Carta – circular Susep/Detec nº 03/2006, alterada pela carta circular Susep/Detec nº05/2008, vedando a garantia de assessoria jurídica e ou a indicação de advogado pela seguradora no seguro de responsabilidade civil e outros, por força de ofício da OAB-SP. Contraponto a tal proibição

RICARDO BECHARA SANTOS 

 

INDUBITÁVEL QUE O SEGURADOR, NA OPERAÇÃO DE SEGURO, É O GESTOR DA MUTUALIDADE QUE A CARACTERIZA FUNDAMENTALMENTE.  E O CONTROLE NA INDICAÇÃO DE ADVOGADO DO SEGURADO NO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL É MAIS QUE COMPATÍVEL COM TAL GESTÃO, SENDO A ELA INERENTE. NÃO É POR OUTRA QUE O § 2º DO ARTIGO 787 DO CÓDIGO CIVIL, VEDA AO SEGURADO “RECONHECER SUA RESPONSABILIDADE OU CONFESSAR A AÇÃO, BEM COMO TRANSIGIR COM O TERCEIRO, OU INDENIZÁ-LO DIRETAMENTE, SEM ANUÊNCIA EXPRESSA DO SEGURADOR”.

 

 

 

Trata-se de deliberação da Superintendência de Seguros Privados que, em função de expediente da OAB-SP, emanado de seu Conselho de Ética, acabou por vedar, por simples Carta-Circular, a garantia de assessoria jurídica e ou indicação de advogado pelas sociedades seguradoras para defesa dos segurados, cobertos, digamos, por seguro de responsabilidade civil que garante o reembolso das indenizações a que forem obrigados em sentença judicial transitada em julgado, em ações de reparação civil que lhes sejam promovidas pelas vítimas de danos, ou em acordos devidamente autorizados pela seguradora.

 

Dita deliberação, que do ponto de vista regulatório subjazia natimorta diante das próprias normas então vigentes do CNSP e da SUSEP, causara irresignação das sociedades seguradoras, não só por isso, como por entenderem-na incompatível mesmo com a natureza própria de seguros como o de responsabilidade civil e porque na contramão do que aqui e em demais países sempre se praticou, com o suporte técnico e jurídico de suas legislações. Sabido que a grande maioria dos segurados de tal modalidade de seguro, sempre buscou junto às seguradoras indicação de advogado conhecido destas, preferindo assim fazê-lo a empreender escolha sua exclusiva e ainda tendo que adiantar os honorários para depois pedir o reembolso, e sem quaisquer incompatibilidades de interesses, porquanto ambos, segurado e segurador, postulam em juízo visando à absolvição do demandado, interesse, portanto, comum de ambas as partes desse contrato de seguro, sendo esta uma de suas principais peculiaridades.

Mesmo porque, caberá ao próprio advogado, seja ele recomendado ou não pela seguradora, a responsabilidade individual pela conduta ética, devendo renunciar quando os interesses da seguradora e do segurado acaso forem antagônicos ou colidentes.

 

Demais disso, a indicação de advogado pela seguradora objetiva evitar que o segurado compareça em juízo sem advogado e, até mesmo, impedir a ausência de defesa capaz de criar embaraço ou dificuldades na liquidação do sinistro, diante do legítimo interesse econômico da seguradora nesse exame, não sem lembrar de que a gestão da regulação e liquidação do sinistro, que no seguro de responsabilidade civil não raro acontece no leito de uma demanda judicial do terceiro contra o segurado, caberá ao segurador conforme estabelecido no Código Civil.

 

Acresça-se que, quer jurídica, quer técnica, quer economicamente, a defesa do segurado por advogado se reverterá em benefício, não só do próprio segurado individualmente, como da massa segurada, é dizer, em benefício da mutualidade que informa e conforma a natureza coletiva do contrato e da operação de seguro.

 

A restrição, portanto, representa um duro golpe na operação técnica do seguro, com destaque no seguro de responsabilidade civil.

 

Decididamente, não há conflito de interesses entre o segurado e o segurador no caso, cabendo destacar que o advogado atua nos processos com profissionalismo e independência, seja qual for a origem da remuneração. Ademais, estando a seguradora contratualmente obrigada a reembolsar as quantias que o segurado pagar em decorrência de sinistro – ou fazê-lo diretamente conforme o caso -, também a verba honorária será por ela paga, pouco importando a escolha do profissional. Ainda no mesmo contexto, o interesse tanto do segurado quanto da seguradora é a defesa. Se eventualmente surgir algum conflito entre os interesses do segurado e do segurador, caberá ao advogado decidir se deve ou não desistir do mandato.

 

Ademais, esclareça-se que a Carta-Circular em referência originara-se de um caso isolado, específico, e a SUSEP, interpretando-o generalizadamente, tratou-o como prática preponderante do mercado. Cada seguradora atua de maneira própria, algumas, inclusive, costumavam oferecer assistência jurídica gratuita no seguro de automóvel apenas nas primeiras 24 ou 48 horas, visando a proporcionar ao segurado maior conforto nos momentos de emoção que cercam o sinistro, onde o segurado costuma encontrar-se carente desse apoio, não sem lembrar que, nesta fase inicial, as providências jurídicas que devem ser tomadas, podem selar o destino do processo, para o bem ou para o mal da mutualidade.

 

Em que pese ser a escolha do advogado um direito do segurado, nada obsta legal e juridicamente que a seguradora ofereça e ele uma lista referenciada de advogados para que exerça o direito de livre escolha, até porque o reembolso das despesas incorridas com advogado ou mesmo o pagamento direto não interfere no direito de escolha, reiterando que a participação do advogado nesse estágio é decisiva para uma mais correta liquidação do sinistro, mormente no seguro de responsabilidade civil.

 

Ressalta-se, cum granum salis, a necessidade de as apólices incentivarem a utilização de advogados, tanto na justiça comum quanto na especial, posto que uma defesa bem feita, de preferência por advogado especializado, reflete diretamente no custo da indenização e na taxa do prêmio, em benefício da coletividade de segurados. Com efeito, não seria demasiado mencionar que as despesas com o reembolso dos serviços advocatícios, estão relacionadas com o art.779 do Código Civil, já que os advogados estariam sendo convocados para também minimizar os efeitos dos danos sofridos que, no seguro de responsabilidade civil, representam o maior ou menor teor da condenação impingida ao segurado.

 

Não se pode, portanto, sequer vislumbrar qualquer ilegalidade em tal prática, tampouco violação a priori à ética do exercício da advocacia, muito menos contra a liberdade e boa-fé contratual, situações que, se ocorrentes, devem ser apuradas em cada caso, segundo o devido processo legal, com direito a ampla defesa e ao contraditório, estes sim, princípios constitucionais de garantia fundamental que hão de ser perseguidos por todo advogado.

 

O embasamento dado pela autarquia fiscalizadora, com toda vênia, não pode nem deve prosperar, posto que fiado na falsa premissa de que a prática violaria o § 3º do artigo 1º, da Lei Federal nº 8.609/94 (Estatuto da Advocacia), que veda “a divulgação da advocacia em conjunto com outra atividade”. Equivocado também parece o argumento utilizado, de que a condição da apólice que oferece apoio de advogado seria inválida, na medida em que a relação entre o cliente e o advogado seja uma relação de confiança, sendo o mandato que a suporta um contrato personalíssimo. De equivoco em equivoco, permita-me vênia, vai padecendo o parecer da autarquia que dera suporte à referida carta-circular, ao supor que a oferta de advogado pela seguradora, criaria uma situação em que o profissional estaria “comprometido, prioritariamente, com os interesses de sua pagadora e não com os direitos que está a patrocinar”.

 

Nada mais equivocado e desmerecedor do prestígio e autonomia que há de ter o advogado, por isso a Constituição da República, no seu art. 133, o eleva à condição de elemento “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. O argumento, portanto, impinge à grandeza do advogado uma capitis deminutio, ao supor que possa estar comprometendo o direito daquele que é por ele defendido, pelo só fato de receber a verba honorária de outra fonte, esta que o faz, no entanto, por ordem e conta do segurado nos termos ajustados.

 

Não há nem nunca houve, de nenhum modo, sequer a oferta, pelas seguradoras, de serviços advocatícios a seus segurados que, nos termos da Carta-Circular SUSEP/DETEC/GAB/ nº 003/2006, pudesse configurar a contrafação ali imaginada, até porque, do contrário, antes de estarem ferindo a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) que determina ser privativo do advogado o exercício da advocacia, estariam elas ferindo a sua própria lei regente, já que o Decreto-Lei nº 73/66 veda ao segurador qualquer outra atividade que não a de seguro. E tal jamais sucedeu, em tempo algum, na medida em que indicar ou por à disposição do segurado uma relação referenciada de advogados para o patrocínio de sua defesa, não constitui infração ao Estatuto da Advocacia ou a qualquer outro estatuto legal.

 

No seguro saúde, por exemplo, em prática exitosa e inconteste, o fato de existir uma rede referenciada de médicos, não induz que a seguradora esteja prestando serviço de medicina, muito menos cerceando o exercício da atividade médica.

 

Realmente, em algumas modalidades de seguro, por exemplo, no de responsabilidade civil, a seguradora se compromete a reembolsar o segurado do valor das condenações judiciais cobertas pelo seguro e resultantes de demandas contra ele promovidas por terceiros, aí se incluindo as despesas com advogado. Daí subsiste o interesse da mutualidade gerida pela seguradora que ao segurado seja dada a melhor defesa e assistência jurídica, sabido que o valor da eventual condenação será arcado, em última instância, pela seguradora, mas repercutido esse custo na massa segurada. Não é, portanto, difícil perceber e admitir, a razão pela qual a seguradora deve disponibilizar ao segurado um profissional qualificado e especializado na matéria, buscando a melhor decisão e que não seja, preferencialmente, pela condenação do segurado ou, se inescapável, que seja, ao máximo, minimizada sempre no interesse comum do segurado individualmente e da coletividade de consumidores do seguro, integrantes da mutualidade cuidada pela seguradora.

 

Insta também enfatizar que esse notável seguro, o de responsabilidade civil facultativo, tem função transcendente daquela de garantir o reembolso ao segurado. Tem ele, pois, rogando desculpas pela metáfora, uma função analgésica, balsâmica, já que o segurador se postará ao lado do segurado na demanda contra ele intentada, envidando os esforços para reforço de sua defesa e garantia da retaguarda em eventual condenação, acompanhando-o de perto, em busca da absolvição ou, sendo caso, de uma condenação justa, na via crucis em que consiste o processo judicial, valendo aqui relembrar as sempre sábias palavras do insigne mestre uruguaio EDUARDO J. COULTURE (Introdução ao Estudo do Processo Civil, pág. 27, 3ª edição, Editora José Konfino, Rio de Janeiro), consoante o qual, ainda que o autor da ação não tenha razão, mesmo que infundada a demanda, ainda que se possa imaginar que a sentença de improcedência restituiria o réu à situação anterior à do processo, verdade é que o drama já estaria consumado, pois o PROCESSO traz, por si só, uma carga de dor, sacrifício e sofrimento, que nenhuma sentença seria capaz de reparar.

 

Eis aí, portanto, uma transcendente função do seguro de responsabilidade civil, porquanto quem de nós, estressados pelo só fato de respondermos a um processo, seja ele civil ou criminal, não se sentiria confortado em ter ao lado, nessa jornada de sofrimento, sacrifício e dor, nesse streptu judici, alguém para nos assistir, além do advogado é claro, e nos dar a retaguarda, não só financeira (note-se que a seguradora, além de dar apoio logístico ao segurado, ajudando-o na defesa, também oferece a cobertura dos honorários contratuais de seu advogado, qualquer que seja o resultado da ação), mas também, buscando a meta da absolvição, porque esta também interessa, sobremaneira, ao segurador, sabido que, se o processo em si, já é carga suficiente de dor, sacrifício e sofrimento, quanto mais o será se resultar em decisão condenatória.

 

E quanto mais ainda, quando se sabe quão demorada pode ser uma demanda judicial, por isso, após a demora do sofrimento judicial de que falou COUTURE, a vitória, se for alcançada, já virá fria, como diz o poeta TOMAZ ANTÔNIO GONZAGA, resumindo a angustia da tardança na bela construção poética de um decassílabo: a glória que vem tarde, já vem fria…”

 

Com efeito, a meta do segurador será a de auxiliar o segurado na sua defesa, visando à improcedência da ação que lhe seja movida pelo terceiro, pretensa vítima dos danos. Assim é que várias hipóteses podem ser citadas em que, apesar da ocorrência de danos a terceiros tangentes com o segurado, este, na verdade, não laborou com culpa ou não agiu com erro de conduta em que possa ser-lhe imputada a responsabilidade. Podemos citar, por exemplo, as hipóteses de danos em que fique configurada a culpa exclusiva da vítima, ou até mesmo a culpa concorrente.

 

Essa peculiaridade, portanto, do seguro de responsabilidade civil facultativo, demanda, naturalmente, a cumplicidade, no bom sentido, entre segurado e segurador, na indicação e escolha do advogado de defesa.

 

A indicação do advogado pela seguradora em seguros como o de responsabilidade civil, sempre se praticou em todos os povos, e não é de hoje, tal como no Brasil, onde de há muito admitida e recomendada por atos normativos dos órgãos de controle e normatização da atividade de seguros, sem qualquer óbice válido estabelecido em lei, que assim bem poderia continuar a ser, considerando não haver, desassombradamente, qualquer oposição legal, coisa que, com a devida vênia, também não veda o Estatuto da Advocacia.

 

Esclareça-se que esses atos normativos já repetiam regras permissivas contidas em Resoluções e Circulares anteriores que revogaram outras mais antigas, remontando há décadas o critério nelas previsto.

Aliás, a Carta-Circular que deflagrou a estranha proibição aqui contestada, não poderia ser contrária ao disposto naquelas normas então vigentes, nem teria a capacidade de revogá-las por falta de estatura hierárquica, e tampouco publicada foi, para que pudesse ter o mínimo requisito de validade a teor do que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil.

 

Efetivamente, não há ilegalidade alguma no fato de a gestora da mutualidade que rege a operação e o contrato de seguro, em orientar o segurado, ou disponibilizar advogado para cuidar de sua defesa, nas instâncias judiciais das demandas contra ele dardejadas por terceiros para reparação dos prejuízos reembolsáveis pelo seguro.

 

Com tal postura a seguradora jamais estaria coagindo o segurado a aceitar a indicação, já que esta não importa em ato de intromissão indevida na livre eleição pelo segurado de advogado de sua preferência, que, inobstante, permanece livre para não aceitar a indicação e escolher o profissional que melhor lhe aprouver. O fato de a seguradora indicar advogado não implica, de forma alguma, cerceamento, mas uma forma de livre escolha pelo segurado, até porque não impede que o mesmo o faça fora dessa indicação ou desse referenciamento.

 

Aliás, não raro os segurados, uma vez acionados pelo terceiro, costumam exigir que a seguradora os defendesse, ponderando com o fato de que o seguro teria sido contratado também para não terem que se ocupar com problemas decorrentes do sinistro, com acompanhamentos de processo, contratação de advogado e outros incômodos, se julgando com o direito de serem defendidos com a coordenação e providências da seguradora, gestora da mutualidade da qual faz parte cada segurado, inclusive no custeio do advogado.

 

Oportuno o magisterio de juristas do estofo de Emilio H. Bulló, insigne Mestre argentino que, entre outros, preleciona no sentido de que

 

en todos los seguros de responsabilidad civil de la carga de otorgar al asegurador la facultad de designar a los profesionales que dirigirán el procedimiento, se ha sostenido que, en realidad, es una obligación del asegurador para con el asegurado, y a éste le corresponde el derecho de exigírselo.(in “Derecho de Seguros y de Otros Negocios Vinculados”, Buenos Aires, Editora Abaco, 1998, volumen 2, página 444).

 

A legislação de outros países costuma ir mais longe, em relação ao que sucede no Brasil, pois aqui a seguradora simplesmente indica o advogado do segurado, que aceitará ou não a indicação. Com efeito, costuma-se observar na legislação de outros povos que a seguradora está compromissada a assumir a própria condução do processo em defesa do segurado. É o que se observa de escólios do professor belga Marcel Fontaine (in “Droit des Assurances”, Bruxelas, Ed. Larcier, 1996, p. 313):

 

 “L’assureur de responsabilités assume donc l’obligation de «prendre fait et cause pour l’assuré», c’est-à-dire de le défendre contre la réclamation du tiers.”

 

Entre nós, o Código Civil se mostra impondo ao segurado uma como que submissão ao poder de gestão da seguradora no seguro de responsabilidade civil, tanto que lhe proíbe, sem autorização dela, confessar a ação, reconhecer responsabilidade, transacionar e pagar indenização.

 

Realmente indubitável que o segurador, na operação de seguro, seja o gestor da mutualidade que a caracteriza fundamentalmente. Por isso o controle na indicação de advogado do segurado no seguro de responsabilidade civil é mais que compatível com tal gestão, sendo a ela inerente. Não é por outra que o § 2º do artigo 787 do nosso Código Civil veda ao segurado “reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador”.

 

Aliás, não nos passou despercebida da observação acima, ao elaborarmos o GUIA FENASEG sobre o novo Código Civil Brasileiro, quando, à página 102, restou comentado que “A redação do artigo 787 do novo Código reforça a via da indenização por reembolso, ao segurado”, e que “O parágrafo segundo do mesmo artigo admite o controle do sinistro pelo segurador.” (o grifo é do original).

 

No § 2º do art. 786 do mesmo Código consta – também como reconhecimento do interesse do segurador em controlar a operação – proibição ao segurado da prática de atos prejudiciais ao segurador no que tange ao pagamento da indenização ou ao seu direito de ressarcimento por sub-rogação, impondo a ineficácia de ato do segurado que restrinja os direitos da mesma.

 

Não sem lembrar de que, também no sentido da preservação do direito de presença da seguradora no processo, o art. 280 do Código de Processo Civil, que vedava a intervenção de terceiro no processo sumário, foi modificado para viabilizá-la somente quando fundada em contrato de seguro, justo em função da peculiaridade que rege o seguro na modalidade  responsabilidade civil.     

 

Não colhe frutos a afirmação de que, com a indicação feita pela seguradora, “o profissional estará comprometido prioritariamente com os interesses de sua pagadora e não com os interesses de quem está a patrocinar”, até porque ofensiva a toda a classe dos advogados, estes que têm como apanágio a atuação independente, o agir com zelo profissional, lisura e responsabilidade nos processos sob seu patrocínio, pouco importando de onde venha a sua remuneração.

 

Não sem lembrar de que, notadamente no seguro de responsabilidade civil, em que segurador e segurado se unem contra adversário comum, seria até dever de quem administra a mutualidade, fazer esse tipo de indicação.

 

Não há mesmo conflito entre o interesse da seguradora e do segurado que impeça a indicação de advogado para atuar na ação em defesa do segurado, sendo comum esse interesse. E se conflito acaso surgir, caberá ao advogado, a seu critério, que é independente, deliberar se deve ou não desistir do mandato.

 

Enfatize-se, uma vez mais, que o § 3º do art. 1º da Lei nº 8.609/94 – Estatuto de Advocacia -, pivô de todo esse mal entendido, veda a “divulgação da advocacia em conjunto com outra atividade”. Só que o Estatuto é dirigido exclusivamente a advogados, ou seja, nenhum advogado poderá divulgar a advocacia em conjunto com outra atividade.

Assim como o artigo 73 do DL nº 73/66 coíbe o segurador de exercer atividade estranha à de seguro, o Estatuto da Advocacia (caput e § 3º do art. 16) veda o registro de sociedade de advogados com viés comercial, ou o exercício de atividades que não sejam as da advocacia, como por igual o registro de empresas que insiram nas suas finalidades, a atividade de advocacia.

 

No mesmo sentido o artigo 28 do Código de Ética e Disciplina da OAB, ao estabelecer que a vedação se destina unicamente ao advogado, ao ali prever que a publicidade dos serviços advocatícios não pode ser divulgada em conjunto com outra atividade.

 

Evidente, até evidentíssimo, que nada disso sucede entre a atividade de seguro e a dos advogados, posto que a indicação do advogado para a defesa do segurado no seguro de responsabilidade civil, ou a cobertura de seus honorários, como dito, longe está de configurar tal vedação ou infringência à legislação que disciplina a atividade dos advogados, tampouco a que disciplina a atividade das seguradoras.

 

Por derradeiro, mesmo a despeito de a referida Carta-Circular SUSEP nº 03/2006 ter sido retificada pela Carta-Circular SUSEP nº 05/2008, o problema permanece, posto que a retificação serviu, basicamente, para prever a possibilidade de o segurado ter o direito ao reembolso dos honorários do seu advogado, contratado para defender os seus interesses numa ação movida por terceiro, apenas corrigindo omissão da redação anterior, que dava a entender que nem ao reembolso o segurado teria direito.

 

De tudo, não seria demasiado lembrar que, deixar ao exclusivo talante do segurado a escolha do advogado no seguro de responsabilidade civil, poderá importar em distorções operacionais capazes de levar ao comprometimento da própria cobertura do seguro em causa, na medida em que, dependendo do tamanho da conta dos honorários que o segurado venha a ajustar com seu patrono, grande parte do valor atribuído como limite máximo de indenização pode ser consumido pela verba. A não ser que seja possível – e me parece que sim – se estabelecer no contrato uma escala de limites, digamos de 05% a 10%, sobre o LMI, quanto menor o percentual dependendo do maior valor deste último e vice-versa.

 

Por todo o exposto, faz-se necessária a revisão do entendimento autárquico, ponderando-se perante a douta Superintendência de Seguros Privados, ainda que em forma de artigo, pela imediata revogação das determinações contidas nas Cartas-Circulares SUSEP/DETEC/GAB/nºs 003/2006 e 05/2008, de modo que não reste vedada nos seguros de responsabilidade civil, dentre outros em que os interesses do segurado e da seguradora são convergentes, a possibilidade de indicação de advogado para atuar na defesa do segurado que, ao fim e ao cabo, representa a defesa não só da seguradora, como da própria coletividade de segurados por ela gerida.

 

REFERÊNCIAS ONOMÁSTICO-BIBLIOGRÁFICAS

 

1 – EDUARDO J. COULTURE

2 – EMILIO H. BULLÓ

3 – MARCEL FONTAINE

4 – TOMAZ ANTÔNIO GONZAGA

 

 

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