Brevíssimos comentários ao acórdão do STJ no resp nº 1.536.786 – 2ª seção. Previdência complementar versus CDC

POR RICARDO BECHARA SANTOS

 

Permito-me um breve comentário, em tom interrogativo, ao acórdão exarado no Recurso Especial 1.536.786/MG, proferido pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, definiu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se aplica entre beneficiários e fundos fechados de pensão.

 

Realmente, consoante linha de entendimento dos Senhores Ministros da 2ª Seção da Corte, o CDC não deveria mesmo se aplicar na relação entre entidades fechadas de previdência privada complementar e seus participantes, não propriamente pelo fato de as mesmas, regidas que são por leis próprias (LC 108 e LC 109, ambas de 2001) não visarem lucro, mas por inexistir relação de consumo, já que o lucro e demais elementos ali mencionados por si só poderiam ou não ser fator determinante da aplicação do Código.

 

Em que pese cuidar-se de entendimento já pacificado pela mais alta Corte de Justiça infraconstitucional do país, oportuna quer me parecer uma análise ao acórdão, que culminou pela inexistência de relação consumerista com referência às entidades fechadas de previdência privada complementar.

 

No entanto, não se pode afirmar a salvo de quaisquer dúvidas o fato desse mesmo entendimento não poder se estender, total ou parcialmente, à relação entre as entidades abertas de previdência privada complementar (regidas pela mesma LC nº 109/2001) e seus participantes e beneficiários, pois tanto as fechadas quanto as abertas objetivam, ademais, resultado ou compensação financeira pela gestão do fundo previdenciário garantidor dos benefícios. Enfim, ambas as entidades auferem uma “remuneração” pela administração da mutualidade, sendo irrelevante o nome que a isso se dê, lucro, resultado ou remuneração para fins de aplicação ou não do CDC.

 

Feitas estas considerações preambulares, vale transcrever a ementa do referido acórdão, para daí podermos tirar as ilações sobre a aplicação analógica desse entendimento jurisprudencial aos planos de previdência privada aberta complementar, ou não, sem que isso represente qualquer desafio, de nossa parte, à jurisprudência da Corte.

 

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.536.786 – MG (2015/0082376-0)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

RECORRENTE: FUNDAÇÃO VALE DO RIO DOCE DE SEGURIDADE SOCIAL – VALIA

INTERESSADA : VALE S.A

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADA.

JULGAMENTO AFETADO À SEGUNDA SEÇÃO PARA PACIFICAÇÃO ACERCA DA CORRETA EXEGESE DA SÚMULA 321/STJ. INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DA ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA (ABERTA OU FECHADA) ADMINISTRADORA DO PLANO DE BENEFÍCIOS, DEVEM SER SEMPRE OBSERVADAS AS NORMAS ESPECIAIS QUE REGEM A RELAÇÃO CONTRATUAL DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR, NOTADAMENTE O DISPOSTO NO ART. 202 DA CF E NAS LEIS COMPLEMENTARES N. 108 E 109, AMBAS DO ANO DE 2001. HÁ DIFERENÇAS SENSÍVEIS E MARCANTES ENTRE AS ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA ABERTA E FECHADA. EMBORA AMBAS EXERÇAM ATIVIDADE ECONÔMICA, APENAS AS ABERTAS OPERAM EM REGIME DE MERCADO, PODEM AUFERIR LUCRO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS PELOS PARTICIPANTES, NÃO HAVENDO TAMBÉM NENHUMA IMPOSIÇÃO LEGAL DE PARTICIPAÇÃO DE PARTICIPANTES E ASSISTIDOS, SEJA NO TOCANTE À GESTÃO DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS, SEJA AINDA DA PRÓPRIA ENTIDADE. NO TOCANTE ÀS ENTIDADES FECHADAS, CONTUDO, POR FORÇA DE LEI, SÃO ORGANIZADAS SOB A FORMA DE FUNDAÇÃO OU SOCIEDADE SIMPLES, SEM FINS LUCRATIVOS, HAVENDO UM CLARO MUTUALISMO ENTRE A COLETIVIDADE INTEGRANTE DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS ADMINISTRADOS POR ESSAS ENTIDADES, QUE SÃO PROTAGONISTAS DA GESTÃO DA ENTIDADE E DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS. AS REGRAS DO CÓDIGO CONSUMERISTA, MESMO EM SITUAÇÕES QUE NÃO SEJAM REGULAMENTADAS PELA LEGISLAÇÃO ESPECIAL, NÃO SE APLICAM ÀS RELAÇÕES DE DIREITO CIVIL ENVOLVENDO PARTICIPANTES E/OU BENEFICIÁRIOS E ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADAS. EM VISTA DA EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ, A SÚMULA 321/STJ RESTRINGE-SE AOS CASOS A ENVOLVER ENTIDADES ABERTAS DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. COMO O CDC NÃO INCIDE AO CASO, O FORO COMPETENTE PARA JULGAMENTO DE AÇÕES A ENVOLVER ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA FECHADA NÃO É DISCIPLINADO PELO DIPLOMA CONSUMERISTA. TODAVIA, NO CASO DOS PLANOS INSTITUÍDOS POR PATROCINADOR, É POSSÍVEL AO PARTICIPANTE OU ASSISTIDO AJUIZAR AÇÃO NO FORO DO LOCAL ONDE LABORA (OU) PARA O INSTITUIDOR. SOLUÇÃO QUE SE EXTRAI DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.

  1. Por um lado, o conceito de consumidor foi construído sob ótica objetiva, porquanto voltada para o ato de retirar o produto ou serviço do mercado, na condição de seu destinatário final. Por outro lado, avulta do art. 3º, § 2º, do CDC que fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de prestação de serviços, compreendido como “atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração” – inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária -, salvo as de caráter trabalhista.
  2. Há diferenças sensíveis e marcantes entre as entidades de previdência privada aberta e fechada. Embora ambas exerçam atividade econômica, apenas as abertas operam em regime de mercado, podem auferir lucro das contribuições vertidas pelos participantes (proveito econômico), não havendo também nenhuma imposição legal de participação de participantes e assistidos, seja no tocante à gestão dos planos de benefícios, seja ainda da própria entidade. Não há intuito exclusivamente protetivo-previdenciário.
  3. Nesse passo, conforme disposto no art. 36 da Lei Complementar n.109/2001, as entidades abertas de previdência complementar, equiparadas por lei às instituições financeiras, são constituídas unicamente sob a forma de sociedade anônima. Elas, salvo as instituídas antes da mencionada lei, têm, pois, necessariamente, finalidade lucrativa e são formadas por instituições financeiras e seguradoras, autorizadas e fiscalizadas pela Superintendência de

Seguros Privados – Susep, vinculada ao Ministério da Fazenda, tendo por órgão regulador o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP.

  1. É nítido que as relações contratuais entre as entidades abertas de previdência complementar e participantes e assistidos de seus planos de benefícios – claramente vulneráveis – são relações de mercado, com existência de legítimo auferimento de proveito econômico por parte da administradora do plano de benefícios, caracterizando-se genuína relação de consumo.
  2. No tocante às entidades fechadas, o artigo 34, I, da Lei Complementar n. 109/2001 deixa límpido que “apenas” administram os planos, havendo, conforme dispõe o art. 35 da Lei Complementar n.109/2001, gestão compartilhada entre representantes dos participantes e assistidos e dos patrocinadores nos conselhos deliberativo (órgão máximo da estrutura organizacional) e fiscal (órgão de controle interno). Ademais, os valores alocados ao fundo comum obtido, na verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, existindo explícito mecanismo de solidariedade, de modo que todo excedente do fundo de pensão é aproveitado em favor de seus próprios integrantes.
  3. Com efeito, o art. 20 da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que o resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor das reservas matemáticas. Constituída a reserva de contingência, com os valores excedentes será estabelecida reserva especial para revisão do plano de benefícios que, se não utilizada por três exercícios consecutivos, determinará a revisão obrigatória do plano de benefícios.
  4. As regras do Código Consumerista, mesmo em situações que não sejam regulamentadas pela legislação especial, não se aplicam às relações de direito civil envolvendo participantes e/ou assistidos de planos de benefícios e entidades de previdência complementar fechadas. Assim deve ser interpretada a Súmula 321/STJ, que continua válida, restrita aos casos a envolver entidades abertas de previdência.
  5. O art. 16 da Lei Complementar n. 109/2001 estabelece que os planos de benefícios sejam oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores. O dispositivo impõe uma necessidade de observância, por parte da entidade fechada de previdência complementar, de uma igualdade material entre os empregados do patrocinador, de modo que todos possam aderir e fruir dos planos de benefícios oferecidos que, por conseguinte, devem ser acessíveis aos participantes empregados da patrocinadora, ainda que laborem em domicílios diversos ao da entidade.
  6. Dessarte, a possibilidade de o participante ou assistido poder ajuizar ação no foro do local onde labora(ou) para a patrocinadora não pode ser menosprezada, inclusive para garantir um equilíbrio e isonomia entre os participantes que laboram no mesmo foro da sede da entidade e os demais, pois o participante não tem nem mesmo a possibilidade, até que ocorra o rompimento do vinculo trabalhista com o instituidor, de proceder ao resgate ou à portabilidade.
  7. À luz da legislação de regência do contrato previdenciário, é possível ao participante e/ou assistido de plano de benefícios patrocinado ajuizar ação em face da entidade de previdência privada no foro de domicílio da ré, no eventual foro de eleição ou mesmo no foro onde labora(ou) para a patrocinadora.
  8. Recurso especial provido.

 

 

ACÓRDÃO

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Marco Buzzi dando provimento ao recurso especial e a retificação de voto do Sr. Ministro Relator para dar provimento ao recurso especial, a Segunda Seção, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi (voto-vista), Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.

Brasília (DF), 26 de agosto de 2015(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator.” (os grifos em negrito, por óbvio não são do original)

 

Afirma-se, no bojo do acórdão, que existem diferenças sensíveis entre os planos abertos e fechados de previdência privada complementar, assim como entre as próprias entidades que os administram e isso é verdadeiro. Todavia, embora não mencionadas no acórdão, existem também verdadeiras e marcantes semelhanças entre ambas, máxime nos seus objetivos e finalística, sem falar que ditas entidades e suas operações são tratadas no mesmo ambiente regulatório, não se podendo simplesmente afastar, de chofre, um tratamento isonômico na relação dos usuários de uma e de outra entidade, inclusive em relação ao Código de Defesa do Consumidor, pena de restar malferido o princípio constitucional da isonomia, tanto assim que logo no pórtico dos artigos 1o  e 2º da lei regente (LC 109/01) se estabelece, em sede de disposições gerais comuns a ambas as entidades, abertas ou fechadas, in literis: a uma, que “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar”; a duas, que “o regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar.”

Tais dispositivos, portanto, contrariam premissas constantes do acórdão, mostrando o objetivo comum de ambas as entidades e o elemento facultativo. Ambas igualmente submetidas ao dirigismo estatal, com semelhantes configurações, participantes, assistidos, regime de provisões, reservas técnicas e fundos, aplicação dos recursos segundo regras do CMN, regras comuns que guardadas as devidas proporções devem constar de seus regulamentos, podendo ambas realizar resseguro etc. (artigos 6º até 11 do Capítulo II da LC 109/01, valendo também uma leitura mais atenta aos dispositivos constantes dos capítulos III e IV que tratam, respectivamente, das entidades fechadas e abertas, como de resto das disposições que são comuns a ambas as modalidades de entidades).

Não sem lembrar de que as entidades fechadas de previdência privada complementar também operam planos de benefícios com cobertura por sobrevivência, operados por entidades abertas de previdência complementar e vice-versa.

Vale enfatizar, por exemplo, que as entidades, nas suas duas vertentes, administram recursos de terceiros, com objetivos previdenciários, permitindo poupar e acumular os recursos para prover a complementação de aposentadorias dos participantes, cujas reservas e provisões técnicas em ambos os casos refletem as obrigações das entidades operadoras com os participantes e beneficiários, até em face do regime de capitalização e de acumulação que os regem, sabido que em ambas as modalidades os participantes das entidades auferem resultados financeiros, sabido também que nas abertas, dependendo da modalidade do plano contratado, pode haver o repasse de excedente técnico financeiro.

 

Aliás, poupar com fins previdenciários seria verdadeira antinomia em relação ao consumo de produtos ou serviços protegido pelo CDC, tanto que o Código, ao definir as atividades que lhe são sujeitas, sequer menciona a previdência privada, ao menos expressamente. Afinal de contas, não seria heresia afirmar que quem acumula e poupa, institucionalmente e com a gestão competente de uma operadora, não consome, máxime se com propósito, oficializado e dirigido, de prover uma aposentadoria complementar futura.

 

O mutualismo dito pelo acórdão como constante das operações das entidades fechadas, também pode igualmente figurar nas abertas, dependendo da modalidade do plano contratado, aspirando-se um mesmo objetivo de complementar aposentadoria. Essas entidades, sejam abertas ou fechadas, não seriam como que irmãs xifópagas, separáveis somente por “ato cirúrgico”, mas irmãs siamesas isto são, separadas apenas por sutilezas insuficientes para impor um tratamento totalmente diferenciado quanto ao regime do CDC. Nesse aspecto, o que vale para uma valeria para a outra, na maior parte das situações, num ou noutro sentido, permito-me repisar. Não sem lembrar de que também existem entidades abertas de previdência complementar que operam sem fins lucrativos.

 

São entidades e operações, fechadas ou abertas, que se unem por semelhante DNA. A submissão ou não ao CDC dessas duas modalidades congêneres de operadoras de plenos previdenciários complementares privados deveria ou poderia ser medido e modelado pelo critério isonômico, seja para se aplicar ou não o regime do Código a ambas, ou a nenhuma delas, até porque há de se considerar o critério da identidade de objetivos e de operações, de afinidade entre ambas, dadas as suas similitudes de objetivos ou finalidades, quem sabe até no que tange à natureza jurídica das operações e contratos, regulamentos e planos, em sua morfologia, de semelhante genética familiar, tanto que sob o regime de uma mesma lei, de uma mesma base regulatória.

 

É afirmado no bojo do acórdão, que as entidades fechadas de previdência complementar são regidas pelo mutualismo, uma das razões pelas quais se decidiu pelo seu afastamento do CDC, todavia, os planos por elas operados podem ser ou não regidos pelo mutualismo, assim como as abertas. Ora bem, da mesma forma e como dito, os planos e os fundos geridos pelas entidades abertas, dependendo da modalidade contratada, podem igualmente ser regidos pelo mutualismo e, do mesmo modo, por analogia, deveriam se arredar do CDC as entidades abertas como que tais. Também as premissas lançadas no acórdão de que a solidariedade e a coletividade que presidem as entidades fechadas, também valem, sob medida, para as abertas, pois são pedras de toque comuns às duas modalidades. E se tal é fundamento para afastar as fechadas das regras consumeristas, também o seria para as abertas.

 

Relevante lembrar de que mutualidade, que deriva do mutualismo (um dos princípios fundamentais que constitui, em algum ou em todos os seus momentos, a base de toda a operação de seguro e de previdência), conceitualmente é sistema de previdência, aberto ou fechado, cujos participantes contribuem com certa soma para os encargos do grupo e se unem pelos deveres de solidariedade recíproca (in Dicionário de Seguro, FUNENSEG).

 

Frágil poderia se apresentar, permita-me vênia, o argumento de afastamento do CDC pela forma de organização de uma ou de outra modalidade de entidade de previdência privada complementar, seja por sociedade simples, fundação ou sociedade anônima, até porque o CDC não condiciona a submissão do fornecedor ou operador ao seu regime o fato de estar estruturado sob essa ou sob aquela forma organizacional ou societária, bastando seja pessoa física ou jurídica, pública ou privada, inclusive os entes despersonalizados, segundo o próprio CDC, assim como não condiciona a ausência ou existência de lucro, resultado ou remuneração, como fator determinante de sua aplicação.

 

Numa como noutra forma de fazer previdência privada complementar, aberta ou fechada, as respectivas entidades são igualmente protagonistas da gestão dos planos de benefícios entre seus respectivos participantes. E se esse também foi motivo declarado para afastar as fechadas do CDC, deveria valer também para as abertas, ou vice-versa.

 

Tal como proclamado no acórdão, ambas exercem atividades econômicas, tanto as entidades abertas como as fechadas, por isso, das duas uma: ou ambas estariam a merecer a aplicação das normas do CDC ante as similitudes que as impregnam já que as diferenças não seriam suficientes para tratamento desigual, ou ambas não as mereceriam. O que a princípio não pareceria razoável, nem proporcional, é o tratamento não isonômico conferido pelo acórdão, seja num ou noutro sentido.

 

Afinal, as premissas adotadas pelo acórdão para afastar do CDC as EFPPC, deveriam servir, mutatis mutandis, para as EAPPC.

 

À vista de tudo isso, oportuníssimas quer me parecer as lições do inexcedível CARLOS MAXIMILIANO, extraídas de sua consagrada obra “HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO” (Forense, 9ª edição 2ª tiragem), primeiramente, em face de as semelhanças entre os institutos aqui mostrados orbitarem na mesma lei, por isso, diz o mestre; “Se os dois surgirem simultaneamente, ou pertencerem ao mesmo repositório, procure-se conciliá-los, o quanto possível.” (Obra citada pg. 7). Afinal é próprio da hermenêutica, ainda segundo o mestre, “procurar e definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta; inclusive o silêncio.” E culmina dizendo, à página 206 de sua mesma obra, que: “Em geral não se exige tanto apuro. Duas coisas se assemelham sob um ou vários aspectos; conclui-se logo que, se determinada proposição é verdadeira quanto a uma, sê-lo-á também a respeito da outra.”

 

Realmente, as semelhanças são no caso mais importantes que as diferenças, para se chegar a uma aplicação analógica, valendo por isso aquela outra máxima de hermenêutica também mostrada por MAXIMILIANO: “Se avultam mais os pontos comuns do que os divergentes…” (Obra Citada pg. 207).

 

Com efeito, acrescenta o mestre da hermenêutica, cum grano salis:

 

“Os fatos de igual natureza devem ser regulados de modo idêntico. Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio; onde se depare razão igual à da lei, ali prevalece a disposição correspondente, da norma referida: era o conceito básico da analogia em Roma. O uso da mesma justifica-se, ainda hoje, porque atribui à hipótese nova os mesmos motivos e o mesmo fim do caso contemplado pela norma existente”. (Obra citada páginas 209).

 

Enfim, “onde existe a mesma razão fundamental, permanece a mesma regra de direito”, sendo essa a tradução simplificada no aforisma “ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio.” (Obra citada pg. 245). E que se veste, como luva confortável, a estes nossos despretensiosos comentários, aqui lançados sub censura dos doutos.

 

São estas algumas interrogações, e exclamações, que me permito lançar sobre o venerando acórdão lavrado na Segunda Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, despretensiosas é bem verdade, posto que desprovidas, repito, de qualquer propósito de desafiar a jurisprudência da Corte infraconstitucional, muito mais com o escopo de agitar o tema ali posto para uma reflexão mais ampla, além das balizas mais estreitas do processo que originou a decisão. Tudo, em que pese tratar-se de orientação sumulada do STJ, tanto que por força da decisão aqui comentada, a 2ª seção da Corte, no dia 24/02/16, decidiu cancelar a sua súmula 321, cuja redação mandava aplicar o CDC tanto às entidades fechadas quanto às abertas, e aprovar outra em seu lugar, para aplicação do CDC apenas às abertas. Era a seguinte a redação da “Súmula 321: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus participantes.” A nova súmula passa a ter a seguinte redação: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.”

 

Posto assim, a jurisprudência da corte deu meio passo adiante, restando mais meio passo para, reconhecendo a força da analogia pelas semelhanças e não pelas diferenças, entre as duas atividades, retirar também as abertas da incidência do CDC.

 

 

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