Comercialização de seguros, títulos de capitalização e planos de previdência privada e a venda casada

RICARDO BECHARA SANTOS

 

De quando em vez se ouve informações, noticiosas, de comercialização de seguro e capitalização como incidente na prática de “venda casada”, mormente no setor varejista, de planos populares, com consequentes prejuízos de imagem para o setor. E Costuma-se, a meu ver indevidamente, acusar tal suposta prática como que relacionada a “metas de vendas” nos canais bancário e varejista.

Tais notícias, posto que a meu sentir baseadas em conceitos equivocados a respeito da chamada “venda casada”, como tal tipificada no Código de Defesa do Consumidor – CDC, é que me movem a escrever este breve e despretensioso artigo, com o objetivo de trazer a baila alguns lineamentos com os quais se possa, talvez, chegar ao que realmente deve ser entendido, legal e juridicamente, como “venda casada”, ao contrário de como muita vez vem ela distorcidamente propalada.

Como acontece em qualquer outro setor da economia na venda de produtos ou serviços, não é estranhável que também no setor de seguros o fornecedor, pelas mais variadas formas de comercialização, que precisam ser não só lícitas como criativas, ofereça aos consumidores a oportunidade de aquisição de um ou mais produtos ou serviços. Desde que o faça sem condicionar o consumidor a só adquirir o produto ou serviço inicialmente desejado se adquirir outro produto ou serviço inicialmente não cogitado. Afinal, oferecer não é pecado legal, pois o consumidor estará livre para avaliar, sem constrangimentos, o seu interesse ou comodidade em aceitar ou não a oferta. Como diz o provérbio: “perguntar não ofende”.

Pondere-se que no mundo comercial, em regra nada de errado existe no estabelecimento de “metas de vendas”, não sem lembrar que as metas fazem parte da vida em todos os seus segmentos, tanto que existem metas, dentre outras: (I) do Judiciário, quando o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por exemplo, as estabelece para que um determinado número de processos seja julgado com a devida celeridade pelos juízes e tribunais de todo o país; (II) do Poder Executivo, como as metas de controle da inflação, de superávit primário, metas de segurança, de redução de criminalidade, redução de gastos de energia elétrica e de água, e tantas outras; (III) do Poder legislativo, no amplo e complexo processo de elaboração das leis; (IV) das pessoas em geral, naturais ou jurídicas, de controle de obesidade, de crescimentos profissional, educativo ou cultural, metas de economia, metas de consumo, metas de produção, faturamento e vendas, porque não? Enfim, metas das mais variadas existem no cotidiano da vida que em nada podem ser desmerecidas, satanizadas, se dentro de uma razoabilidade e proporcionalidade e dos parâmetros da licitude, por isso não seria aceitável a acusação, como vilã, das metas de venda do fornecedor de produtos ou serviços, por si só, na tipificação da “venda casada” vedada pelo CDC.

Vale a propósito realçar que a chamada “venda casada”, realmente, vem tipificada no bojo do CDC, mais precisamente no seu artigo 39, inciso I, como prática abusiva do fornecedor em prejuízo do consumidor, mas não como crime, quando muito “delito civil” se praticada com infringência à letra do referido dispositivo legal.

O CDC, a partir de seu artigo 61, trata dos crimes contra as relações de consumo nele previstas, sem prejuízo do disposto no Código Penal e leis especiais, as condutas tipificadas nos artigos que ao mesmo se seguem, mas sem a expressa e clara previsão de crime relacionado à chamada “venda casada”.

Oportuno de pronto ponderar que a interpretação ao dispositivo que tipifica a venda casada como prática abusiva (art. 39, I do CDC) há de ser restritiva e não ampliativa, tal como sucede com todo dispositivo legal do qual resulte cominação de penalidade. Com efeito, necessário transcrever in literis, o texto do referido dispositivo do CDC matriz da venda casada:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; ”(o grifo não é do original).

Está-se, pois, a ver, que o primeiro comportamento caracterizado como prática abusiva no elenco do artigo 39 do código consumerista, é o de condicionar o fornecimento de produto ou serviço à aquisição de outro ou de uma quantidade determinada.

Infere-se daí, que o Código proíbe, expressamente, duas espécies de condicionamento do fornecimento de produtos e serviços. Na primeira delas, o fornecedor nega-se a fornecer o produto ou serviço, a não ser que o consumidor concorde em adquirir também outro produto ou serviço. Na segunda, a condição é quantitativa, dizendo respeito ao mesmo produto ou serviço objeto do fornecimento, só que, neste caso, não há uma proibição absoluta, sendo admissível o limite quantitativo na ocorrência de justa causa para a sua imposição, quando ocorre, por exemplo, limitação do estoque do fornecedor, neste caso específico cabendo ao fornecedor a contra prova da excludente.

Como bem acentua ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIM, hoje Ministro do STJ, in “Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto”, 10ª edição, 2011, nas páginas reservadas ao artigo 39 (páginas 382/383), o consumidor sempre tem o direito de, em desejando, recusar a aquisição casada de produtos ou serviços.  O que não é lícito é o condicionamento do fornecimento de um produto ou serviço ao fornecimento de outro, e não o mero oferecimento, podendo-se inferir que a venda casada, ou combinada, desejada pelo consumidor, sem constrangimento e sem valer-se o fornecedor da hipossuficiência do consumidor, não seria a princípio reprimida.

O acatado jurista FABIO ULHOA COELHO, em Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, organizado por JUAREZ DE OLIVEIRA, editora Saraiva, 1991, pagina 167, exemplifica, conceituando, o que, a contrário senso, não configuraria uma prática abusiva de venda casada, in literis:

“Se o fornecedor negar-se a vender isoladamente o produto ou serviço procurado pelo consumidor, forçando-o a adquirir outro, estará incorrendo na conduta vedada por lei. Também a fixação, sem justa causa, de limites quantitativos, mínimos ou máximos, para o atendimento do consumidor encontra-se proibida.”

Denota-se, então, que se não houver o condicionamento forçado, mas apenas uma oferta de outro produto ou serviço diferente (ou igual) que, se não aceita pelo consumidor, em nada interfere na aquisição inicialmente objetivada e assim realizada, portanto não negada pelo fornecedor, naturalmente desconfigurar-se-ia a tipicidade do citado artigo 39, I do CDC.

A configuração, pois, da prática abusiva da venda casada, há de se conter na baliza do dispositivo acima transcrito e ao verbo “condicionar” ali conjugado, podendo-se daí extrair que se o fornecedor não “condicionar” o fornecimento de um produto ou serviço a outro produto ou serviço, ou, sem justa causa, não o “condicionar” a limites quantitativos, apenas oferecê-los ou propagandeá-los ao talante do consumidor, sem qualquer constrangimento, não haveria, a nosso sentir, a tipificação da prática abusiva ali estabelecida.

Digo mais, encorajado por trecho de decisão judicial citada pelo jurista especializado LUIZ ANTONIO RIZZATTO NUNES, hoje Desembargador do TJSP, em “O Código de Defesa do Consumidor e Sua Interpretação Judicial”, Editora Saraiva, 1996, páginas 180/186, tendo a venda casada como tema central (TJDF, 1ª T, Ac. 32.351, Relator Desembargador MÁRCIO MACHADO, j. em 6-1994), ali se consigna que “os pedidos são interpretados restritivamente”, assim como, não se podendo estabelecer caracterização da prática abusiva de venda casada com “inexistência de prova de condicionamento do consumidor” a firmar contratos, a adquirir outros produtos ou serviços.

Indo um pouco mais além, argua-se que, para a configuração do tipo delitivo, mister se exija a prova provada, ou pelo menos indiciária, pois do contrário estar-se-ia consagrando a inconcebível “prova diabólica”, ou “prova negativa”, e, assim, fomentando o incremento de uma indesejada judicialização institucionalizada, favorecendo todo aquele que viesse a simplesmente alegar a prática da venda casada. E não foi esse, decerto, o objetivo do CDC, este que não veio à luz pra resolver as ilusões de cada um de nós, mas para melhorar as relações de consumo, tampouco servir de fonte de enriquecimento sem causa.

Realmente, a “venda casada” tratada no art. 39 do CDC, que não se presume, deve ser devidamente comprovada. E esse é o entendimento que se extrai da melhor jurisprudência, como se vê das ementas que adiante se transcreve como amostra, sendo uma do TJ do RJ e outra do TJ do RS:

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. Ação de responsabilidade civil com pedido de rescisão do contrato e dano moral. sentença de improcedência. Alegação de venda casada na aquisição de televisão com garantia estendida. garantia estendida que se constituiu em documento autônomo de adesão a contrato de seguro, fisicamente apartado do contrato de aquisição do aparelho de TV. Autora que não se desincumbiu de comprovar conduta ilícita da reclamada que pudesse estabelecer nexo com o dano alegado.  prova de inocorrência de vício do consentimento da consumidora que não se pode exigir da fornecedora. prova negativa. inexistência de indícios de indução a erro na contratação aperfeiçoada. sentença mantida. Negado seguimento ao recurso, na forma do artigo 557, do CPC (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Vigésima Quarta Câmara Cível Apelação nº 0301129-08.2013.8.19.0001).” (os grifos são intencionais).

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. Contrato de Financiamento nº 00334547320000017830, no valor de R$ 1.300,00; e Contrato de Financiamento n. 00334547320000017780, no valor de R$ 1.000,00. JUROS REMUNERATÓRIOS… ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE VENDA CASADA. PROVA. Em que pese a inversão do ônus da prova em razão da incidência do CDC, no caso concreto, diante da impossibilidade do Banco em produzir prova negativa (de que não condicionou a realização dos contratos de financiamento à contratação de seguro), cabia ao autor a comprovação de tal prática, nos termos do artigo 333, I, do CPC, ônus do qual não se desincumbiu. Ausentes provas da ocorrência da chamada “venda casada“. No ponto, apelo desprovido… (Apelação Cível Nº 70059106781, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 30/04/2014.” (nossos os grifos).

Posto assim e tendo presente o disposto no artigo 39, I do CDC, mister que se teça considerações que dizem respeito ao verdadeiro conceito de “venda casada” para que se brigue, por conseguinte, contra os falsos conceitos de tal prática sempre quando levantados, de modo que se possa, ao final, responder, com tal embasamento e mais amplamente, as indagações formuladas a respeito do tema objeto deste artigo. Senão, vejamos.

A começar com o entendimento de que a simples oferta de um serviço ou produto, respeitando-se o livre arbítrio do consumidor, sem qualquer pecha de condicionamento, a ponto de o fornecedor se conter com um simples “não” do consumidor, deixando-o livre para, querendo, adquirir ou não outro serviço ou produto e sem qualquer recusa à demanda inicial do consumidor, não pode nem deve caracterizar a prática abusiva da venda casada.

Do contrário, estar-se-ia impondo uma grave restrição ao exercício lícito e saudável da prática milenar da atividade comercial e, por conseguinte, ao desenvolvimento econômico de toda uma nação.

Permita-me, destarte, algumas considerações ilustrativas conforme segue, com vistas a separar o que é e o que não é, o que pode ou o que não pode vir a ser uma “venda casada” proibida, fazendo-o, no entanto, com citação de exemplos dos mais variados, inclusive do setor de seguros e do comércio em geral, em prol de um entendimento mais decotado sobre o tema que estamos a cuidar.

O antes citado professor RIZZATTO NUNES, o hoje Desembargador do TJSP, em seus “Comentários ao Código de Defesa do Consumidor”, Saraiva, 4ª edição, página 497, após desfiar alguns exemplos do que poderia caracterizar uma venda casada (para não citar outros o do banco que exige como condição um seguro de vida, em seguradora por ele determinada, para abrir uma conta corrente), adverte, com razão, que

“É preciso, no entanto, entender que a operação casada pressupõe a existência de produtos e serviços que são usualmente vendidos separados. Por exemplo, o lojista não é obrigado a vender apenas a calça do terno. Da mesma maneira o chamado “pacote” de viagem oferecido por operadoras e agentes de viagem não está proibido. Nem fazer ofertas do tipo “compre este e ganhe aquele…”

Diga-se o mesmo em relação a muitas práticas do mercado segurador que poderiam parecer venda casada, mas não são. Não se caracterizaria como tal, por exemplo, no seguro de automóveis, a colocação de rastreador como forma preventiva de risco, mormente quando custeada pelo segurador, ou, no seguro de Responsabilidade Civil Facultativo – RCF, o trio de coberturas Dano Material – Dano Corporal – Dano Moral…

Dependendo de como o assunto esteja regulado no contrato, na medida em que a instalação de rastreador se traduza numa política de aceitação/taxação de prêmio da seguradora em relação a determinados riscos, por isso oferecida ao segurado opção de instalar por sua conta um rastreador tecnicamente qualificado com correspondente desconto de prêmio, perfeitamente lícita a restrição, razão pela qual a instalação do referido equipamento, máxime se por conta e a expensas da seguradora, já representaria uma vantagem equivalente ao desconto e assim jamais se configuraria, legal e juridicamente, como prática de venda casada repudiada pelo art. 39, I do CDC, mormente se medida de prevenção, taxação e aceitação de risco, típica e própria da atividade de seguro que tem como base a mutualidade, esta que não se confunde com outras modalidades de serviço a que pretendeu alcançar o legislador com o mencionado dispositivo legal. Do contrário, até a assistência 24 horas estaria fadada à mesma vedação.

 

E não tipificaria mesmo venda casada porque o segurador, de forma alguma, estaria se negando a fornecer a garantia pretendida, só que em condição diferenciada de preço, que é lícito e pertinente diante do princípio constitucional da livre iniciativa, eis que, sem o rastreador, o prêmio seria técnica e atuarialmente agravado. Tampouco o segurador estaria vendendo ou oferecendo à venda serviços ou produtos de rastreamento, tanto que costuma submeter a instalação à livre escolha do segurado, e com desconto de prêmio. Uma vez não deseje ele o rastreador recomendado pela seguradora em regime de comodato a quem cabe tal recomendação como gestora da mutualidade, o prêmio seria naturalmente agravado, ou melhor, calculado sem o desconto respectivo, e sem negativa da demanda pelo seguro.

 

Com efeito, não seria absoluta a proibição estabelecida no referido dispositivo legal, comportando os devidos abrandamentos e desdobramentos, até em vista da condição estabelecida pela seguradora como medida preventiva, de taxação e aceitação de risco.

A justa causa para limites quantitativos da oferta de serviços ou produtos, como, por exemplo, a aquisição de certo número de títulos de capitalização, alforria o fornecedor dos efeitos punitivos do citado dispositivo legal. Assim como a oferta de títulos de capitalização nas suas mais variadas formas, combinadas, permitidas e regulamentadas por atos normativos da SUSEP e CNSP.

Realmente, não configura nem poderia configurar “venda casada proibida” a comercialização de seguros, planos de previdência e ou títulos de capitalização combinados como produtos únicos e assim aprovados pela SUSEP, mas efetivamente de comercialização de seguro, previdência ou títulos de capitalização, com a condição de aceitação, para determinadas situações assim exigidas para todos os segurados ou portadores que se encontrarem nessa condição segundo política lícita de aceitação da empresa, como gestora que é da mutualidade.

Seria o mesmo impropério que considerar também como casada a venda de salada de frutas, ou de qualquer outro produto ou serviço que, ao invés de condicionar sua venda a outro produto ou serviço autônomo, igual, semelhante ou diferente, na verdade estar-se-ia comercializando um só “produto”, que se traduz numa política tarifária e operacional de aceitação da seguradora, entidade de previdência privada, ou sociedade de capitalização e adotada, quanto a esse mesmo “produto”, de forma indiscriminada para todos os segurados/participantes/portadores ou proponentes que pretendam adquirir aquele “produto único”, engajados na política de aceitação também coerente com as atividades de seguro, de previdência privada ou de capitalização.

Não seria diferente, legal e juridicamente, guardadas as devidas proporções, da situação de uma venda, pelos supermercados, de artigos sortidos numa só embalagem e que, nem por isso, é considerada venda casada como, por exemplo, iogurtes de sabores variados comercializados numa só cartela, com um único código de barras.

Exemplo típico de venda casada, sem justa causa, seria aquela em que um fornecedor, diante de um consumidor que pretenda adquirir apenas uma lata de óleo, insiste em condicionar a venda à compra de duas outras unidades sem o que a venda não seria realizada; ou o Banco que persevera em condicionar o fornecimento de um empréstimo para casa própria se o cliente comprar um seguro de automóvel, ou mesmo um título de capitalização, ou um plano de previdência privada.

O STJ, de certa feita, chegou a julgar como prática de venda casada o condicionamento, pelo agente financeiro, da realização, pelo mutuário, do seguro de garantia do financiamento em seguradora imposta por aquele, mas permitindo, todavia, a realização de tal seguro, em seguradora de livre escolha do mutuário sem que tal pudesse configurar prática abusiva de venda casada (STJ, Recurso Especial nº 804.202-MG, Relatora ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 19/08/08).

Efetivamente, não há se entender como hipótese de “venda casada” qualquer situação em que se configure “produto único” da seguradora, entidade de previdência privada ou empresa de capitalização, que se traduza numa política tarifária, comercial ou operacional de aceitação da empresa adotada de forma indistinta, digamos para todos os segurados proprietários de veículos automotores que aceitem adquirir aquele serviço, ou consumidores que admitam adquirir títulos de capitalização, que longe está de se caracterizar tais serviços como venda casada, de que trata o art. 39, I do CDC.

Assim como não estaria fadada à igual vedação, ainda a guisa de exemplo, como dito, a venda ou fornecimento por um supermercado de artigos sortidos numa só embalagem, o que não autoriza afirmar que o fornecedor estivesse condicionando a venda de um produto à aquisição de outro, justo porque formam um produto único, também as coberturas de Dano Material – Dano Corporal – Dano Moral, quando comercializadas no seguro de responsabilidade civil de automóveis, de forma perfeitamente lícita, numa só “embalagem ou cartela” e como tal claramente dispostas na oferta, tal qual um buquê de coberturas ou modalidades unidas num só produto, jamais se configuraria venda casada, e teria, ao contrário do que possa alguns imaginar, a finalidade de proteger o consumidor enquanto ente coletivo da mutualidade, sabido que, no caso de seguro de automóvel, por exemplo, não raro, as demandas das vítimas de reparação de dano invariavelmente embutem indenização por dano moral, posto que, mormente a partir do advento do CDC, se abriram as comportas de uma demanda indenizatória reprimida e cada vez mais demandante da proteção securitária.

E não se tipificaria mesmo como venda casada porque o segurador, de forma alguma, estaria condicionando a compra de um seguro à aquisição de outro produto ou serviço diferente, seu ou de terceiro como, por exemplo, a comercialização de um seguro de vida desde que o segurado adquira um seguro de automóvel, um plano de previdência ou um título de capitalização. Isso sim, poderia se qualificar como típica venda casada, em caso de condicionamento. Não o seria, no entanto, o simples fato de o fornecedor oferecer um serviço ou produto, diferenciado, que seja do interesse do consumidor, digamos um título de capitalização, um seguro de vida, uma garantia estendida, uma recarga de cartão pré-pago, uma ou mais baterias para a lanterna adquirida, dentre muitas outras tantas ofertas úteis que sejam do interesse do consumidor, nos variados canais comerciais, sem que a tanto seja de algum modo forçado.

Como dito, mesmo nos casos de venda casada a doutrina é acorde em reconhecer que não é absoluta a proibição estabelecida no referido dispositivo legal (art. 39, I do CDC), comportando os devidos abrandamentos e desdobramentos, inclusive tendo em vista a “justa causa” da condição estabelecida pelo fornecedor para limites quantitativos.

É preciso, pois, separar o verdadeiro conceito do falso conceito de venda casada.

EM CONCLUSÃO e feitas essas considerações e trazidos os exemplos ilustrativos do que pode ou não caracterizar uma venda casada, na maior das vezes não se trata mesmo de uma configuração de venda casada na forma como a lei a reprime, desde que naquelas referidas hipóteses tudo não passar de simples oferecimento de outros produtos ou serviços, sem qualquer prova do condicionamento ou constrangimento (não sem advertir de que determinados métodos de vendas “agressivos” podem configurar constrangimentos) no fornecimento de um produto ou serviço à aquisição de outro, eis que, do contrário, segundo precedente do STJ, o procedimento poderia caracterizar-se como infringente ao artigo 39, I do CDC, que condena, consoante acórdão citado, qualquer tentativa do fornecedor de se beneficiar de sua superioridade econômica ou técnica impondo condições negociais desfavoráveis ao consumidor, lhe cerceando a liberdade de escolha.

Voltar