Informações
Artigos de Direito do Seguro
Direito de sub-rogação no Seguro Saúde
RICARDO BECHARA SANTOS
O QUESTIONAMENTO:
“Um indivíduo sofre danos físicos causados por um veículo de terceiro (atropelamento ou colisão). É levado para um pronto socorro (provavelmente de hospital público – SUS) e posteriormente encaminhado a um hospital privado “credenciado” (ou não), onde permanece por certo tempo e incorre em gastos elevados até a alta definitiva. Ao se internar no hospital (credenciado ou não), este indivíduo utiliza seu próprio plano de saúde. Pergunta-se:
(1) Como poderia ser interpretada a questão da sub-rogação de direitos nesta situação? Esta interpretação varia de acordo com o tipo de operadora (Seguradora, Cooperativa, Santa Casa, Medicina de Grupo)?
(2) Admitindo-se que a operadora obtenha declaração do seu beneficiário (o paciente) sub-rogando os seus direitos, pode a mesma acionar o condutor do veículo causador do dano, e consequentemente a sua seguradora, na cobertura do seguro de responsabilidade civil- danos corporais?
(3) Há no Código Civil vigente algo relacionado ao tema, que deva ser ressaltado para as seguradoras (tanto de saúde como de automóvel)?
Gostaríamos de receber as considerações jurídicas sobre estas as questões, assim como sobre outras derivadas do mesmo tópico que venham a ser levantadas pelo consultor.”
Posta assim a questão, arrisco as seguintes ponderações.
Em tempos em que se fala que o INSS anda promovendo ações de ressarcimento contra pessoas responsáveis por acidentes que geraram benefícios pagos pela previdência social, e que as seguradoras e operadoras de saúde pagam quantias milionárias ao SUS a título de ressarcimento por conta de atendimentos na rede pública (esse ressarcimento ao SUS, entre 2011 e 2013, teria ultrapassado a casa dos R$ 320 milhões), oportuno também é voltarmos a falar sobre o direito de ressarcimento que as mesmas têm contra os terceiros que dão causa às indenizações cobertas pelo seguro saúde. Senão, vejamos.
O DIREITO SUB-ROGATÓRIO AO RESSARCIMENTO:
Não seria demasiado lembrar de que o direito sub-rogatório do segurador privado é assegurado na lei, não raro no contrato e, depois de copiosa discussão no judiciário, também pelo entendimento jurisprudencial sumulado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal através do verbete 188 de suas Súmulas.
É como que se o segurador substituísse a vítima do dano, no caso o segurado por ele indenizado, com todos os consectários pertinentes, para agir contra o causador. Já dizia o artigo 988 do Código Civil de 1916 quanto à abrangência da transferência de direitos que ela produz, e assim continua dizendo o Código de 2002 no seu artigo 349: “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida contra o devedor principal e fiadores”.
O segurado indenizado pelo segurador, portanto, transfere a este, junto aos direitos, ações, privilégios e garantias, o prazo prescricional que tiver, como também o direito de acionar o causador para reparação de dano sob a égide da responsabilidade subjetiva ou objetiva (independente de culpa) se for esta a situação, por exemplo, a do dano decorrente do fato do produto ou do serviço consoante o CDC. Assim, se tiver o segurado um prazo prescricional, digamos de três anos contra o terceiro causador, no que tange à ação de reparação de dano causado por veículo (CC, art. 206, § 3º), ou cinco anos se o dano decorrer de relação de consumo (CDC artigo 27), esse prazo é transferido ao segurador por força do direito sub-rogatório, legal ou contratual.
Sub-rogação e seguro são coirmãos de uma mesma placenta, pois têm a transferência como célula comum. Enquanto no seguro o segurado transfere para o segurador os efeitos econômicos do risco temido, na sub-rogação o segurado transfere para o segurador todo direito e ação contra o terceiro causador do dano ou que seja por ele responsável, é dizer, aquele que transformou o risco temido em realidade concreta, materializada em sinistro indenizado pelo segurador. Só que no seguro, diferentemente do que ocorre na sub-rogação, não se opera a substituição nem de pessoas nem de coisas. Enquanto na sub-rogação o segurador substitui o segurado satisfeito com a indenização do sinistro de que fora vítima, assumindo o seu posto para agir contra o terceiro causador do dano, no seguro o segurador, ao aceitar o risco não está, a rigor, substituindo o segurado, mas apenas garantindo a ele uma indenização futura e incerta, pois o risco é e sempre será do próprio segurado (in Direito de Seguro no Cotidiano, Editora Forense, pag.530, de autoria do signatário).
Em suma, extraio de nosso mesmo livro DIREITO DE SEGURO NO COTIDIANO, Editora Forense-Rio, páginas 227, as seguintes ponderações, aplicáveis ao tema presente:
“O fundamento da sub-rogação legal para o contrato de seguro se planta, radicalmente, na utilidade prática mesmo da instituição, beneficiando, de certo modo, até mesmo o devedor, que pode ver substituído seu credor por outro, até mais tolerante e suscetível a acordo. Em síntese, a sub-rogação legal representa uma realidade jurídico-econômica benéfica e até solidária, por isso a lei deve estimulá-la, já que resulta indubitável a sua utilidade, inclusive do ponto de vista social, porquanto facilita o cumprimento das obrigações. A sub-rogação legal, ademais, quando plasmada no contrato de seguro, propicia a redução do prêmio, tornando-o mais acessível ao consumidor, considerando que a ação do segurador contra o causador do dano atende: a) a tutela do princípio indenizatório; b) a impedir que o terceiro responsável fique exonerado da responsabilidade; c) observando-se, assim, uma norma técnica securitária ligada ao princípio da repetição mutualista do risco, diminuindo o custo de gestão do seguro, em benefício da massa de segurados”.
Resta claro dos artigos 346 e seguintes do vigente Código Civil, que a sub-rogação, convencional ou legal, opera-se de pleno direito, dentre o mais, em favor: (I) do credor que paga a dívida e; (II) do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. A esse efeito, a sub-rogação convencional, todavia, opera-se, ademais, quando o credor (segurado) recebe o pagamento de terceiro (segurador) e expressamente lhe transfere todos os seus direitos (art. 347). Na sub-rogação legal, entrementes, o sub-rogado (no caso o segurador) não poderá exercer os direitos e as ações do credor (segurado), senão até a soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor (art. 350). Por isso o credor originário (segurado) só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado (segurador) na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor (terceiro) não bastarem para saldar inteiramente o que a um e a outro dever (art. 351).
Com efeito, tendo sido agitado o tema no judiciário, há algum tempo atrás, e isso se devendo em parte ao fato de não haver previsão específica da sub-rogação no capítulo próprio do contrato de seguro no Código de 1916, as controvérsias se pacificaram com a mencionada Súmula 188 do STF, que de uma vez por todas consagrou o direito sub-rogatório do segurador, para haver do responsável o ressarcimento do que indenizou ao segurado, em qualquer modalidade de seguro, terrestre, marítimo ou aeronáutico, mas restrito aos seguros de dano, de natureza indenizatória, por isso excluídos dessa possibilidade os seguros de vida e, quiçá, os de acidentes pessoais, dado o caráter próprio desses seguros conforme reconhecido na doutrina que passeia por todo o mundo, já que a vida humana e a integridade física do indivíduo, para esse efeito, seriam insuscetíveis de apreciação econômica, embora se admita no campo da responsabilidade civil a possibilidade de se indenizar uma vida humana ceifada por ação de outrem. É que, somado a isso, em tais seguros o segurador a rigor não indeniza o segurado, mas paga a ele e ou a seus beneficiários um capital previamente ajustado sem que represente tanto por tanto o prejuízo sofrido.
Dúvidas não mais poderão subsistir no que toca à sub-rogação no contrato de seguro, posto que o vigente Código, dando ênfase ao direito sub-rogatório do segurador, sem, no entanto, desprezar as regras gerais da sub-rogação, trouxe outras específicas para o bojo do capítulo que lhe é próprio, ao estabelecer, na seção do seguro de dano, mais precisamente no seu artigo 786 e parágrafos, que “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”, como também, obviamente, contra quem seja o responsável por sua reparação. Ressalva, entretanto, no § 1º, que, “salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins”. No § 2º, estabelece, de forma cogente, que é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos sub-rogatórios.
Os parágrafos acima visam a corrigir certas lacunas do Código revogado. A uma, ao consagrar a proteção à família do segurado, quando veda a ação de regresso contra o cônjuge e parentes próximos do mesmo, que, se demandados pelo segurador, decerto incomodaria o próprio segurado, também como se o seu próprio patrimônio, ou o patrimônio familiar, estivesse sendo ameaçado, no pressuposto de que são pessoas que presumidamente não seriam por ele acionadas, salvo por dolo, daí porque o direito de ação não fora transferido ao segurador nesses casos, poupando o segurado de tais dissabores. Todavia, entendo que, se o segurador tomar conhecimento de que o segurado, uma vez indenizado pelo seguro, nada obstante intentou ação de reparação de dano contra tais pessoas, terá o seu direito sub-rogatório restabelecido nesses casos. A duas, ao consagrar a proteção do próprio direito sub-rogatório do segurador e, por conseguinte, também da coletividade de segurados que integram o mutualismo, considerando que a sub-rogação reflete no custo do seguro, barateando-o, por isso o dispositivo tem por escopo coibir certas manobras de segurados desavisados que transacionam com o causador do dano, antes ou depois de haver recebido a indenização do seguro e a ele dando quitação total, ainda que a transação em verdade se resuma ao valor de uma franquia, toldando assim o direito sub-rogatório total do segurador.
Sem rebuços de dúvidas, o direito sub-rogatório, em regra, subsiste independentemente de não haver no contrato cláusula sub-rogatória expressa, porque hoje vem ela disciplinada na lei com muito mais clareza e precisão.
A consagração do direito sub-rogatório pela jurisprudência torrencial se fez de forma ampla, porquanto decorria não só das costumeiras cláusulas constantes das apólices como também da própria lei, embora parcimoniosamente, nos artigos 985 e 988 do falecido Código Civil, e reencarnado no Código vigente, que expressamente reconheceu a sub-rogação do segurador, legal ou contratual. A jurisprudência muita vez, mesmo sob a égide do velho Código, chega a dispensar na ação de ressarcimento do segurador, a apresentação do contrato de seguro, bastando o recibo de quitação do segurado e a comprovação da responsabilidade civil do terceiro, como que sinalizando a ideia de que, acaso inexistisse na apólice cláusula sub-rogatória expressa, o ressarcimento de qualquer sorte se faz pertinente pela sub-rogação legal.
O pagamento é forma de extinção de obrigações, por isso o segurador, ao cumprir com sua obrigação indenizando o segurado pelo dano que o sinistro lhe causou, nos termos estipulados no contrato, extingue-a perante o segurado e assume o direito de estar no polo ativo da postulação a ser exercida contra o terceiro causador do dano. Ou seja, a lei e ou o contrato transferem ao segurador a titularidade do direito na mesma relação jurídica, considerando que esta não pereceu, a não ser diante do segurado (e de seus parentes próximos como reza o Código), porque o causador do dano continua obrigado por sua reparação, já agora perante o segurador, pois a relação jurídica de reparar o dano sobrevive, eis que do contrário estar-se-ia premiando a impunidade daquele que, com a prática de um ato ilícito, causara um dano a outrem.
A sub-rogação, na sua expressão mais simples, nada mais é do que a operação pela qual a dívida ou o direito se transfere àquele que a pagou ou cumpriu a respectiva obrigação, com todos os acessórios e garantias que a guarneciam.
Com efeito, sub-rogar, em sentido amplo, é colocar uma coisa em lugar de outra ou uma pessoa em lugar de outra. Duas são, portanto, as espécies de sub-rogação: a real e a pessoal, conforme se trate de sub-rogação de coisas ou de pessoas. Porém, a que interessa ao presente estudo é a sub-rogação pessoal, porque o que sucede é a substituição de uma pessoa por outra, a do segurado pela do segurador, pouco importando se tratar de pessoas jurídicas. Até porque, é dessa espécie de sub-rogação que ocupa o Código Civil Brasileiro.
A SUB-ROGAÇÃO SÓ OPERA NOS SEGUROS DE DANO, JAMAIS NOS SEGUROS DE PESSOA:
Feitas todas essas considerações, insta destacar um ponto em que o segurador não terá espaço para exercer o seu direito sub-rogatório, qual seja nos seguros de vida. Aliás, muitas já foram as indagações no sentido de se saber, por exemplo, em caso de morte ou mesmo de invalidez, de um segurado titular de apólice de seguro de vida, decorrente de acidente de automóvel, em que se comprova a culpa e responsabilidade de terceiros, se o segurador teria ou não direito de promover o ressarcimento do capital pago ao segurado ou a seus beneficiários, vale dizer, se nessa modalidade de seguro opera a sub-rogação.
Temos respondido que não, posto ser o ressarcimento sub-rogatório incompatível, inconciliável mesmo, com os seguros de pessoa (vida e acidentes pessoais) em face de o princípio indenitário não participar de tais seguros, por isso para eles vedada, hoje expressamente, o direito sub-rogatório, nos termos do artigo 800 do vigente Código.
Realmente, a sub-rogação é antípoda do seguro de vida: primeiro, porque as próprias seguradoras, quando vigia o Código de 1916, abdicaram dessa discussão, não imprimindo nas suas apólices de seguro de vida e de acidentes pessoais a cláusula sub-rogatória, por já entenderem, com base na doutrina dominante, que no caso o capital segurado é de valor livre e inestimável, logo, dissociado do conceito de dano, tanto que uma pessoa pode realizar quantos seguros de vida lhe aprouver, e com os capitais segurados que quiser e puder; segundo, porque, no seguro de vida, o titular do direito ao capital, pela morte do segurado, é seu beneficiário, que não é parte do contrato de seguro, por isso não poderia sub-rogar o segurador contra o terceiro. E se já não constava a cláusula sub-rogatória do contrato de seguro de pessoa pode-se presumir que o segurador jamais intencionou levar à nota técnica atuarial a previsibilidade de ressarcimento, portanto, nunca a considerou no cálculo atuarial do prêmio.
A SUB-ROGAÇÃO E CONSEQUENTE DIREITO AO RESSARCIMENTO NO SEGURO SAÚDE, POSTO QUE SEGURO DE DANO:
Mas a sub-rogação é possível no que tange ao seguro saúde, já que este, decididamente, não é seguro de pessoa, embora a pessoa possa estar no epicentro da relação. Afinal, o contrato é de seguro de dano, pelo qual, mediante recebimento do prêmio, o segurador garante os riscos financeiros dos procedimentos médicos, hospitalares, ambulatoriais, predeterminados no contrato, este que se enquadra nas definições do art. 757 do Código Civil de 2002 e da Lei 9.656/98. Nos pagamentos realizados pela seguradora, diretamente aos médicos que prestaram os seus serviços aos segurados, ou por via de reembolso, ambas as situações se caracterizam como indenização decorrente de uma operação de seguro, na primeira hipótese em nome, ordem e conta do segurado, na segunda diretamente a ele. E operação de seguro de dano, por evidente.
Trata-se, pois, o seguro saúde, de seguro de reposição por natureza, razão suficiente para se entender que, seja na hipótese de reembolso direto ao segurado, seja na de pagamento direto aos médicos, por ordem e conta daquele consoante o artigo 1º da Lei 9.656/98, ambas as hipóteses decorrem da obrigação oriunda de uma operação de seguro, da prestação de uma obrigação indenizatória decorrente de um sinistro como fato aleatório.
Decididamente, a sub-rogação é típica dos seguros patrimoniais, dos seguros de dano propriamente ditos, ou seja, daqueles seguros em que o objetivo é o pagamento de uma indenização ou reembolso de despesas pecuniárias, no exato calibre do prejuízo experimentado ou despesas incorridas pelo segurado. Por isso o titular do bem, direito ou interesse, há de escolher entre reivindicar a reparação do dano diretamente contra o causador, ou optar pelo recebimento do seguro, considerando não ser cabível o enriquecimento sem causa, promovido por um bis in idem. Tanto assim que os artigos 778 e 781 do vigente Código (art. 1437 do Código revogado) vedam, nos seguros de dano, segurar uma coisa por mais do que ela valha, nem pelo seu todo mais de uma vez, ou, na atual dicção, que a indenização ultrapasse o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador, afastando-se assim a especulação com tal modalidade de seguro, que é de dano vittando, e não de lucro capiendo.
Note-se que, à luz do vigente Código dois são os limites intransponíveis no seguro de dano para efeito da indenização: (a) o valor do prejuízo e; (b) se maior o prejuízo, o valor ajustado na apólice como limite máximo de garantia. Basta conferir, dentre o mais, com seus artigos 760 e 781 que, juntos com o art. 778, deixam clara a força intransponível do princípio indenitário que rege os seguros de dano, dentre os quais se inclui o seguro saúde, como mais adiante também se verá.
Nos seguros de pessoa, tal não sucede porque o seu objetivo é o pagamento de uma quantia certa em dinheiro, denominada capital segurado, enquanto que no seguro de dano ou de coisa a garantia é balizada por um “valor” que representa o limite máximo de indenização, ou, na dicção do Código de 2002, Limite Máximo de Garantia.
Ao contrário do que sucede no seguro saúde, nos seguros de vida e de acidentes pessoais o segurado ou beneficiário, recebendo o capital não sub-roga o segurador nos seus eventuais direitos contra o causador do sinistro, máxime em caso de morte, porque o recebimento do capital, em vida ou pelo beneficiário, não prejudica o seu direito próprio de agir contra o responsável pela morte ou pela invalidez do segurado, porque no seguro de pessoa esse valor representa como que o recebimento de um capital investido, enquanto no seguro de dano, dentre os quais o de saúde, o objetivo foi o de garantir a reposição do bem ou interesse econômico (CC art. 757, que passou a considerar, de forma mais explícita, como objeto do seguro, seja este de dano, de pessoa, de responsabilidade ou de coisa, o “interesse legítimo do segurado“).
Já no seguro de dano o segurado, indenizado pelo segurador, perde, no todo ou em parte, o interesse para agir contra o terceiro, sub-rogando, por isso mesmo, o segurador. No seguro de pessoa o interesse do segurado de acionar o terceiro causador do dano subsiste independentemente de haver o recebimento de um capital.
Se o tema apresentava-se vago no Código revogado, deixou de sê-lo no atual, a julgar pelo que dispõe o seu artigo 800, inserido na Seção do Seguro de Pessoas, in verbis: “nos seguros de pessoa, o segurador não pode sub-rogar-se nos direitos e ações do segurado, ou do beneficiário, contra o causador do sinistro”. Ao mesmo tempo, em seu artigo 789, dispõe que “nos seguros de pessoa, o capital segurado é livremente estipulado pelo proponente, que pode contratar mais de um seguro, sobre o mesmo interesse, com o mesmo ou diversos seguradores“. Seguindo-se, assim, as pegadas da maioria dos Códigos do Mundo.
Observe-se, cum granum salis, que se extrai do próprio dispositivo supra um elemento essencial para se caracterizar um seguro como de pessoa, qual seja o capital segurado livremente estipulado. Sem ele, portanto, não se estará diante de um seguro de pessoa, ainda que a pessoa figure como espécie de protagonista no cenário desse ou daquele seguro. Mesmo que o seguro se relacione com a pessoa. Portanto, não seria equivoco afirmar que o seguro saúde, em que pese se relacionar com a saúde do segurado e ou de seus dependentes econômicos, de pessoa não será tal seguro porquanto não há a estipulação de um capital segurado, mas, isto sim, como diz a Lei 9.656/98 em seu art. 1º “sem limite financeiro”, a garantia de um reembolso das despesas pecuniárias incorridas para o tratamento da saúde do segurado e ou de seus beneficiários, portanto de natureza inapelavelmente indenizatória.
Mas para ficar ainda mais estreme de qualquer dúvida, o legislador escreveu no art. 802 do Código de 2002, encerrando a Seção dos seguros de pessoa, e também o Capítulo do Seguro (o seguro é tratado no Capítulo XV, composto de três Seções), in literis: “não se compreende nas disposições desta Seção a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de tratamento médico, nem o custeio das despesas de luto e de funeral do segurado“. Vale dizer que o seguro saúde não é mesmo seguro de pessoa, tanto que expressamente excluído da Seção dos seguros de pessoa do vigente Código (Seção III). E como é excluído apenas dessa Seção específica, e não de todo o Capítulo XV, conclui-se, com a ajuda do que dispõe o art. 777 (segundo o qual o Capítulo do Seguro aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias), que o seguro saúde se subordina, em sintonia com a lei que lhe é própria (Lei 9.656/98), às Seções I e II, que tratam respectivamente das Disposições Gerais e do Seguro de Dano.
Na dicotomia dos seguros de dano e de pessoa inaugurada pelo Código Civil de 2002, que derrogou a velha classificação estabelecida no artigo 7º do Decreto nº 61.589/67, o seguro saúde se insere dentre os seguros de dano, porque a natureza da prestação do segurador no caso é de indenizar o segurado ou beneficiário dos gastos com o tratamento ou prevenção à sua saúde.
CONCLUSÃO:
Nessa senda, correto concluir que o seguro saúde, como também o projetado seguro de acidentes do trabalho, embora se relacionem à pessoa do segurado ou do beneficiário do seguro, são na verdade seguros patrimoniais, seguros de dano mesmo, do que também pode ser exemplo o seguro de DPVAT mesmo considerando sua característica híbrida de seguro de responsabilidade civil e de acidentes pessoais, posto que inerentes com a sub-rogação. Tanto que no seguro DPVAT, pelo seu lado híbrido de seguro de dano, a sub-rogação é prevista em lei (art. 8º da Lei 6.194/74), como no projetado seguro de acidentes do trabalho, posto que todos espécies de seguros indenizatórios.
Diferente não é no seguro saúde, que tem por escopo, conforme expressa previsão legal, repor o patrimônio do segurado enquanto desfalcado pelo desembolso que teria que fazer com a assistência à sua saúde e ou de seus dependentes econômicos, tanto que, pelo regime de livre escolha, se optar por médico, laboratório, hospital, etc., fora da rede referenciada, fará o desembolso para depois buscar o reembolso junto ao segurador. E mesmo no caso de se utilizar da rede referenciada, nos termos da lei, o pagamento que a seguradora fizer ao prestante da assistência médica, o fará em nome e por conta do segurado (Lei 9.656/98, art. 1º, inciso II). Daí, dúvida não há de restar quanto ao caráter indenizatório do seguro saúde que, afinal, visa a garantir o risco financeiro dos gastos com a saúde, sendo os gastos médicos reembolsados no exato calibre das despesas financeiras comprovadas, repita-se até a exaustão. É que no seguro saúde inexiste um capital, mas a garantia, nos limites das exclusões, de uma reposição financeira.
E aí pode operar não só a sub-rogação legal, como a contratual, todavia, para ficar imune de qualquer dúvida, não seria de todo desaconselhável que os contratos passassem a conter em seu ventre a cláusula sub-rogatória, por cautela e também para, nos limites da lei, balizar ou definir certas peculiaridades. Como também e principalmente, para atender aos desígnios do Código de Defesa do Consumidor. Também para sinalizar a intenção do segurador de levar a sub-rogação à Nota Técnica Atuarial, dando mais transparência à operação.
Nessas condições, se as despesas decorrerem, por exemplo, de um acidente de automóvel onde se possa identificar um causador, a seguradora que proceder ao pagamento da indenização ao segurado ou beneficiário por conta do seguro saúde poderá, perfeitamente, buscar o ressarcimento contra esse causador final até o limite do que pagou ao segurado, ao beneficiário, ou à rede referenciada, eis que, do contrário, das duas uma: se se permitir ao segurado já indenizado buscar esse valor do causador, consagrar-se-ia o enriquecimento ilícito e sem causa justa, o bis in idem, portanto; se não se admitir nem ao segurador fazê-lo, consagra-se a impunidade do causador do dano e autor do ato ilícito.
Penso que esse mesmo direito se estende a qualquer operadora de plano de saúde, ainda que não seja ela uma seguradora formal, por conta da sub-rogação legal e ou contratual. Mormente se o segurado e ou beneficiário houver firmado declaração sub-rogando expressamente a operadora.
Demais porque, a própria lei da especialização (Lei nº 10.185/2001) estabelece uma equiparação entre planos e seguros saúde e entre seguradora e operadora, embora mostre as diferenças. Mesmo porque, se as operadoras não são seguradoras, não estariam inseridas na proibição a que alude o artigo 800 do Novo Código Civil, antes citado, que veda a sub-rogação nos seguros de pessoa, aduza-se apenas para efeito de argumentação já que não seria crível impedir a sub-rogação no seguro saúde, que em verdade não se afigura como seguro de pessoa à luz do vigente Código, como alhures demonstrado. As operadoras, pois, como dito, teriam ao seu dispor a sub-rogação, legal ou convencional, prevista no Código Civil.
Lembre-se de que esse direito sub-rogatório não pode ser exercido direta e exclusivamente contra a seguradora, por exemplo, do veículo com o qual o seu proprietário contratou a cobertura do risco de responsabilidade civil (RCF), na medida em que descaiba a ação direta do terceiro exclusivamente contra a seguradora do segurado causador do dano, posto que esse terceiro, seja a própria vítima seja a operadora sub-rogada, não foi parte do contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo, por isso sendo no caso a ação de perdas e danos contra o causador do ato ilícito, a seguradora não seria parte legítima para ser demandada pelo terceiro já que não praticou qualquer ato ilícito. E note-se que o impedimento da ação direta do terceiro exclusivamente contra a seguradora subsiste, com irrespondível ênfase, no Código de 2002, ao menos no que se refere aos seguros facultativos, sendo admitida a ação direta apenas nos seguros legalmente obrigatórios (DPVAT, DEPEM e outros tantos como tais elencados no rol dos seguros de responsabilidade civil legalmente obrigatórios do art. 20 do Decreto-Lei 73/66), nos termos de seu artigo 788.