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Breve Comentário ao voto condutor do ministro Ricardo Cueva, no resp nº 1.665.701, que não admite a excludente do risco da embriagues e a aplicação das regras de agravamento do risco no seguro de vida
Por RICARDO BECHARA SANTOS
“EMENTA: RECURSO ESPECIAL Nº 1.665.701 – RS (2016/0309392-5). RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAUSA DO SINISTRO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. MORTE ACIDENTAL. AGRAVAMENTO DO RISCO. DESCARACTERIZAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR DA SEGURADORA. ESPÉCIE SECURITÁRIA. COBERTURA AMPLA. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO. ABUSIVIDADE. SEGURO DE AUTOMÓVEL. TRATAMENTO DIVERSO.
- Cinge-se a controvérsia a definir se é devida indenização securitária decorrente de contrato de seguro de vida quando o acidente que vitimou o segurado decorreu de seu estado de embriaguez. 2. No contrato de seguro, em geral, conforme a sua modalidade, é feita a enumeração dos riscos excluídos no lugar da enumeração dos riscos garantidos, o que delimita o dever de indenizar da seguradora. 3. As diferentes espécies de seguros são reguladas pelas cláusulas das respectivas apólices, que, para serem idôneas, não devem contrariar disposições legais nem a finalidade do contrato. 4. O ente segurador não pode ser obrigado a incluir na cobertura securitária todos os riscos de uma mesma natureza, já que deve possuir liberdade para oferecer diversos produtos oriundos de estudos técnicos, pois quanto maior a periculosidade do risco, maior será o valor do prêmio. 5. É lícita, no contrato de seguro de automóvel, a cláusula que prevê a exclusão de cobertura securitária para o acidente de trânsito (sinistro) advindo da embriaguez do segurado que, alcoolizado, assumiu a direção do veículo. Configuração do agravamento essencial do risco contratado, a afastar a indenização securitária. Precedente da Terceira Turma. 6. No contrato de seguro de vida, ocorrendo o sinistro morte do segurado e inexistente a má-fé dele (a exemplo da sonegação de informações sobre eventual estado de saúde precário – doenças preexistentes – quando do preenchimento do questionário de risco) ou o suicídio no prazo de carência, a indenização securitária deve ser paga ao beneficiário, visto que a cobertura neste ramo é ampla. 7. No seguro de vida, é vedada a exclusão de cobertura na hipótese de sinistros ou acidentes decorrentes de atos praticados pelo segurado em estado de insanidade mental, de alcoolismo ou sob efeito de substâncias tóxicas (Carta Circular SUSEP/DETEC/GAB n° 08/2007). 8. As cláusulas restritivas do dever de indenizar no contrato de seguro de vida são mais raras, visto que não podem esvaziar a finalidade do contrato, sendo da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado. 9. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 09 de maio de 2017(Data do Julgamento) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator.”
Oportuno comentara recente decisão do STJ no REsp nº 1.665.701, conforme ementa acima, em que foi Relator o ínclito Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, cujo voto condutor, data venia equivocado, até porque na contramão de precedentes da própria Corte, nega validade de clausula excludente do risco da embriagues do segurado na condução de veículo automotor e inadmite sejam aplicadas aos seguros de vida as regras de agravamento de risco estabelecidas no artigo 768 do Código Civil, em que pese tal dispositivo estar alocado nas disposições gerais do Capítulo que regula o contrato de seguro, por isso aplicável tanto aos seguros de dano quanto aos de pessoa tratados nas seções seguintes, preferindo o eminente relator se orientar por simples Carta-Circular da Superintendência de Seguros Privados, norma infra legal interna sequer publicada no Diário Oficial. Referimo-nos à Carta-Circular SUSEP/DETEC/GAB Nº 08 de 2007.
Cabe de pronto dizer, com todas as vênias, que a decisão em comento é manifestamente contrária ao Direito do Seguro, nomeadamente ao disposto no citado artigo 768 do Código Civil (impõe a perda da garantia do seguro em caso de agravamento do risco), bem assim ao disposto no seu artigo 757, segundo o qual a seguradora somente responde pelos riscos delimitados no contrato, cuja clausula excludente expressa do risco da embriaguez tem plena validade, posto que em harmonia com o próprio Código de Defesa do Consumidor, que admite clausulas restritivas ao direito do consumidor desde que postas no contrato com clareza e fácil compreensão – tal como normalmente sucede, pois as sociedades seguradoras foram as primeiras a reconhecer que suas atividades se submetem ao CDC -, sabido que a exclusão do risco da embriaguez é válida em qualquer modalidade de seguro seja de dano ou de pessoa, como se verá passos mais adiante, não carregando qualquer coeficiente de abusividade, muito pelo contrário, eis que tem sido entendimento copioso do próprio Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que a abusividade não basta ser alegada, há de ser cabalmente comprovada. Confira-se, por exemplo, com a decisão unânime proferida no REsp nº 1.216.673-SP (2010/0184273-9) de junho de 2011, de relatoria do eminente Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgando improcedente ação civil pública em que se pretendia taxar de abusiva cláusula de contrato de seguro sem se dar ao trabalho de demonstrar a ilicitude. E dentre os fundamentos da decisão, um deles foi justamente o de que “não pode o juiz, com base no CDC determinar a anulação de cláusula contratual expressamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio se não houver evidência de que o consumidor tenha sido levado a erro quanto ao seu conteúdo. No caso concreto, não há nenhuma alegação de que a recorrente tenha omitido informações aos consumidores ou agido de maneira a neles incutir falsas expectativas. Deve ser utilizada a técnica do “diálogo das fontes” para harmonizar a aplicação concomitante de dois diplomas legais ao mesmo negócio jurídico…” No caso entre o CC e o CDC. E a carta-circular na qual se baseara a decisão recorrida, não tem estatura suficiente para validamente dialogar com os referidos diplomas legais.
Acresça-se que o próprio CDC admite cláusulas restritivas ao direito do consumidor (art. 54, § 4º), salvo se abusivas. E abusiva não é, absolutamente, a cláusula excludente do risco da embriaguez, em qualquer modalidade de seguro, mesmo a despeito de uma carta-circular da SUSEP, posto que, como dito, destituída de qualquer validade jurídica. Até porque, consoante o artigo 51 do CDC: (I) não coloca o consumidor em desvantagem exagerada; (II) não é incompatível com a boa-fé ou a equidade; (III) não ofende princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (IV) não restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato de tal modo a ameaçar o seu objeto ou o equilíbrio contratual; (V) não é excessivamente onerosa para o consumidor considerando a natureza e conteúdo do contrato ou o interesse das partes e da operação securitária. Pelo contrário, protege os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence e que tem por base a mutualidade, onde o coletivo se sobrepõe ao individual.
Oportuno transcrever a proposito trecho do acórdão do TJSP, da lavra do eminente Desembargador MENDES GOMES, na Apelação Cível nº 1066645, extraído da obra de RICARDO BECHARA SANTOS (Direito do Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria, Forense, Rio 2ª edição), versando a validade de cláusulas limitativas no contrato de seguro, em especial a que exclui o risco da embriaguez: “É que o seguro tem por apanágio, por característica mesmo, a delimitação do risco no contrato, pois é com base nos riscos ali expressamente delimitados como cobertos e não cobertos que o segurador pode calcular a taxa do prêmio e dimensionar a sua responsabilidade, por isso o próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54, § 4º, admite as cláusulas limitativas ou restritivas do direito do consumidor, desde que redigidas com destaque e permitindo sua imediata e fácil compreensão. Desde que não se trate, portanto, de uma cláusula abusiva, o que de modo algum ocorreria no caso, até porque a exclusão em causa está em plena sintonia com a lei e com a sociedade que repreendem e recriminam a embriaguez no volante. (…) Em suma, dirigir embriagado seria caso típico de agravamento intencional do risco, subjetiva e objetivamente, extrapolando, assim, os limites do risco predeterminado na apólice, por isso também um caso expressamente não coberto”.
Com todo respeito ao voto condutor do preclaro Ministro Relator e aos demais integrantes da Corte, a decisão em comento merece ser revista e modificada em devida oportunidade, porque peca, data magna venia, na parte em que não reconheceu a aplicabilidade das regras de agravamento do risco ao seguro de pessoa, na medida em que centrou sua razão de decidir em mera Carta-Circular da Superintendência de Seguros Privados (Carta-Circular SUSEP/DETEC/GAB Nº 08 de 2007) que, inadvertidamente, permita-se também aqui vênia, proibiu a excludente do risco da ebriedade nos seguros de vida, em verdadeira afronta ao disposto no artigo 768 do Código Civil, sabido que dita Carta-Circular, ato normativo infra legal não publicado no DOU – por isso em desacordo com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – nova denominação da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) -, que logo no pórtico de seu artigo 1º estabelece que “Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. A publicação, pois, é condição inarredável para a validade de qualquer norma, inclusive de uma simples carta-circular (os atos normativos infra legais com regular publicação no âmbito da SUSEP, são as suas Circulares, Resoluções do CNSP e Portarias), destituída de qualquer efeito vinculante. Tal não bastasse, ainda que formalmente válida, não poderia ela, de forma alguma, se sobrepor ao Código Civil.
Vale lembrar que no RECURSO ESPECIAL Nº 1.546.163 – GO (2014/0270914-7), o mesmo Relator do caso presente, desconsiderou uma Circular da SUSEP (Circular 145/00, artigo 3º de seu anexo I), ato normativo regularmente publicado, que autorizava a seguradora a indenizar o segurado pelo valor da data do pagamento da indenização (liquidação do sinistro) – como também autoriza a vigente Circular 269/04 -, em caso de perda total, que destoava do artigo 781 do CC, segundo o qual o valor do prejuízo deve ser o da data do sinistro. A fortiori, deveria também, em homenagem à coerência e sob pena de contradição, desconsiderar uma mera carta-circular não publicada, sem força normativa vinculante, que contraria o artigo 768 do CC.
Ora bem, o legislador civil pátrio, ao escrever o já citado artigo 757, adotou o conceito unitário do contrato de seguro, destinando-o tanto aos seguros de dano quanto aos seguros de pessoa. E ao disciplinar o agravamento do risco no seu artigo 768, fê-lo de modo a que as regras de agravamento se apliquem tanto aos seguros de dano quanto aos seguros de pessoa (vida e acidentes pessoais), tanto assim que dito dispositivo vem alocado na Seção das Disposições Grais do Capítulo do Código que disciplina, em três seções, o contrato de seguro, tratando as seções seguintes, respectivamente, dos seguros de dano e dos seguros de pessoa. E ao assim fazê-lo, é dizer, ao fincar as regras de agravamento do risco na Seção das Disposições Gerais, outro propósito não teve o legislador senão o de que o artigo 768, e demais insertos nessa Seção, se destinam tanto aos seguros de dano quanto aos de pessoa, do contrário, por óbvio, o teria inserido na seção dos seguros de dano.
A esse tópico, oportuno trazer à colação, mais uma vez, as equilibradas observações do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, em palestra proferida sobre o tema, in verbis: “O juiz precisa ter sensibilidade social, mas também responsabilidade com os agentes econômicos, pois todo desequilíbrio contratual penaliza, em última instância, o consumidor”.
No caso dos autos, trata-se de embriaguez comprovada do próprio segurado, na condução do veículo, e não de uma embriaguez havida, por exemplo, em ambiente outro (em casa, no clube etc.) que, aí sim, a excludente não poderia ser considerada, já que não representaria ilícito, ao contrário do que sucede no crime da embriaguez ao volante, crime de perigo concreto, doloso, que põe em risco a incolumidade das pessoas e das coisas. E se a embriaguez ao volante, como se verá, é conduta que caracteriza dolo, culpa grave ou culpa consciente, o segurado nesse estado, perde o direito à garantia, em qualquer modalidade de seguro, valendo a expressão “mal que dá em Chico dá em Francisco”, não sendo curial dois pesos e duas medidas, em tema de agravamento de risco decorrente de ilícito penal grave do segurado, que expõe a sério risco sua própria incolumidade e de terceiros.
Colhe-se do próprio bojo do acórdão recorrido, a ratificação da validade da cláusula excludente no seguro de auto e, principalmente, a presunção do agravamento do risco, cabendo ao segurado ou ao beneficiário a comprovação da ausência do nexo de causalidade, que no caso não se logrou contraditar. Igual presunção se aplica aos seguros de pessoa, que não podem nem devem estar completamente arredados das regras de agravamento de risco. Só que, surpreendente e contraditoriamente, não foram tais lições estendidas, como deveria, ao seguro de vida contratado.
No entender da Requerente, o argumento utilizado na decisão recorrida de que o agravamento do risco não se aplica aos seguros de pessoa porque estes têm cobertura mais ampla, não pode nem deve prosperar, considerando que a maior amplitude dessas coberturas não chega ao ponto de invalidar a excludente do risco da embriaguez, muito menos de tornar letra morta o dispositivo do Código Civil que determina a perda da garantia, é dizer, do próprio seguro (artigo 768), tampouco alforriar o segurado e ou seus beneficiários, dos efeitos dessa excludente quando o seu fato gerador for um ato da gravidade e dimensão do crime de perigo concreto, ou abstrato, como tal caracterizada a condução de veículo automotor em via pública em estado de embriaguez. O seguro de vida cobre muito, mas não cobre tudo. Senão, vejamos.
Com efeito, reza o artigo 768 do Código Civil, textualmente, que “O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.” Assim é que, ao estabelecer a intencionalidade como condição da configuração do agravamento e consequente perda do seguro, o legislador ali incluiu o dolo e a culpa grave, não apenas o dolo, tanto que no art. 762 o legislador enfatizou o dolo, não adotando no artigo 768 a expressão “agravar dolosamente o risco”, valendo aqui a propósito, trazer à colação os ensinamentos de SERGIO CAVALIERI FILHO: “Tanto no dolo quanto na culpa há conduta voluntária do agente, só que no primeiro caso a conduta já nasce ilícita, porquanto a vontade se dirige à concretização de um resultado antijurídico – o dolo abrange a conduta e o efeito lesivo dele resultante -, enquanto que no segundo a conduta nasce lícita, tornando-se ilícita na medida em que se desvia dos padrões socialmente adequados. O juízo de desvalor no dolo incide sobre a conduta, ilícita desde sua origem; na culpa, incide apenas sobre o resultado. Em suma, no dolo o agente quer a ação e o resultado, na culpa ele só quer a ação, vindo a atingir o resultado por desvio acidental de conduta decorrente da falta de cuidado” (Programa de Resp. Civ. Fls.. 49/50).
Na lição, pois, do Professor CAVALIERI FILHO, o ato ilícito culposo é fruto de uma conduta intencional. Se não há intencionalidade no resultado, a intencionalidade estará presente na prática de ato culposo, comissivo ou omissivo.
Consultando os precedentes entendimentos do STJ, vale transcrever como amostra a ementa seguinte, que não deixa dúvidas quanto à aplicabilidade das regras de agravamento de risco também para o seguro de vida:
EMENTA. SEGURO VIDA. EMBRIAGUEZ. A cláusula do contrato de seguro de vida que exclui da cobertura do sinistro o condutor de veículo automotor em estado de embriaguez não é abusiva. Que o risco, nesse caso, é agravado resulta do senso comum, retratado no dito “se beber não dirija, se dirigir não beba”. Recurso Especial não conhecido. DECISÃO UNÂNIME DA TERCEIRA TURMA do STJ. COMPOSIÇÃO: Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator, MINISTRO ARI PARGENDLER. Data do julgamento: 26 de agosto de 2008 (RESP 973.725).
Note-se que a decisão acima transcrita tem como pano de fundo um seguro de vida, como no presente caso. A base de sustentação da decisão é justamente o agravamento do risco previsto no artigo 768 do Código Civil aplicável tanto aos seguros de pessoa (aqui, inclui-se a cobertura de Morte Qualquer Causa), quanto aos seguros de dano, já que alocado nas disposições gerais (Seção I) do capítulo do Código que regula o contrato de seguro, direcionadas, portanto, às Seções seguintes que tratam dos seguros de dano e de pessoa.
A Requerente pede vênia para transcrever recente decisão dessa Egrégia Corte, de relatoria do Eminente Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, que também dá conta de reconhecimento da aplicação das regras de agravamento de risco aos contratos de seguro de vida:
“AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº 1.451.386 – SC (2014/0099700-0)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
AGRAVANTE : FERNANDO GUEDES DE OLIVEIRA
ADVOGADO : LUIS GUEDES DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
AGRAVADO : LIBERTY SEGUROS S/A
ADVOGADO : MÁRCIO ALEXANDRE MALFATTI E OUTRO(S) –
INTERES. : LIBERTY SEGUROS S/A.
………
Trata-se de agravo interno interposto por FERNANDO GUEDES DE OLIVEIRA contra decisão de fls. 409/419, que negou provimento ao recurso especial nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/73). AÇÃO DE COBRANÇA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREPARO. REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. CONDIÇÃO DETERMINANTE DO ACIDENTE. REEXAME PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7/STJ. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. RESTRIÇÃO DE DIREITOS. CLÁUSULA EFICAZ.
- Inexistência de ofensa ao disposto no art. 535, incisos I e II, do Código de Processo Civil/73, quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide.
- Na espécie, o Tribunal a quo afastou a alegação de deserção do recurso de apelação interposto pela parte ora recorrida. Nesse contexto, alterar tal conclusão, significa adentrar no contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado nesta seara recursal, ante o óbice do Enunciado n.º 7/STJ.
- A embriaguez do segurado, por si só, não exime o segurador do pagamento de indenização prevista em contrato de seguro de vida, sendo necessária a prova de que o agravamento de risco dela decorrente influiu decisivamente na ocorrência do sinistro.
- Tendo as instâncias ordinárias, reconhecido que a causa determinante do acidente foi o estado de embriaguez do segurado, a pretensão recursal, em sentido contrário, esbarra necessariamente nos óbices do Enunciado n.º7/STJ.
- A jurisprudência deste Tribunal Superior entende que, nos contratos de adesão, consoante o art. 54, § 4º, do CDC, a cláusula restritiva a direito do consumidor, para ser exigível, deverá ser redigida com destaque, a fim de permitir sua imediata e fácil compreensão.
- Recurso Especial desprovido.” (O grifo não é do original).
Oportuno assinalar que, por via de interpretação sistemática do Código Civil, em seu sistema de vasos comunicantes, o legislador, ao editar o seu artigo 799, segundo o qual “o segurador não pode eximir-se ao pagamento do capital segurado, se a morte ou a incapacidade do segurado provier da utilização de meio de transporte mais arriscado, da prestação de serviço militar, da prática de esporte, ou de atos de humanidade em auxílio de outrem”, estabeleceu uma limitação taxativa do risco nos seguros de pessoa. Com isso, não eliminou hipóteses de agravamento do art. 768 do mesmo Código para o seguro de vida (surfista de trem, roleta russa, pega e outros atos perigosos ilícitos e intencionais sem justificada necessidade, dentre os quais a condução de veículo automotor em estado de embriaguez).
É de se reconhecer que desde a supra referida decisão, unânime, da Terceira Turma do STJ, em 2008, a Corte já sinalizava alteração no seu entendimento para admitir que a embriaguez seja de regra intencional, revertendo raciocínio anterior que partia da presunção de que só na embriaguez preordenada (dolosa) a recusa da seguradora poderia ter alento, já agora considerando que só na embriaguez fortuita (por exemplo, o segurado que é forçado a embriagar-se, ou cai acidentalmente num tonel de aguardente etc.) a negativa não seria válida. Desde aí se pode dizer, a julgar pela própria ementa, que o STJ sinaliza para o reconhecimento da causalidade remota, na medida em que reconhece que basta o segurado estar embriagado na direção do veículo em via pública, para caracterizar a perda da garantia, tanto que se utilizou do slogan “se beber não dirija, se dirigir não beba.”
Nesse sentido, bem compreendeu a questão o TJSP, ao reconhecer que as regras de agravamento de risco também se aplicam aos seguros de vida, como se vê do acórdão exarado na Apelação Cível, com Revisão, nº 992.03.008095-8, julgada em 30/09/2009, de relatoria do eminente Desembargador LUÍS DE CARVALHO, cuja ementa adiante se transcreve:
“EMENTA: SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS – EMBRIAGUEZ COMPROVADA – EXISTÊNCIA DE NEXO COM O ACIDENTE QUE VITIMOU O SEGURADO – INDENIZAÇÃO INDEVIDA – RECURSO IMPROVIDO. Comprovada a embriaguez a embriaguez do segurado, existe nexo com o acidente que o vitimou, sendo indevida qualquer indenização de natureza securitária”.
Do bojo do acórdão se colhe: (I) a presunção do nexo de causalidade, com inversão do ônus da prova (fls. 4/5/9 do decisum); (II) desnecessidade de cláusula excludente do risco da embriaguez para caracterizar o agravamento de risco, que no caso torna irrelevante a existência ou não de ato normativo da SUSEP vedando-a (fls. 5/6); (III) distinção entre agravamento de risco e agravamento de sinistro (fl. 7), citando-se trecho do Professor WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, segundo o qual “a agravação dos riscos pode concernir tanto ao aumento da possibilidade da verificação do sinistro, como à extensão dos eventuais danos” (em “Curso de Direito Civil”, 5º vol. Direito das Obrigações, 2ª parte, Saraiva, 29ª edição, pag.342); (IV) tipificação de crime de perigo concreto ou abstrato, como uma das mais graves infrações à lei de trânsito, bastando por isso mesmo o só fato da condução do veículo por pessoa em estado de embriaguez, como fator de exposição a sério risco da segurança do trânsito e das pessoas e coisas. Até porque, o agravamento considerado pelo artigo 768 do CC não é do dano em si, mas do risco. Como a embriaguez é em regra voluntária, é o quantum satis para configurar o agravamento intencional do risco.
Realmente, aquele que se sujeita de forma voluntária à perda ou redução de sua capacidade de discernimento, já sinalizou ou potencializou a intencionalidade de produzir danos, de criar todos os riscos, exatamente porque já se encontra em situação que não mais lhe será possível administrá-los.
Nessa linha, não seria equívoco supor que o Judiciário caminha para a teoria da causalidade remota, mitigando a teoria da causalidade adequada, quer dizer, basta que o segurado esteja dirigindo embriagado (praticando no caso crime de perigo concreto, que põe em risco a incolumidade das pessoas, inclusive a do próprio segurado, e das coisas, inclusive o próprio bem seguro) para a caracterização do agravamento intencional do risco, isto é, basta que o segurado desatenda ao comando da lei penal que lhe veda imperativamente dirigir embriagado, para extrapolar os limites da delimitação objetiva e subjetiva do risco, que em última análise traduz o conceito de agravamento. A própria tipificação da condução de veículo automotor em via pública em estado de embriaguez como crime de perigo, induz, por si só, uma aproximação da teoria da causalidade remota, adotada no direito anglo saxão, senão para dispensar o nexo de causalidade, ao menos para presumi-lo.
Afinal, “agravar o risco” não é o mesmo que “agravar o sinistro”. O risco é a possibilidade ou potencialidade de ocorrer o evento futuro, incerto, temido e capaz de alterar, para pior, situação pessoal (seguros de pessoa) ou material/patrimonial (seguros de dano) do segurado; enquanto o sinistro é a materialização da expectativa desse evento, que pode ou não ocorrer, daí a natureza aleatória do contrato de seguro. O risco é a potência, o sinistro o ato. Agravamento do risco e agravamento do sinistro são tratados diferentemente pelo Código Civil: o agravamento do risco nos artigos 768 e 769; o agravamento do sinistro no art. 779.
Dirigir embriagado é sem dúvida agravamento de risco, cuja consequência se aplica tanto aos seguros de dano quanto aos seguros de pessoa, por isso o entendimento do STJ e da melhor jurisprudência tem evoluído para deixar claro que dirigir embriagado importa na perda da garantia.
Vale enfatizar, à exaustão, que ato normativo infra legal algum, muito menos uma simples Carta – Circular sem qualquer efeito vinculante, pode excluir da aplicação das regras de agravação os seguros sobre a vida ou integridade física, sabido que a estrutura técnica de qualquer seguro tem base idêntica, não se justificando tratamento diferenciado a ponto de se excluir a regra da agravação, pois agravamentos naturais, como idade, enfermidade, insolvência, posteriores à conclusão do contrato, são ordinários, integrando a natureza do risco, daí porque naturalmente insuscetíveis à comunicação ao segurador, mas casos há, fora da caixa, ou fora dessa naturalidade, que precisam ser considerados, dos quais é exemplo a embriaguez no volante.
O segurado, como se destacou no voto do eminente Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, no REsp nº 1.485.717, deve se portar como se não tivesse seguro, “devendo abster-se de tudo que possa incrementar, de forma desarrazoada, o risco contratual, sobretudo se confiar o automóvel a terceiro que queira dirigir embriagado, o que feriria a função social do contrato de seguro, por estimular comportamentos danosos à sociedade”. Não há como se excluir validamente dessa regra os seguros de pessoa.
Certo de que o princípio da boa-fé objetiva é peculiaridade fundamental do contrato de seguro, foi também possível concluir no julgado logo acima mencionado, que o segurado, quando ingere bebida alcoólica e assume a direção do veículo, frustra a justa expectativa das partes contratantes na execução do contrato, pois se rompe com os deveres anexos do contrato, como os de fidelidade e de cooperação, máxime diante das características próprias do seguro em que a mutualidade é pedra angular e fundamental tanto para os seguros de dano quanto para os de pessoa, e, à luz dos fundamentos do contrato de seguro, seja ele qual for, impõe-se a presunção de que o risco foi agravado e do nexo de causalidade entre a embriaguez e o sinistro, salvo se demonstrado que o sinistro ocorreria independentemente do estado de embriaguez (como culpa exclusiva de outro motorista, falha do próprio automóvel, imperfeições na pista, animal na estrada, entre outros).
Seguro, afinal, é coletividade, solidariedade com técnica, prevalência do coletivo sobre o individual, por isso não agravar risco é dever de todos os integrantes dessa mutualidade, não podendo ficar de fora desse fundamental dever de lealdade e de fidelidade, os integrantes da coletividade de segurados cobertos por seguros de pessoa, sob pena de violação do mais fundamental de todos os princípios constitucionais, o da isonomia, tanto que inserido no caput do artigo 5º da Carta Maior, inaugurando e comandando o Título dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Aliás, era de se esperar que a decisão ora hostilizada guardasse, como deveria, mas não o fez, estreita conexão com a recente Súmula 575 do STJ, cujo enunciado estabelece que “constitui crime a conduta de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor à pessoa que não seja habilitada, ou que se encontre em qualquer das situações previstas no art. 310 do CTB, independentemente da ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na condução do veículo”.
A Corte, assim, uniformizou o entendimento de que é crime de perigo concreto ou abstrato o simples fato de permitir, confiar ou entregar veículo a pessoa não habilitada, embriagada ou drogada no momento do sinistro, reforçando também a tese do agravamento intencional do risco conforme o citado artigo 768 do CC e a presunção do nexo causal. Quanto mais no caso em que o próprio segurado é quem se encontra na prática do crime de perigo concreto, conduzindo o veículo em estado de embriaguez.
Para melhor visualização, vale transcrever, por suas conexidades, não só o artigo 310 do CTB, como também o seu artigo 306 os quais não deixam sombra de dúvida quanto à gravidade da infração penal e suas consequências:
“Art. 310. Permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.”
“Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.”
A embriaguez por si só, independentemente de o motorista oferecer risco efetivo para os usuários da via pública, é passível de severa punição, inclusive com a perda da garantia do seguro em face do agravamento intencional do risco caracterizando dolo e culpa grave (CC, artigo 768).
Esse entendimento foi reafirmado pela sexta turma do STJ (REsp n° 1582413). Tanto para o STJ quanto para o STF o crime de embriaguez ao volante é um crime de perigo abstrato, ou seja, não se faz necessário demonstrar o efetivo risco de dano. Segundo o relator do caso (Ministro Rogério Schietti Cruz) “a simples condução de automóvel, em via pública, com a concentração de álcool igual ou superior a 6 dg por litro de sangue, aferida por meio de etilômetro, configura o delito previsto no artigo 306 do CTB”.
Nesse sentido: (1) STJ. 3ª Seção. REsp 1.485.830-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/3/2015 (recurso repetitivo) (Info 563); (2) STJ. 6ª Turma. REsp 1.468.099-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/3/2015 (Info 559).
Ora bem, se o simples fato de permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa inabilitada, a ponto de caracterizar o agravamento intencional do risco, que nos termos do artigo 768 do CC determina a perda da garantia, ou seja, do próprio seguro e não apenas da indenização ou capital segurado, por mais forte razão ainda se o próprio segurado estiver embriagado ou drogado. Nessas condições, se o veículo for conduzido por pessoa embriagada ou drogada, a cláusula excludente de sinistros assim ocorridos ganha ainda mais evidência e robustez nos contratos de seguro de qualquer espécie.
Posto assim, o segurado que se põe na conduta criminosa e fortemente reprovável da condução do veículo, vindo a se envolver em acidente estando alcoolizado, como sucedeu no caso julgado, se sujeita à perda da garantia do seguro, é dizer, da perda do próprio seguro e não apenas do direito à indenização ou capital segurado. É que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece um dever, mais que isso uma obrigação, imposta a todas as pessoas com problemas psíquicos ou físicos, embriagadas ou drogadas, de não dirigir sob ação do álcool ante o perigo geral que encerra a condução de um veículo nessas condições.
A doutrina tem sido decisiva para o convencimento do julgador na sempre esperada reversão de orientação, tanto que, dentre outros textos doutrinários produzidos nas oficinas de trabalho dos Grupos Temáticos da AIDA-Brasil podem ser citados os textos de FERNANDES, Marcus Frederico B. e CUNHA, Lucas Renaut, com o tema “Supressão de Cobertura Securitária x Motorista Sob Influência de Álcool, In “Aspectos Jurídicos dos Contratos de Seguro”, organizado por CARLINI, Angélica e SARAIVA NETO, Pery, ali mostrando que “é certo que todo consumo de álcool é feito com o deliberado propósito de submeter-se a seus efeitos, ciente [o motorista], inclusive, de que isto alterará a sua própria capacidade de conduzir veículos automotores, distanciando-o da aptidão que tem o ‘homem comum’, a qual justamente fora utilizada pelo segurador para mensurar riscos e fixar os prêmios“.
Muito acertada tem sido as mais recentes decisões judiciais, inclusive da própria Terceira Turma do STJ (REsp 1.485.717,vg), não só por concluir pela inafastabilidade da culpa grave do condutor e consequente perda da garantia securitária por agravamento intencional do risco, como também ao aplicar o “princípio do absenteísmo, que emana da conjugação das regras dos artigos 762 e 768 do Código Civil, quanto à vedação de qualquer conduta agravadora do risco. Também por essa razão, a decisão objeto da presente interveniência (REsp nº 1665701), merece, por coerência, ser modificada.
A propósito, os Ministros da 2ª turma do STF na sessão do dia 1º/12/15, em sede de Habeas Corpus (HC 127774), proferiram decisão unânime que ilustra e reforça a legitimidade da excludente do dolo eventual, culpa grave, ou culpa consciente, nos contratos de seguro, mantendo a classificação de homicídio doloso em acidente de trânsito, causado pelo condutor de uma camionete após a ingestão de bebida alcoólica. Vencido no STJ, o autor do dano, tentando afastar o dolo eventual com a desclassificação para homicídio culposo, no STF não teve melhor sorte, eis que o Relator do HC, o saudoso ministro TEORI ZAVASCKI, salientou em seu voto que a imputação de homicídio doloso na direção de veículo automotor supõe a evidência de que o acusado assume o risco pelo possível resultado danoso, explicando que a dificuldade na especificação desses delitos costuma estar nos “estreitos limites conceituais que ligam o dolo eventual, a culpa grave e a culpa consciente”. Também a propósito, escreveu o eminente Desembargador SYLVIO CAPANEMA, em artigo sobre embriaguez para a Revista Jurídica de Seguros da CNSG – no contexto em que a culpa do segurado não exonera a seguradora nos seguros de responsabilidade civil facultativos (RCF) – que “(…) há situações, entretanto, em que a culpa do autor do dano é de tal maneira grave (culpa grave) que se torna irmã siamesa do dolo, com ele se confundindo. É o que a doutrina penal chama de dolo eventual ou culpa consciente. Daí a razão de estabelecer o artigo 768 do Código Civil, lembra o Desembargador, que “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”.
O STJ, aliás, põe o dolo e a culpa grave em um mesmo patamar para fins de aferição ou aplicação da responsabilidade civil, por exemplo, ao eximir aquele que dá carona, se não obrou com dolo ou culpa grave. É o que se extrai de sua Súmula nº 145, segundo a qual, “no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave”.
Avançando na trajetória evolutiva dos conhecimentos sobre seguro, as decisões do STJ (por via obliqua do STF quando qualifica como crime de perigo a prática de dirigir embriagado), no seu conjunto, vêm sinalizando o entendimento de se determinar a perda do direito à garantia do seguro face ao agravamento do risco simplesmente pelo fato de o segurado se por, criminosamente, na condução da máquina perigosa em estado de embriaguez, e de forma presumidamente intencional, como intencional costuma ser em regra a própria embriaguez, senão para dispensar o nexo de causalidade, ao menos para presumi-lo.
Preleciona ISAAC HALPERIN, em seu “Contrato de Seguro”, pág. 217, que “há agravação do risco quando, posteriormente ao contrato, sobrevém, em relação às circunstâncias declaradas no momento de sua conclusão, uma mudança que aumenta a probabilidade ou a intensidade do risco assumido pelo segurador”. (apud RICARDO BECHARA SANTOS, em “Direito do Sguro no Novo Código Civil e Legislação Própria”, Forense, Rio Seguinda edição, páginas 107 e seguintes).
Sendo o seguro mutualismo por essência, só pode vingar diante do espírito comunitário daqueles que, integrando essa mutualidade, essa coletividade, essa solidariedade, se unam no esforço conjunto para a superação do risco, pois de nada adiantaria a imposição da mais estrita boa-fé nas declarações no momento da conclusão do contrato, se fosse dado a cada um o direito de, posteriormente, alterar as condições do risco agravando a possibilidade de ocorrência de sinistros.
Em “O Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil Brasileiro”, Editora Revista dos Tribunais, ERNESTO TZIRULNIK, FLÁVIO DE QUEIROZ CAVCALCANTI e AYRTON PIMENTEL, comentando o art. 768 do CC, manifestam, de certo modo, semelhante percepção, primeiro, ponderando que o agravamento intencional do risco durante a execução do contrato determina a perda da garantia face o perecimento do interesse legítimo que é o objeto do contrato, já que o segurado, com tal comportamento, traiu o desejo de preservar o status quo do risco e fez perder a função social do contrato, já que ferido o princípio da boa-fé objetiva e rompido o equilíbrio entre as prestações, depois, porque mostraram a necessidade de se diferenciar a intenção de agravar o risco da prática intencional de ato que leva despercebidamente a essa agravação, por isso neste último caso a solução dependerá da gravidade ou intensidade dos efeitos gravosos do comportamento e da previsibilidade dos efeitos. Nada mais caracterizador dessa gravidade ou intensidade do que conduzir um veículo automotor em via pública embriagado.
Evidente que as pessoas sabem perfeitamente o perigo em que consiste dirigir alcoolizado, como também sabem que a embriaguez no volante foi elevada à categoria de crime de perigo pelo novo Código de Trânsito Brasileiro, razão pela qual a excludente da embriaguez, em qualquer modalidade de seguro, representa como que uma colaboração do setor de seguro para com as autoridades e, por conseguinte com a sociedade, que tanto se preocupam e se debatem em domar esse flagelo que assola as estatísticas das causas de morte e invalidez decorrentes de acidente de trânsito, que mata e mutila no Brasil, por ano, mais do que pode matar ou mutilar em uma grande guerra, sabido que a guerra do trânsito é uma guerra não declarada, às vezes insidiosa, e sem heróis, onde o automóvel é o seu mais terrível antagonista.
Posto assim, a excludente do risco da embriaguez nas apólices de seguro, quer de automóvel quer de acidentes pessoais, quer de vida representa um desestimulo a mais àqueles que pretendam se arvorar no comando da máquina mais perigosa do planeta em estado de ebriedade, sabido que o álcool retira do indivíduo os reflexos e os tornam audaciosos e, por conseguinte, aptos a agravar os riscos de sua integridade física e os de outras pessoas que nada têm a ver com tudo isso.
Sabido e consabido que a embriaguez é causa indubitável de agravamento de risco e na maior das vezes intencional, consciente, tamanha e dispendiosa é a campanha institucional que se faz contra o uso de álcool no volante de um automóvel e em muitas outras circunstâncias de perigo. Quem não conhece a máxima permanentemente divulgada nos meios de comunicação de massa expressada no seguinte slogan: “se beber não dirija, se dirigir, não beba”?!… Quem não sabe da ação fiscalizadora da “Lei Seca” e das consequências de ser pilhado em flagrante estado de embriaguez na condução do veículo?!…
São raras as hipóteses em que o indivíduo não tem a consciência de que está se embriagando e que nessa condição lhe é vedado, até pelo comando da lei penal, dirigir um veículo em via pública. A não ser na velha teoria de direito penal, em que numa situação rara a pessoa, segundo suas características específicas, é inconscientemente induzida por outrem a se embriagar, de forma lenta, imperceptível e gradual, e daí venha a praticar um delito, quando só aí poderia a ciência jurídica penal cogitar de uma eximente ou atenuante de punibilidade, posto que, do contrário, a embriaguez é sempre causa agravante.
Sem que precisemos adentrar na “teoria finalista da ação”, o importante é separar a ação da embriaguez da ação finalista de provocar um acidente, afinal a ação, ou a omissão, não é só uma série de causas e efeitos. Quando se realiza uma ação o homem prevê as consequências de seu comportamento e nem sempre conduz a sua vontade de acordo com essa previsão, mas pode dominar os fatos pelo conhecimento das causas. Afinal, a vontade é um movimento psíquico complexo que se materializa na ação, ou na omissão, por isso não seria o simples querer alguma coisa, que bastaria como conteúdo da vontade, pois querer embriagar-se nem sempre é querer causar um dano, mas ao fazê-lo, o homem assume levianamente o risco de produzi-lo, pela carga de consciência e ciência que tem sobre o estado produzido pelo álcool em seu organismo e, por conseguinte, no seu mencionado movimento psíquico. Daí porque a intenção de embriagar-se acaba se confundindo com a vontade de produzir o dano, portanto de agravar o risco. O dolo como consciência e vontade, se mistura com a consciência da ilicitude e da reprovabilidade, que resulta para o agente de haver agido de maneira contrária ao Direito, quando lhe era possível proceder de conformidade com a ordem jurídica.
Ainda que se compreenda que a finalidade da ação confunde-se com a dolosidade, ou que a vontade de embriagar-se não seja dirigida à causação de um dano, bastaria a carga de reprovabilidade e culpabilidade para se justificar a liceidade das cláusulas constantes das apólices de seguro que excluem a responsabilidade das seguradoras em face do risco da embriaguez, mormente quando o dano guarda com ela uma relação de causalidade, adequada ou remota. De qualquer forma, o desvalor do atuar culposo, que atrai a condenação da ordem jurídica, como no caso da embriaguez no volante alçada à categoria de crime de perigo, resulta da omissão de um comportamento finalisticamente dirigido a evitar a lesão do bem jurídico.
Aferindo-se o juízo da intencionalidade do segurado condutor do veículo, pode-se perfeitamente inserir a culpa grave, que não deixa de ser uma modalidade de dolo, tanto que conhecida como “dolo eventual”, que do ponto de vista da responsabilidade civil e da causação do dano, no seu resultado, nenhuma diferença tem do dolo propriamente dito – do dolo determinado -, ambas as figuras antípodas de qualquer contrato de seguro, cuja involuntariedade é sua aba essencial. Por isso dolo e culpa grave sempre foram equiparados pela doutrina e jurisprudência mais prestigiosas, como que irmãos siameses ou xifópagos.
Enquanto no dolo há deliberada intenção de produzir o resultado (dano) mirado pelo agente, na culpa grave ou dolo eventual, embora a intenção não seja dirigida ela é assumida. Por tudo isso, a questão tem que ser examinada, também e principalmente, do ponto de vista da delimitação do risco no contrato de seguro de qualquer modalidade, que, aliás, é da própria essência do seguro, tanto que o art. 757 do Código Civil estabelece que a garantia do interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou a coisa, circunscreve-se tão somente dentro das fronteiras dos riscos predeterminados no contrato.
E essa delimitação, sabemos todos, é objetiva e subjetiva. A objetiva se dá em três dimensões: causal, que é exatamente aquela em que se determina uma relação de causalidade adequada entre os comemorativos do sinistro e os fatos cobertos e como tais delineados no contrato, como é o caso das cláusulas excludentes expressamente estabelecidas; temporal, que limita a responsabilidade do segurador ao tempo de vigência da apólice e; a espacial, que baliza a responsabilidade do segurador aos eventos ocorridos dentro de certa e determinada área territorial.
Quanto à delimitação subjetiva, é justamente aquela que se filia ao comportamento do segurado, relacionada, não raro, ao dolo ou culpa grave. Quer isso também dizer que quando a conduta do sujeito constitui a causa que modifica o risco, excedendo as margens de segurabilidade do contrato, por violação de limites subjetivos, produz um agravamento do risco, também aí configurando um caso não coberto. E isso tanto serve para os seguros de dano quanto para os seguros de pessoa (vida e acidentes pessoais).
A excludente do risco da embriaguez, dentre outros, sem dúvida se insere nessa delimitação subjetiva. Aliás, a embriaguez, vale sempre repetir para enfatizar, foi alçada no Código de Trânsito Brasileiro, à categoria de crime de perigo (art. 306), já antes considerada contravenção penal, sendo infração gravíssima. Portanto, a sua exclusão como risco do seguro, é perfeitamente justificável e nada teria de abusiva, podendo até mesmo ser considerada uma forma, como já se disse, de colaboração com as autoridades do trânsito ou mesmo a toda consciência nacional que tanto repele a embriaguez no volante e que tem sido causa primeira das mortes e mutilações no trânsito brasileiro, como mostram, à saciedade, as estatísticas.
Vale transcrever, por amostra, alguns acórdãos que confirmam a assertiva de que também os seguros de pessoa, inclusive de vida, se submetem às regras, cogentes, contra o agravamento do risco:
SEGURO – FALECIMENTO DURANTE PRÁTICA DE ATO ILÍCITO – EFEITOS. No caso de seguro de vida e acidentes pessoais, o falecimento do segurado, durante prática de ato ilícito, é causa de perda de direito ao capital segurado, em face do descumprimento do dever legal de abster-se de tudo que pudesse aumentar o risco “(2º TAC-SP. Acórdão unânime da 7ª Câmara. Julgada em 27-3-2001. Ap. com Ver. 595.286-00/8. ADCOAS 8199625). (o grifo é ientencional).
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EMENTA: SEGURO DE VIDA. AGRAVAMENTO DE RISCO. Segurado que aumenta os riscos ao ser morto quando acabava de assaltar um coletivo. Inteligência do art. 1454 do CC de 1916, vigente a época dos fatos e art. 768 do CC de 2002. Abstraindo qualquer aspecto moral e se atendo somente às questões legais, é dever do segurado pautar seu comportamento de modo a não aumentar os riscos do seguro. Não haveria forma mais eficaz de agravar os riscos do seguro do que o ato praticado pelo segurado que, portando uma pistola, assalta um coletivo onde as regras comuns de experiência demonstram serem comuns as reações, a despeito de imprudentes. Segundo … disposição do art. 768 do atual CC, “o segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato…” (AC. 62126/2006 – 13ª C. Civ. Rel. Des. ADEMIR PIMENTEL, julgado em 22/02/2007). (nosso o grifo).
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Guardadas as devidas proporções, o raciocínio é similar ao que se extrai de recente decisão do TJSC, cuja emanta adiante se transcreve, que negou direito ao capital do seguro DPVAT, híbrido de seguro de dano e de pessoa, a condutor de veículo que se acidentou em decorrência de prática delituosa em confronto armado com a polícia:
Apelação Cível nº 0366221-67.2006.8.24.0023, da Capital Relator: Desembargador Domingos Paludo. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO DPVAT. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA EM RAZÃO DE O ACIDENTE DECORRER DE PRÁTICA DELITUOSA. APELO DA SEGURADORA. INSURGÊNCIA CONTRA A SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL APÓS O ÓBITO DO AUTOR. INSUBSISTÊNCIA. REFLEXO PATRIMONIAL. HABILITAÇÃO REGULAR DO ESPÓLIO. APELO DO AUTOR. AMPLO ACERVO PROBATÓRIO NO SENTIDO DE QUE O ACIDENTE DECORREU DE PRÁTICA DELITUOSA. PROCESSO PENAL INSTAURADO COM SUSPENSÃO POR REVELIA. ACIDENTE CAUSADO POR FUGA. TENTATIVA DE TRANSPOR BLOQUEIO. APÓS CONFRONTO ARMADO. NEXO CAUSAL MANIFESTO ENTRE O ACIDENTE E A ATIVIDADE CRIMINOSA. INVIABILIDADE DE PERCEPÇÃO DE SEGURO. RECURSOS DESPROVIDOS.
Feitas estas considerações é de se esperar que o tema seja revisto na devida oportunidade pelo próprio STJ, com vistas a reconhecer, como de direito, a aplicabilidade das regras de agravamento de risco também aos seguros de pessoa, inclusive ao seguro de vida, sabido serem elas, legal e juridicamente, absolutamente pertinentes tanto aos seguros de dano quanto aos seguros de pessoa.