apenas uma possibilidade de ocorrer o sinistro, o verbo evitar, de outra banda, pressupõe a iminência de seu acontecimento, vale dizer, um como que cheiro de fumaça, ou melhor, um pré-estágio de um incêndio, para não se dizer, no popular, onde há fumaça há fogo!… Portanto, é condição para a despesa de salvamento a certeza de que o sinistro ocorrerá.

 

Quer me parecer, todavia, que se essa certeza de que o sinistro ocorrerá tiver início antes da vigência da apólice e se for ela do conhecimento do segurado que a omitiu para o segurador, não só pelo princípio da boa fé, a despesa de salvamento não deverá ser de responsabilidade do segurador, e, se o salvamento não for feito pelo segurado, poderá importar em agravamento de risco determinante da perda da garantia total nos termos dos arts. 768 e 769, e da indenização se o sinistro se consumar em ato contínuo.

 

Note-se, ademais, que o legislador, ao definir no artigo 779 a amplitude do risco e de sua garantia, utiliza-se da expressão “estragos”, para exemplificar o que pode ser considerado prejuízo suscetível de indenização no seguro de dano além do risco próprio, ou seja, para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa. Nesse conseguinte, afastam-se do âmbito da garantia ou da cobertura as despesas com obras de construção, por exemplo, de contenção de encostas, muro de arrimo, ou com a prestação de serviços para evitar um sinistro ou minorar suas consequências, já que esses atos não se compreendem dentro do conceito de “estragos”, estes que dão a ideia, isto sim, de desfazimento, de demolição, como por exemplo, o arrombamento de uma porta, ou de um obstáculo visando ao salvamento, digamos também o excesso dos bombeiros no afã de debelar o fogo.

 

Caberia também daí indagar se essa cobertura para os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar a coisa, estaria restrita somente à propriedade do segurado ou também a de terceiros. Parece que se esses estragos necessários ocorrerem, por exemplo, no prédio vizinho, num sinistro de incêndio em imóvel contíguo, poderia parecer à primeira vista estar compreendido na garantia a que alude o artigo 779 em comento, já que o legislador não teria feito essa distinção. Todavia, se não se tratar de um seguro de responsabilidade civil, mas, por exemplo, de um seguro de incêndio, não nos pareceria técnica e juridicamente razoável estender a garantia do dano próprio para bens de terceiros. Afinal, os riscos devem estar claramente delimitados em cada modalidade própria de seguro. Nada impede, entretanto, seja contratada uma cobertura de responsabilidade civil dentro de uma cobertura para danos ao próprio bem do segurado.

 

Da leitura ao art. 779, decorre que em face das coberturas adicionais para os riscos agregados, ali suscitados, o seguro de dano ou de coisas poderão ter seus limites maiores do que o valor da própria coisa, mas que devem ser indicados pelo segurado para efeito do art. 778.

 

De Tudo, entretanto, não se pode olvidar de que ainda preside como característica essencial do contrato de seguro, a delimitação do risco, não respondendo por outros o segurador, na expressão do art. 757 do Código. Bem elucida esse aspecto ERNESTO TZIRULNIK, FLÁVIO DE QUEIROZ CAVALCANTI e AYRTON PIMENTEL, na 2ª edição de seu “O Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil”, Editora Revista dos Tribunais, verbis:

“Em princípio a garantia é dirigida para todos os riscos, mas é evidente que o contrato pode restringi-la por meio da predeterminação dos riscos (arts. 757 e 759). Podem as partes, igualmente, delimitar o interesse a ser garantido, o que inclui ser possível considerá-lo na sua totalidade ou parcialmente (por exemplo, os danos físicos sim, mas não os lucros cessantes – art.759). O mesmo ocorre quanto à extensão das despesas de salvamento, como já examinado (art. 771). É o que decorria, aliás, da norma do art. 1.460 do Código de 1916, que entendemos veio também contida no dispositivo em comento”.

 

E na lição de PONTES DE MIRANDA: “Para que tal princípio do risco integral não incida, é preciso que o contrato o afaste”.

 

Memorize-se que no art. 779, o Código estabelece que “o risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar a coisa”.  Parece, assim, que também em face de tal dispositivo a Seguradora deveria também por aqui examinar a conveniência ou não de que tal matéria seja previamente definida na proposta ou através de cláusula particular, a ser ajustada a pedido do segurado visando a uma cobertura específica e destacada com a cobrança de prêmio adicional, pois inexistindo essa estipulação tais prejuízos, por integrar o risco, poderão ser absorvidos pelo Limite Máximo de Garantia a que se refere o art. 781 do mesmo Código.

 

Note-se que no artigo 771, parágrafo único, mais atrás comentado, o Código cuidou das providências imediatas para minorar as consequências do sinistro e das despesas de salvamento consequente a ele, ou seja, referindo-se a situações imediatamente posteriores ao sinistro. Já no art. 779 cuidou o Código das providências também anteriores ao sinistro, daí me permitindo sugerir igualmente constar das apólices de seguro de dano as seguintes cláusulas seguidas das respectivas notas e observações a elas integrantes:

 

Providências para Evitar Sinistro, Minorar o Dano ou Salvar a Coisa Com Cobertura Específica: “Os custos com eventuais providências para evitar sinistro, minorar dano e ou salvar o bem ou interesse garantido, quando assumidos pelo segurado e solicitada na proposta a sua cobertura específica, somente estarão compreendidos na garantia quando ajustados em cláusula especial mediante pagamento do correspondente prêmio adicional. Tais despesas estão sujeitas à prévia autorização da seguradora e limitadas ao valor que vier a ser estabelecido e à sua efetiva comprovação (1)

 

(1) Circular SUSEP nº 256/2004, art. 31, § 1º.

 

Providências para Evitar Sinistro, Minorar o Dano e ou Salvar a Coisa Sem Cobertura Específica:“Não havendo cobertura específica para custos com eventuais providências para evitar sinistro, minorar dano e ou salvar o bem ou interesse garantido, os prejuízos daí resultantes ou consequentes, serão indenizados pela seguradora até o limite máximo da garantia mediante devida comprovação, ficando este limite máximo de garantia reduzido em igual valor das despesas efetivamente realizadas para efeito de indenização de eventual sinistro que venha a ocorrer, seja ele total ou parcial”. (1)

 

  • 1º Eventuais despesas de salvamento que venham a ser realizadas, e cujo reembolso seja pleiteado à seguradora, serão deduzidas cumulativamente até o limite máximo da garantia e, se ocorrer sinistro, este ficará coberto pelo saldo da garantia. Esgotado o limite máximo da garantia, operará a automática extinção do contrato.

 

  • 2º Havendo redução ou esgotamento do limite máximo da garantia, este poderá ser reintegrado a pedido do segurado mediante pagamento de prêmio adicional, calculado proporcionalmente ao tempo que restar de vigência do contrato.”. (2)

 

(1)  Circular SUSEP nº 256/2004, art. 31, § 2º.

 

(2) A Circular SUSEP nº 256/2004, em seu art. 35, faculta a reintegração do Limite Máximo da Garantia em caso de sinistro, mediante pagamento de prêmio adicional. A proposta constante do § 2º acima é mais abrangente, eis que faculta a reintegração do Limite Máximo de Garantia, em havendo reembolso de despesa para evitar sinistro, mesmo que este não tenha ocorrido. O dispositivo em questão visa a manter a garantia até o final do contrato, posto que, independentemente das providências para evitar o sinistro, o risco subsiste.

 

OBS.: Para melhor efetividade das cláusulas logo acima sugeridas, tal matéria deve ser previamente definida na proposta, para materializar pedido do segurado visando a uma cobertura específica e destacada com a cobrança de prêmio adicional, pois inexistindo essa estipulação tais prejuízos, por integrar o risco, serão absorvidos pelo Limite Máximo de Garantia a que se refere o art. 781. Exemplo: DESEJA COBERTURA ESPECÍFICA PARA COBRIR DESPESAS DE SALVAMENTO E DANOS MATERIAIS PARA EVITAR SINISTRO OU SALVAR O BEM GARANTIDO? SIM 1 NÃO 1. EM CASO DE RESPOSTA AFIRMATIVA, INDICAR O LIMITE: R$—. SENDO NEGATIVA A RESPOSTA, EVENTUAIS DESPESAS DE SALVAMENTO QUE VENHAM A SER REALIZADAS, E CUJO REEMBOLSO SEJA PLEITEADO À SEGURADORA, SERÃO DEDUZIDAS CUMULATIVAMENTE ATÉ O LIMITE MÁXIMO DA GARANTIA. SE OCORRER SINISTRO, ESTE FICARÁ COBERTO PELO SALDO DA GARANTIA. ESGOTADO O LIMITE MÁXIMO DA GARANTIA, OPERARÁ A AUTOMÁTICA EXTINÇÃO DO CONTRATO.

 

Coerente a este tópico, com relação às despesas de salvamento, também referidas no art. 779 do Código Civil, mister que sua análise se faça em harmonia com o que dispõe o seu art. 771, constante das disposições gerais do capítulo, razão pela qual me permito reportar aos comentários a ele feitos, não sendo ocioso reiterar as lições doutrinárias decorrentes da legislação de outros povos, também lá transcritas.

 

Por fim, tenha-se como óbvio, mas não custa repetir, que as despesas ordinárias com revisão, prevenção, reparos e manutenção de um bem, móvel ou imóvel, não traduzem, de forma alguma, despesas suscetíveis de cobertura com base nos artigos 771 e 779 do Código. Não faria o menor sentido, por exemplo, admitir como assim cobertas as despesas havidas com as revisões de manutenção e conservação de um automóvel.

 

REFERÊNCIAS:

 

CARVALHO SANTOS;

CESARE VIVANTE;

Circular SUSEP nº 256/2004;

Código Civil de 1916 – artigos 1.457; 1.460; 1.461;

Código Civil de 2002 – artigos 211; 757; 759; 760; 763; 768; 769; 771; 772; 778; 779; 781; 789; 796; 797; 798; 789; 799; 802;

DESEMBARGADOR GALDINO SIQUEIRA NETO;

ERNESTO TZIRULNIK, FLÁVIO DE QUEIROZ CAVALCANTI e AYRTON PIMENTEL;

Guia FENSEG do Novo Código Civil;

GUSTAVO RAÚL MEILIJ;

ISAAC HALPERIN;

LUIZ FELIPE PELLON;

PEDRO ALVIM;

Resolução CNSP nº 102/2004;

PONTES DE MIRANDA.

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