Embriaguez no volante. Agravamento do Risco. Breves comentários sobre recente decisão do Superior Tribunal de Justiça

RENATO BARCELLOS SANTOS

EMENTA. SEGURO DE VIDA. EMBRIAGUEZ. A cláusula do contrato de seguro de vida.que.exclui da cobertura do sinistro o condutor de veículo automotor em estado de embriaguez.não.é.abusiva. Que o risco, nesse caso, é agravado resulta do senso comum,retratado.no.dito.”se.beber.não.dirija,se dirigir não beba”. Recurso Especial não.conhecido. DECISÃO UNÂNIME DA TERCEIRA TURMA do STJ. COMPOSIÇÃO: Ministros Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator, o.MINISTRO.ARI. PARGENDLER. Data do julgamento: 26 de agosto de 2008 .

 

Em comento à recente decisão proferida, por unanimidade, pela Terceira Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 973.725 (ementa acima), temos os seguintes comentários a desfiar e desafiar.

 

Inicialmente, é importante destacar que o processo em questão diz respeito à cobrança do capital segurado referente à cobertura de “Morte Qualquer Causa” de um seguro de vida em grupo. No caso, com base no agravamento do risco, ou seja, na comprovação do estado de embriaguez do segurado, feita através do exame toxológico produzido pela Polícia, que concluiu pela quantidade de álcool no sangue em 2,4 g/l e em cláusula excludente expressa,  a Seguradora recusou-se ao pagamento do sinistro.

 

Decidiu a Terceira Turma do STJ que a cláusula excludente de embriaguez não é abusiva, mesmo na cobertura de  “Morte Qualquer Causa”. Ficou consignado na decisão que a interpretação dessa legenda é “qualquer que seja a causa” em termos. Se a causa for decorrente da própria imprevidência ou negligência do segurado na condução de seu veículo, não há que se falar em cobertura.

 

Também restou consignado na decisão em comento que a embriaguez ao volante, por si só, caracteriza o agravamento do risco. O voto do ministro relator – ao qual se seguiram os votos de todos os demais ministros integrantes da Turma – deixou claro o entendimento de que basta estar dirigindo embriagado para haver a perda da garantia, não sendo relevante a análise da causa do acidente. Foi utilizada, inclusive, a expressão “se beber não dirija. Se dirigir, não beba“.

 

A decisão representa um formidável precedente para as futuras regulações de sinistros, tanto quanto nos seguros de pessoa quanto nos seguros de dano, ainda que não se possa em tese ser considerada como uma decisão pacificadora da jurisprudência, já que representa o entendimento apenas da Terceira Turma do STJ. Note-se que a 4ª Turma do STJ, que ainda não se pronunciou sobre o assunto com tal enfoque,  também julga temas relacionados a Seguro.

 

Embora a decisão faça menção expressa ao Código Civil revogado de 1916, que tratava de forma distinta do atual Código Civil a figura do agravamento do risco, que em seu artigo 1.454 estipulava que “Enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro“, o novo Código Civil, no seu artigo 768, estipula que “O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato”. Realmente, não havia qualquer menção à intencionalidade do segurado no Código Civil revogado, mas previa em seu art. 1.456 a recomendação de equidade sempre quando o juiz determinasse a perda do seguro por agravamento de risco. Todavia, embora o atual Código Civil, sem mais tocar na equidade, determine como pré-requisito para a perda da garantia pelo agravamento do risco a intencionalidade do segurado, em tese, outra não deveria ser a conclusão dos eminentes julgadores, pois a intencionalidade é presumida na ebriaguez.

 

Apesar da decisão em análise  ter como base um seguro de vida, entendemos que o conceito que se extrai dela se aplica tanto aos seguros de pessoa (aqui, inclui-se a cobertura de Morte Qualquer Causa), quanto aos seguros de dano, já que o agravamento do risco é único e aplicável a qualquer modalidade de seguro, tanto que alocado nas disposições gerais (Seção I) do capítulo do Código que regula o contrato de seguro, direcionadas, portanto, às Seções seguintes que tratam dos seguros de dano e de pessoa.

 

Quanto à questão da prova do nexo de causalidade entre a embriaguez e o sinistro,  seria prudente que as regulações continuassem considerando cada caso de per si, ao menos enquanto não houver a tão esperada pacificação na jurisprudência, que agora se avizinha nos termos da decisão da Terceira Turma do STJ. Enquanto isso deveriam ser sopesados os sinistros que não tenham qualquer relação com a embriaguez, não sem considerar que, em face de tão importante precedente para a mutualidade em que consiste o seguro, pode-se presumir, nas regulações dos sinistros,  a existência de nexo de causalidade, cabendo ao segurado a contra-prova.

 

Nada obstante, é de se reconhecer que a referida decisão, unânime, da Terceira Turma do STJ,  sinaliza alteração no seu entendimento para admitir que a embriaguez é de regra intencional, revertendo raciocínio anterior que partia da presunção de que só na embriaguez preordenada (dolosa) a recusa da seguradora poderia ter alento, já agora considerando que só na embriaguez fortuita (por exemplo, o segurado que é forçado a embriagar-se, ou cai acidentalmente num tonel de aguardente etc.) a negativa não seria válida.

 

Nessa linha,  a decisão do STJ parece adotar a teoria da causalidade remota, abandonando a teoria da causalidade adequada, quer dizer, basta que o segurado esteja dirigindo embriagado (praticando no caso crime de perigo concreto, que põe em risco a incolumidade das pessoas, inclusive a do próprio segurado, e das coisas, inclusive o próprio bem seguro) para a caracterização do agravamento intencional do risco, isto é, basta que o segurado desatenda ao comando da lei penal que lhe veda dirigir embriagado, para extrapolar os limites da delimitação objetiva e subjetiva do risco, que em última análise traduz o conceito de agravamento.

 

Afinal, “agravar o risco” não é o mesmo que “agravar o sinistro”. O risco é a possibilidade ou potencialidade de ocorrer o evento futuro, incerto, temido e capaz de alterar, para pior, situação pessoal (seguros de pessoa) ou material/patrimonial (seguros de dano) do segurado; enquanto o sinistro é  a materialização da expectativa desse evento, que pode ou não ocorrer, daí a natureza aleatória do contrato de seguro. O risco é a potência, o sinistro o ato.

 

Agravamento do risco e agravamento do sinistro são tratados diferentemente pelo Código Civil: o agravamento do risco nos artigos 768 e 769; o agravamento do sinistro no art. 779.

 

Avançando na trajetória evolutiva dos conhecimentos sobre seguro, a decisão do STJ pode, perfeitamente, ter captado essa distinção, ao determinar a perda do direito à garantia do seguro face ao agravamento do risco simplesmente pelo fato de o segurado se por, criminosamente, na condução da máquina perigosa em estado de ebriez, e de forma presumidamente intencional, como intencional costuma ser, até do ponto de vista do Código Penal, a embriaguez, dispensando, assim, o nexo de causalidade adequada, bastando a causalidade remota.

 

Resta apenas esperar o amadurecimento da jurisprudência para que se extraia uma regra de orientação para os casos em que a embriaguez não teve nenhuma participação no resultado danoso (por exemplo, no caso de acidente em que o segurado, embora alcoolizado, trafegava em velocidade moderada em sua mão de direção quando colido por outrem exclusivamente culpado), mas desde já a admitindo sempre que a embriaguez do segurado tenha contribuído, ainda que minimamente, com o dano (por exemplo, em colisão com poste).

 

São estes os comentários que nos ocorrem sobre o assunto.

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