Impenhorabilidade dos valores e bens que compõem ou garantem as provisões técnicas nos planos de seguros de pessoa e de previdência privada e nos seguros de dano

RICARDO BECHARA SANTOS                       

 

 

O tema que ousamos aqui enfrenar envolve os diversos aspectos da impenhorabilidade dos ativos garantidores das reservas técnicas, das provisões e dos fundos das entidades abertas de previdência privada complementar e sociedades seguradoras registradas na SUSEP, tendo em vista a ocorrência de algumas desavisadas penhoras sobre tais recursos em favor de exequentes que assim postulam em juízo, causando viva preocupação para o setor posto que na contramão do objetivo maior que há de ter, tanto o Judiciário quanto o Órgão fiscalizador, de zelar pela solvência das entidades supervisionadas e, por conseguinte, da defesa da inalienabilidade ou impenhorabilidade dos bens e valores garantidores das provisões técnicas que integram o fundo de seguro e de previdência.

Realmente, sendo as provisões técnicas de regra alimentadas pelos prêmios e contribuições dos integrantes dos planos de seguro e de previdência a função econômico-financeira que dá sustentabilidade às operações das entidades gestoras supervisionadas (não sem lembrar de que os prêmios e contribuições constituem receita das seguradoras e entidades de previdência tanto que sobre eles recolhem a COFINS), tal conduta omissiva ou comissiva, trafegaria em rota de colisão contra diversos dispositivos legais que as protege, de ordem cogente, tais como: a uma, o artigo 84 do DL nº 73/66, estabelecendo que para garantia de todas as suas obrigações, as seguradoras constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais; a duas, o artigo 85 do DL nº 73/66, que impõe, textualmente, a inalienabilidade, por conseguinte a impenhorabilidade, dos bens garantidores das reservas técnicas, fundos e provisões registrados na Autarquia, que sequer poderão ser alienados, prometidos alienar ou de qualquer forma gravados sem prévia, expressa e a meu ver justificada autorização do Órgão Fiscalizador; a três, e no mesmo sentido, o artigo 28, § 2º, da LC nº 109/01, ao determinar que sem a prévia, expressa e justificada autorização do mesmo Órgão Fiscalizador, não poderão ser gravados os ativos garantidores das reservas técnicas, das provisões e dos fundos vinculados à Autarquia; a quatro, o artigo 86 do DL 73/66, com a nova redação dada pela LC nº 126/07 que, preservando a sua essência, confere aos segurados e beneficiários, também aos participantes de planos de previdência privada complementar dado o tratamento similar que a eles há de ser emprestado, privilégio especial sobre as reservas técnicas, fundos especiais ou provisões garantidores das operações securitárias (por mais forte razão ainda, aos participantes de planos previdenciários), privilégio que, decerto, não pode nem deve ser estendido aos credores particulares dos mesmos.

Só com tais ingredientes preliminares já se poderia medir, de pronto, a incolumidade de tais ativos, e, por conseguinte, a obrigação do órgão fiscalizador dessas atividades de zelar, a todo custo, pela preservação do gravame e sua consequente impenhorabilidade, mormente diante da sanha de terceiros credores particulares, sejam dos segurados, participantes e beneficiários, sejam da própria entidade supervisionada como gestora da mutualidade ou operadora dos planos. Até porque, correntes doutrinárias existem (I) ora no sentido de que as provisões ou reservas técnicas e seus ativos não pertencem aos segurados, participantes ou beneficiários; (II) ora no sentido de que não pertencem às entidades gestoras, mas em qualquer das hipóteses impenhoráveis, inalienáveis, posto que vinculados à mutualidade. Assim é que, se o exequente for credor dos participantes ou segurados, não seria titular de nenhum direito legítimo para executar bens ou ativos que não pertencem ao executado, no caso da primeira corrente e; se o exequente for credor da entidade gestora, da mesma forma não teria legitimidade para executar ativos de outrem, no caso da segunda corrente.

A propósito, vale o testemunho do ilustre e pranteado jurista luso-brasileiro, maior autoridade no assunto, MANUEL SOARES POVOAS, inPrevidência Privada, Filosofia, Fundamentos Técnicos, Conceituação Jurídica”, pág. 327, editada pela FUNENSEG, dando vigor à assertiva de que, em qualquer lugar do mundo, as reservas ou provisões técnicas em regra não pertencem ao segurado, in verbis: “Os participantes/segurados não têm, por isso, qualquer direito sobre os valores em que estão vazadas as reservas matemáticas, sendo incorreta a afirmação de que as reservas pertencem aos participantes”.

 

De qualquer forma, o Poder Judiciário, conhecedor e aplicador que é da lei, antes de praticar o ato indevido de constrição sobre os ativos garantidores das provisões técnicas, penhorando-os, no mínimo deveria, permissa venia, consultar a SUSEP por força dos dispositivos já citados, enquanto a SUSEP, por sua vez, teria o poder-dever de negar o ato de desconstituição do gravame, em defesa da mutualidade, do consumidor de seguro e de planos de previdência complementar, e das próprias entidades supervisionadas.

E diga-se de logo, que não é o fato de o segurado ou participante ter direito ao resgate, nos casos admitidos por lei, que esse direito, personalíssimo, possa por si só alforriar terceiros para um resgate forçado por meio de penhora, avançando em ativos gravados e vinculados, lastros que são de um plano de aposentadoria no caso da previdência privada, ou de seguro de vida para prover a subsistência do segurado ou participante, seu beneficiário ou dependente.

Já se pode também concluir o quanto temerário em regra seria o açodamento do poder judiciário em privilegiar um terceiro credor, em detrimento do participante de um plano de seguro ou de previdência, e o quanto temerária seria a atitude eventualmente leniente do órgão controlador da entidade supervisionada, ambos pondo em risco a segurança jurídica tão necessária quanto indispensável para essa atividade, que tem por apanágio o predomínio do coletivo sobre o individual, tanto que protegida por normas próprias e especiais e submetida ao dirigismo estatal.

E a doutrina é unânime em reconhecer, no Brasil e no mundo, a finalidade essencial da reserva técnica, que reside no resguardo da estabilidade da entidade sob o aspecto financeiro, e dos segurados e participantes no seu aspecto econômico e social, previdenciário e providenciário – prever para prover – acumulando contribuições para que possa, até em caráter alimentar, poder contar com um benefício, presente ou futuro de sua própria subsistência e de sua família, mormente na velhice, ou após o ciclo laboral de sua vida, no “ocium cum dignitatis” como dizia Cícero desde os primórdios de Roma.

A penhora de ativos garantidores de provisões técnicas de planos de seguro de vida ou de previdência privada, para beneficiar terceiros, representa o mais cruel desvio de finalidade do fundo garantidor da previdência ou do seguro de vida (como também nos seguros de acidentes pessoais e de dano), não sem dizer em flagrante violação à legislação vigente. Seria o mesmo que, mutatis mutandis, a permissão da penhora sobre os valores de contribuições previdenciárias acumuladas, ou ainda em acumulação, para prover a aposentadoria do trabalhador junto ao INSS, de algum modo frustrando a sua aposentação.

Seja, portanto, o regime adotado de repartição simples seja de acumulação, para o seguro de vida ou plano de previdência privada, a impenhorabilidade e inalienabilidade dos valores, dos capitais segurados e dos ativos se impõem, ipso facto e ipso jure.

Não foi por outra que o Superior Tribunal de Justiça – STJ editara a Súmula de sua jurisprudência no verbete nº 328, dispondo que “Na execução contra instituição financeira, é penhorável o numerário disponível, excluídas as reservas bancárias mantidas no Banco Central”. (O grifo não é do original).

O sentimento plasmado na súmula supra, aplica-se, perfeitamente, e por mais forte razão ainda, à impenhorabilidade das reservas e provisões técnicas dos planos de seguros e de previdência privada complementar.

Posto assim, em acaso se quedando silente a douta Superintendência de Seguros Privados diante de consulta do Poder Judiciário, ou respondendo no sentido permissivo da penhora sobre ditos valores e ativos, que são destinados primordialmente para pagamento de benefícios, presentes, próximos ou futuros, quer se encontre o segurado ou participante em fase de acumulação ou de benefício no plano traçado de aposentadoria ou de capital segurado, desprotege-os, assim como a própria entidade gestora, inclusive quanto às necessárias segurança, liquidez e solvência das operações.

Por que razões também o legislador, ao editar o Código de Processo Civil, tanto o vigente quanto o novo, respectivamente em seus artigos 649 (Código vigente) e 833 (Código novo), teria incluído na relação dos bens absolutamente impenhoráveis, o SEGURO DE VIDA, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os MONTEPIOS (leia-se aqui que os montepios são ancestrais dos atuais planos de previdência privada complementar), e todos os demais destinados ao sustento e subsistência do devedor e de sua família etc.? Vê-se que no seu conjunto, a lei adjetiva intencionou proteger os benefícios e beneficiários dos seguros de vida e de planos de previdência, tanto em ato quanto em potência.

E provavelmente só não incluiu, nessa lista de impenhoráveis, os seguros de dano, por pura desnecessidade, na medida em que as suas provisões técnicas e ativos garantidores sejam impenhoráveis por natureza.

Dentre as razões para tal previsão legal, pode-se destacar, obviamente, o caráter prospectivo, alimentar, previdenciário e providenciário – prever para prover – tanto do seguro de vida quanto, pelas mesmas ou até maiores razões, dos planos de previdência privada. Ceifar, pois, os provisionamentos do seguro de vida e dos planos privados de aposentadoria, é retirar do homem previdente, a perspectiva alimentar, previdenciária, cujo objetivo é, sem dúvida, o sustento, inclusive o diferido, de sua própria subsistência e de sua família, justo nos momentos mais difíceis da vida, na velhice, por exemplo, quando o homem, já alquebrado pela vergasta do tempo, tem drasticamente diminuídas sua capacidade de trabalho, suas condições de saúde, e suas rendas enfim. Por isso é que a lei protege esses valores comprometidos, seja de acumulação seja de benefício, contra investidas de terceiros, ainda que credores, mas de dívidas exógenas, estranhas.

A impenhorabilidade, pois, no caso, tem tudo a ver com o direito fundamental e constitucional da dignidade da pessoa humana, este que por sua vez tem a ver com a interpretação dos direitos humanos, significando buscar equilíbrio entre o direito natural e o direito positivo, tendo-se como fundamento a dignidade da pessoa e, daí, se extrair a norma mais favorável à proteção da sua dignidade ao caso concreto, sendo óbvio que entre o direito de um terceiro credor e o direito do segurado ou participante de plano previdenciário, o deste há de prevalecer. O respeito à dignidade da pessoa humana se busca tendo em vista ser ela o valor fundamental da ordem jurídica, sendo, portanto, a fonte das fontes do direito, irrenunciável e cimeiro de todo modelo constitucional, pois o homem e sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito.

Note-se que o legislador, ao editar a lei adjetiva, incluiu de forma explicita o seguro de vida incondicionalmente como impenhorável, sem qualquer ressalva sobre tal ou qual modalidade, regime ou variação desse seguro ou sobre em que estágio se encontre (acumulação ou benefício) e, implícita senão também explicitamente, os planos previdenciários de semelhante finalidade. Até porque, a operação do seguro de vida não raro é feita em conjunto, tanto assim que seguradoras de vida operam simultaneamente também planos de previdência privada complementar aberta. Assim é que, qualquer seguro de vida, seja constituído sob o regime de repartição simples, seja sob o regime de acumulação ou capitalização, é absolutamente impenhorável por força de norma legal expressa, assim como os planos de previdência privada, inclusive o PGBL, quanto mais os planos tradicionais, por sua inegável identidade com o seguro de vida. Não sem lembrar de que, em face do artigo 73 da LC nº 109/01, as entidades abertas de previdência privada complementar, serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras, havendo, portanto, certa intenção do legislador de aproximar o contrato de seguro do contrato de previdência privada.

A propósito, bem compreendendo a razão de tal impenhorabilidade, o TST, em data recente, proferiu decisão de grande valia, conforme noticiada em 1º/07/15, eis que, como instância máxima da justiça trabalhista, afastou a penhorabilidade de plano previdenciário em detrimento de crédito trabalhista. Senão vejamos o resumo da decisão noticiada, tomada por unanimidade dos Senhores Ministros com a seguinte manchete: “TST afasta penhora sobre plano de previdência privada para pagamento de dívida trabalhista.”

“A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho cancelou a penhora sobre valores depositados em plano de previdência privada de um sócio da Dow Right Consultoria em RH Ltda., que haviam sido bloqueados para o pagamento de verbas trabalhistas devidas a um empregado da empresa…

Ao examinar o recurso ordinário do sócio, que pedia a liberação da verba bloqueada sustentando a impenhorabilidade absoluta do plano de previdência privada, a relatora, ministra Maria Helena Mallmann, observou que o inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC) considera impenhoráveis os vencimentos, soldos, remunerações, pensões ou quantias destinadas ao sustento do devedor e de sua família. No mesmo sentido, a jurisprudência do TST (Orientação Jurisprudencial 153 da SDI-2) vem concedendo a segurança para sustar esse tipo de bloqueio.

A ministra esclareceu que o inciso VI do mesmo artigo do CPC, por sua vez, assegura impenhorabilidade ao seguro de vida, que visa à garantia de renda razoável no futuro, e não pode também, por isso, ser equiparado a aplicações financeiras comuns. Equiparar planos de previdência privada, para fins de impenhorabilidade absoluta, com proventos de aposentadoria, salários e seguro de vida prima pela observância do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, uma vez que a verba também possui o caráter de subsistência do devedor, afirmou…”

Quer nos parecer, portanto, ante a natureza alimentar, previdenciária, prospectiva, do seguro de vida e, por mais forte razão ainda, dos planos de previdência privada, a penhora de seus valores e ativos, qualquer que seja a sua fase, atenta contra a letra e o espírito da lei, não só da lei processual, adjetiva, como também da lei substantiva ao início citada (DL 73/66; LC 109/01, LC 126/07). Bem assim do Código Civil que, em seu artigo 794, por analogia aplicável ao contrato de previdência privada, estabelece que no seguro de vida o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

A intangibilidade, pois, do seguro de vida, a fortiori dos planos de previdência privada, é de tal modo forte no seu caráter previdenciário, que faz a diferença entre uma pessoa que faleça com dívidas sem realizar um seguro de vida e ou plano previdenciário, daquela outra que, embora com as mesmas dívidas, teve a previdência de substituir no todo ou em parte o seu patrimônio realizando o seguro e ou plano de previdência. O não previdente – lembra PEDRO ALVIM ao comentar o art. 794 em seu “O Seguro no Novo Código Civil” – terá seu patrimônio embargado pelos credores e os herdeiros só receberão o que restar depois de satisfeitas as obrigações do morto, enquanto que em relação ao que teve a previdência de substituir o seu patrimônio contratando um seguro de vida ou plano previdenciário, sua família receberá integralmente a soma segurada, sem que possam os credores reclamá-la para pagamento de seus créditos. Vale dizer, o seguro de vida, ou o plano previdenciário, pode e deve ser um remanso seguro contra os credores do segurado ou participante, quando se coteja, de um lado, o postulado segundo o qual a garantia dos credores é o patrimônio do devedor e, de outro, a premissa de que o seguro de vida ou plano de previdência não faz parte desse patrimônio, mas uma obrigação assumida pelo segurador, por exemplo, de pagar o capital a um terceiro, beneficiário do segurado, cuja condição era a morte do instituidor. Por isso que na doutrina de CLÓVIS e AMÍLCAR DE CASTRO, essa soma devida ao beneficiário, passa diretamente do patrimônio da sociedade seguradora para o do beneficiário, porque do patrimônio do segurado para o da seguradora passa apenas o valor do prêmio, enquanto que do patrimônio da seguradora para o do segurado não passa nem pode passar qualquer valor, salvo, como já se esclareceu, nos seguros de sobrevivência e nos casos de invalidez, mas que, de qualquer sorte, pelo seu caráter alimentar, previdenciário, torna-se insuscetível de penhora posto que aí já tornados benefícios.

Demais disso, a intangibilidade do seguro de vida, como dito algures, já vem também assegurada pelo Código de Processo Civil, que dispõe serem absolutamente impenhoráveis, dentre o mais, o seguro de vida, que por extensão se inclui perfeitamente o seguro de acidentes pessoais e os planos de previdência, todos integrantes da família “seguros de pessoa”.

Acresça-se que o segurado, o participante, ou o beneficiário, inclusive de plano de previdência privada, não pode, de forma alguma, tampouco a entidade gestora, oferecer os ativos garantidores como garantia de qualquer transação com terceiros (diferente da hipótese em que o segurado, na celebração do contrato, nomeia expressamente o credor como beneficiário do capital segurado – jamais dos ativos garantidores -, como ocorre no seguro prestamista), razão suficiente para, em contrapartida, serem esses ativos insuscetíveis de penhora requerida por terceiro, que não possui legitimidade para postulá-la. Mal comparando, tais ativos operam como que “bens de família” da mesma forma impenhoráveis por força de lei, com a diferença de os ativos garantidores de planos de seguro e de previdência não serem sequer alienáveis, ainda que resgatáveis nos casos admitidos por lei, o que não sucede com o bem de família que, apesar de alienável e disponível ao sabor da vontade do proprietário, é nada obstante impenhorável se não for oferecido à penhora pelo próprio proprietário.

Não se perca de vista que as provisões técnicas, conforme doutrina unânime, “são valores constituídos pelas empresas ou organizações cujo produto é baseado no risco, ou na probabilidade, ou em variáveis atuariais”. Essas empresas, obviamente, podem ser seguradoras, entidades de previdência privada aberta ou fechada, empresas de capitalização e outras tantas. As provisões técnicas, sabidamente, correspondem aos diversos compromissos financeiros futuros dessas empresas para com os seus clientes/participantes.

Esses valores de provisões técnicas são, portanto, alocados no passivo dessas empresas e formados por valores pagos pelos clientes em relação aos riscos/custos assumidos pelas empresas. E esses compromissos futuros podem corresponder a valores já conhecidos ou, como acontece na maioria das vezes, corresponder a estimativas. Dessa forma, o cálculo das provisões técnicas deve ser feito necessariamente por um atuário, profissional que estabelece os limites de segurança na gestão de riscos a partir do uso das teorias financeiras e das probabilidades.

As provisões técnicas se diferenciam em multifários aspectos, gerando, assim, os variados tipos de provisões encontradiços nas diversas obras e normas pertinentes. E possuem nomes diferentes, dependendo do segmento a que pertencem (seguros, previdência privada aberta, previdência privada fechada ou capitalização). Nomes esses que mudam com grande frequência, e a efetivação dos riscos, ou do implemento do fato gerador, assume diversas nomenclaturas (sinistro, benefício, sorteio etc.) em função dos segmentos a que pertencem.

Já se vê, por qualquer ângulo de análise, que as provisões técnicas representam um instrumento fundamental na gestão de uma empresa que assume riscos, ou que de qualquer forma seu objeto dependa de probabilidades e variáveis atuariais, ou que administre recursos de terceiros, por isso se estiverem superdimensionadas comprometem a distribuição de lucros da empresa e, outrossim, se estiverem subdimensionadas, podem conduzir à insolvência da empresa. São importantes também porque determinam o volume de impostos pagos pela empresa ou a serem por ela provisionados ou recuperados no futuro, influindo diretamente no resultado bruto que serve de base para tributação. Enfim, são inúmeras as funções fundamentais das provisões técnicas, repelindo, por tudo, qualquer tentativa de penhora de seus valores por credores dos participantes ou clientes eis que, dependendo da sua frequência causará, decerto, uma balbúrdia a dano da mutualidade, quando caso, da empresa gestora e de sua operação.

Mas não se pode confundir, conceitualmente, “constituição de provisões técnicas” e “cobertura de provisões técnicas”, eis que enquanto aquela se refere ao valor alocado pela empresa no passivo para fazer face aos compromissos futuros com os clientes/participantes, esta se refere ao valor dos bens dados em garantia das provisões técnicas, os quais são alocados no ativo da empresa e, em uma ou outra forma, são insuscetíveis de penhora. Não basta, pois, que as provisões técnicas sejam bem dimensionadas ou constituídas, sendo importante também que a empresa possua bens em valores suficientes para cobrir essas provisões técnicas, mas sempre certa ou fiada no fato de que a sua causa não seja por ingerência de terceiros sequiosos de penhora.

Existe uma miríade de provisões técnicas, cabendo destacar as provisões técnicas e seus valores mais tangentes aos planos de previdência privada aberta e ao seguro de vida, principalmente os que se regem pelo regime financeiro de capitalização, visando a um benefício futuro de aposentadoria complementar ou de um capital segurado. Neste regime os prêmios ou contribuições são suficientes para gerar montantes (provisões) que garantam não somente os benefícios iniciados no ano (provisão matemática de benefícios concedidos), como também os benefícios que serão gerados no futuro (provisão matemática de benefício a conceder).

Mas nunca é demasiado lembrar e repetir que as reservas ou provisões técnicas, no seu conjunto, são recursos acumulados que, embora destinados à garantia de suas operações e ao pagamento de compromissos futuros, aumentam o potencial financeiro da empresa influindo sobre sua solvabilidade. Por isso se submetem a rigoroso controle e os bens garantidores desses recursos são definidos por critérios fixados pelo CNSP e aplicados no Mercado de Capitais a parir de diretrizes do CMN e executadas pelo BACEN, visando a proporcionar liquidez, segurança e rentabilidade, necessárias à estabilidade das empresas.

 

Realmente, as provisões técnicas tiveram guarida no desenvolvimento da ciência atuarial, por isso o seguro e outras atividades afins passaram a se subordinar à ciência da previsão, à “lei dos grandes números”, apoiando-se nos cálculos das provisões técnicas para fazer frente aos problemas aleatórios, conjugados com o prenúncio da certeza de êxito nas operações.

 

Não seria heresia afirmar que, no Brasil e no Mundo, classicamente, as reservas ou provisões técnicas em regra não pertenceriam ao segurado ou participante. Constituem-se elas no resultado de um processo técnico estudado atuarialmente para segurança dos segurados e participantes, como direito de garantia, não de propriedade, mas com uma expressão individual em relação a cada um deles, por isso na medida e tamanho dos seus respectivos direitos. Dentre as características das provisões técnicas, uma que se destaca é exatamente ter como consequência a impenhorabilidade.

 

Por conseguinte, não seria igualmente impróprio afirmar que a receita de prêmio e de contribuições previdenciárias destina-se em regra à gestão da empresa supervisionada, de forma vinculada, por isso as reservas e provisões são, por assim dizer, um acessório em relação aos benefícios que garantem, até em função do caráter aleatório do contrato de seguro ou de previdência, que de regra não se confunde com caderneta de poupança ou com qualquer outra aplicação bancária.

 

De toda sorte, insta lembrar o que já diz a lei regente, isto é, que os bens garantidores dessas reservas ou provisões, serão registrados no órgão de controle (SUSEP) e não poderão ser alienados, prometidos alienar ou de qualquer forma gravados sem sua prévia, expressa e justificada autorização. A norma é cogente, e contrariá-la constitui infração grave.

 

Quanto a esses ativos não resta sombra de dúvida sobre a sua inalienabilidade e consequente impenhorabilidade, por eventuais credores do participante, ou do segurado ou da própria empresa, seja em relação ao período de acumulação, seja em relação ao período de benefícios. No primeiro por tratar-se de um seguro de vida ou de um plano de aposentaria complementar diferida do cidadão/consumidor previdente, que não poderia ser interrompido por eventuais credores de dívidas comuns junto aos segurados, participantes, ou à empresa. No segundo, por se tratar do momento já consolidado do benefício da aposentadoria, ambos de natureza nitidamente complementar e alimentar, ambos cobertos pela antes citada previsão legal, tanto da lei substantiva quanto da lei adjetiva.

Oportuno enfatizar, portanto, que: (1) as seguradoras e entidades de previdência privada não podem, assim como os próprios segurados ou participantes, dispor das reservas e provisões técnicas, a não ser para realizar sua destinação jurídica, porquanto ditas garantias são constituídas pelo aporte dos prêmios e contribuições que os segurados e participantes recolhem para compor os fundos destinados ao pagamento dos benefícios; (2), tampouco a SUSEP, por conseguinte, pode deixar de zelar pela sua impenhorabilidade; (3) o segurado ou participante deve ter absoluta prioridade no recebimento dos benefícios, que em regra são sempre satisfeitos, mesmo em caso de liquidação, porque o pagamento não sai dos recursos da massa, mas das reservas e provisões técnicas, constituídas antecipadamente à data do benefício, e com o fim específico de concretizar os pagamentos tão logo sejam apurados os prejuízos ou apresentada a documentação exigida; (4) merecem elas ser protegidas por lei, justamente para estarem a salvo da sanha de terceiros.

 

Feitas todas essas considerações, vale trazer à colação, jurisprudência do STJ representada pela decisão tomada por sua 2ª Seção, em EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA no REsp nº 1.121.719-SP, em que foi Relatora a eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, pela qual a Corte imprimiu como regra a natureza alimentar da verba do PGBL, quanto mais se se tratasse de um plano de previdência privada complementar tradicional, ou mesmo de um seguro de vida. Com tal decisão, o STJ, em sede de uniformização de jurisprudência, IMPEDE PENHORA DE PGBL PARA PAGAMENTO DE DÍVIDAS, manifestando-se no sentido de que o saldo de fundo de previdência privada complementar na modalidade Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL) não pode ser penhorado para o pagamento de dívidas.

 

Tal entendimento recente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) abre exceção apenas, ainda assim com recomendação de cautela, para situações em que a natureza previdenciária do plano seja desvirtuada pelo participante. Este é o primeiro caso julgado sobre o tema pela 2ª seção, responsável por unificar no tribunal entendimentos controversos.

 

Os Ministros entenderam que o PGBL equivaleria a valores depositados a título de aposentadoria, elencada no artigo 649 do Código de Processo Civil (CPC) como impenhorável, embora ressalvando, em caráter de excepcionalidade, que a impenhorabilidade deve ser analisada caso a caso pelo juiz e se as provas revelarem a necessidade de uso do saldo para a presente ou futura subsistência do participante e de sua família ficaria caracterizada a natureza alimentar.

 

O caso deve servir de precedente, inclusive para aqueles que tiveram seus fundos de PGBL bloqueados para garantir dívidas de companhias.

 

Reconheceram os Senhores Ministros que na aplicação em PGBL, o participante realiza depósitos periódicos, que se transformam em uma reserva financeira. Esses valores podem ser resgatados de forma antecipada ou recebidos em data definida, em uma única parcela ou por depósitos mensais. Não obstante, ao analisar o funcionamento desse fundo de previdência, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu, na sua decisão, que “em qualquer hipótese, não se pode perder de vista que, em geral, o participante adere a esse tipo de contrato com o intuito de resguardar o próprio futuro ou de seus beneficiários”, concluindo que a penhora caracterizaria medida por demais grave, devendo por isso ser afastada.

 

Com efeito, a decisão do STJ muda o rumo da jurisprudência sobre o assunto, devendo por isso servir de precedente para casos semelhantes, mormente nos que se demonstre que o PGBL estava sendo usado para acumular uma reserva futura. A nosso juízo, o precedente em tela também serve, e por mais forte razão ainda, aos seguros de vida, inclusive VGBL, e aos demais planos de previdência privada.

 

Realmente, na aplicação em PGBL, entenderam os senhores ministros que o participante faz depósitos periódicos, os quais são aplicados e transformam-se em uma reserva financeira, que poderá ser por ele antecipadamente resgatada ou recebida em data definida, seja em única parcela, seja por meio de depósitos mensais. Tal, no entanto, não retira a sua índole previdenciária e alimentar, até porque o eventual resgate seria como que uma antecipação do benefício, é dizer, do almejado proveito da aposentadoria complementar. Por isso o STJ, na decisão aqui referida e mais adiante transcrita, ao analisar o caso na Segunda Seção, ressaltou que o participante adere a esse tipo de contrato com o intuito, em regra planejado, de resguardar o próprio futuro ou o de seus beneficiários, garantindo o recebimento de certa quantia, que julga suficiente para a manutenção futura do padrão de vida.

 

Assim, para o STJ, a faculdade de resgate das contribuições não afasta a natureza essencialmente previdenciária – e, portanto, alimentar – do saldo existente naquele fundo. “A mesma razão que protege os proventos advindos da aposentadoria privada deve valer para a reserva financeira que visa justamente assegurá-los, sob pena de se tornar inócua a própria garantia da impenhorabilidade daqueles proventos”, afirmou a ministra. A natureza alimentar que impede a penhora, pois, tanto pode ser presente como futura, diferida.

 

Vale transcrever a ementa da decisão acima referida:

 

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.121.719 – SP (2011/0241419-2)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMBARGANTE : RICARDO ANCEDE GRIBEL

ADVOGADOS: FERNANDA MENDONÇA DOS SANTOS DALMORO E OUTRO(S)

EMBARGADO: BANCO SANTOS S/A – MASSA FALIDA

REPR. POR : VÂNIO CESAR PICKLER AGUIAR – ADMINISTRADOR

ADVOGADO : LUIZ GONZAGA CURI KACHAN E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. SALDO EM FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. IMPENHORABILIDADE. INDISPONIBILIDADE DE BENS DETERMINADA À LUZ DO ART. 36 DA LEI 6.024/74.MEDIDA DESPROPORCIONAL.

  1. O regime de previdência privada complementar é, nos termos do art. 1º da LC 109/2001, “baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal”, que, por sua vez, está inserido na seção que dispõe sobre a Previdência Social.
  2. Embora não se negue que o PGBL permite o “resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante” (art. 14, III, da LC 109/2001), essa faculdade concedida ao participante de fundo de previdência privada complementar não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente.
  3. Por isso, a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser aferida pelo Juiz casuisticamente, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, caracterizada estará a sua natureza alimentar, na forma do art. 649, IV, do CPC.
  4. Ante as peculiaridades da espécie (curto período em que o embargante esteve à frente da instituição financeira e sua ínfima participação no respectivo capital social), não se mostra razoável impor ao embargante tão grave medida, de ter decretada a indisponibilidade de todos os seus bens, inclusive do saldo existente em fundo de previdência privada complementar – PGBL.
  5. Embargos de divergência conhecidos e providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da SEGUNDA Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista de desempate do Senhor Ministro Luís Felipe Salomão, Presidente, acompanhando a Senhora Ministra Relatora, por maioria, no mérito, dar provimento aos embargos de divergência, para determinar o desbloqueio do saldo existente em fundo de previdência privada complementar do embargante, com as ressalvas dos votos que farão constar do inteiro teor, e nos termos do voto da Senhora Ministra Relatora. O Senhor Ministro Luís Felipe Salomão desempatou a votação acompanhando o voto da Senhora Ministra Relatora. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira acompanharam a Senhora Ministra Relatora em sessões anteriores. Votaram vencidos, em sessões anteriores, os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi. Impedido o Senhor Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 12 de fevereiro de 2014(Data do Julgamento).

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO – Presidente

MINISTRA NANCY ANDRIGHI – Relatora.”

 

Em abono também de toda a argumentação despendida neste estudo, vale igualmente lembrar, a título de amostragem – além da jurisprudência que se firmou no estuário da 2ª seção do STJ conforme acima -, que em igual sentido foi o entendimento recente da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (agosto de 2014), em que ficou decidido que a aposentadoria privada possui natureza remuneratória e caráter alimentar, na medida em que é fonte de renda que visa a equiparar o benefício do aposentado ao salário recebido pelos trabalhadores da ativa, dado o seu caráter complementar, constituindo, portanto, verba impenhorável. Se assim é, também impenhorável se apresenta todos os valores ainda em sua fase de acumulação para igual ou semelhante finalidade, a previdenciária. A relatora do caso, desembargadora Gislene Pinheiro, destacou que o Código de Processo Civil consagra o atendimento ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na medida em que visa a garantir a todos o mínimo necessário à subsistência digna. Segundo a magistrada, a verba indicada à penhora decorre de benefício de aposentadoria complementar, que a seu ver possui natureza alimentar, na medida em que é ou será fonte de renda que visa a equiparar o benefício ao salário recebido aos trabalhadores da ativa. Ou seja, trata-se de uma verba acessória percebida pela parte executada inativa, que integra, em ato ou em potência, a sua aposentadoria, restando, portanto, caracterizada a inegável natureza alimentar. Assim, por entender que a aposentadoria privada de caráter complementar se trata de verba acessória que integra ou integrará a aposentadoria do inativo, o colegiado declarou a impenhorabilidade de seus proventos (fonte: AIDA Clipping de 18 de Agosto de 2014 / Nº 2560).

 

Cumpre também mencionar que o tema aqui cuidado foi alvo de preocupação no IX Congresso Brasileiro de Direito de Seguro e Previdência da Seção Brasileira da Associação Internacional de Direito de Seguro – AIDA – Brasil, realizado em São Paulo nos dias 27 a 29 de março de 2015. Em palestra ministrada pelo professor chileno JUAN EDUARDO INFANTE, foi mostrada a necessidade imperiosa de “resguardar a poupança acumulada nos planos de previdência e de seguros de pessoa de penhoras judiciais indevidas”.

Segundo o Professor INFANTE, que já atuou como regulador do sistema e também como advogado das AFPs, “a acumulação em contas individuais gera recursos novos em longo prazo para a economia, gerando investimentos, emprego e crescimento da massa salarial”. Um modelo e tanto para o Brasil, que precisa voltar a crescer. Dos debates resultou claro que, no Brasil, “apesar do uso da palavra impenhorável no argumento da venda, algumas ações judiciais tem permitido – indevidamente é bem verdade – a penhora para pagamento de dívidas”. E o argumento contra tais atos de constrição “tem sido que o benefício da previdência privada serve como complementação da ação estatal que visa a garantir o futuro digno do trabalhador. Se protegido o valor dos benefícios da previdência oficial da impenhorabilidade, não há, por conseguinte, qualquer amparo legal para o deferimento da penhora dos valores acumulados em um plano de previdência complementar aberta.” (Fonte: AIDA Clipping nº Nº 2700, de30 de março de 2015). Sucede, no entanto, que essa proteção também é expressa na lei brasileira em relação aos benefícios da previdência privada.

QUANTO AOS SEGUROS DE DANO

Na classificação dicotômica estabelecida pelo Código Civil brasileiro, os seguros ou são de pessoa (vida e acidentes pessoais, nos quais é livre a estipulação do capital segurado) ou são de dano (todos os seguros de natureza indenizatória, patrimonial, que são seguros de reposição por natureza, inclusive o seguro de responsabilidade civil e o seguro saúde, é dizer, aqueles seguros em que o objetivo é o pagamento de uma indenização ou reembolso de despesas pecuniárias, no exato calibre do prejuízo ou necessidade experimentado ou despesas incorridas pelo segurado, por isso também seguro em que não se pode em regra segurar o bem ou interesse por mais que ele valha).

Com efeito, por muito mais forte razão ainda, as provisões técnicas e seus ativos garantidores nos seguros de dano, são absolutamente impenhoráveis, não só em face de expressa disposição legal (ver legislação mencionada ao início deste estudo referente à indisponibilidade de tais valores, notadamente o DL nº 73/66 e a LC nº 126/07), como também pela própria natureza de tais seguros e de seu sistema provisional.

É que o seguro de dano tem por objeto o interesse legítimo segurável incidente sobre um bem material, corpóreo, seja um imóvel, um automóvel, um navio, um objeto de arte, enfim um bem por si só suscetível de ser penhorado independentemente de estar segurado. Até porque, em tal modalidade de seguro, as provisões técnicas constituídas pelas sociedades seguradoras para a garantia das indenizações em caso de sinistro, não são particularizadas pelo CPF de cada segurado, porque integrantes de um conjunto geral, de um bolo garantidor, por isso sem sombra de qualquer dúvida não pertencem ao segurado, mas à mutualidade, o que as torna ainda mais inalcançáveis pela sanha dos seus credores. Não sem lembrar de que as provisões técnicas provêm dos prêmios que são receita das seguradoras, por isso sobre eles recolhem a COFINS.

Portanto, os credores de segurados portadores de apólices de seguro de dano, não têm sequer que cogitar de uma penhora sobre provisões e ativos garantidores desses seguros, mas, querendo, sobre o próprio bem segurado, posto que bem tangível, disponível. E isso, de forma alguma, interfere substancialmente nas operações das seguradoras, ao contrário do que sucede com a penhora de ativos garantidores de suas provisões técnicas. Tampouco teriam as seguradoras legitimidade para impedir uma penhora sobre coisa disponível pertencente ao segurado, razão pela qual não há, a não ser pelo próprio segurado, como impedir ou interferir em eventual penhora que incida sobre o bem garantido pelo seguro.

Entrementes, em caso de sinistro, nada também estaria a impedir a possibilidade de eventual penhora sobre o crédito que o segurado venha a ter sobre a indenização (sabido que o princípio indenitário que rege os seguros de dano tem por objetivo a reposição do bem sinistrado), hipótese em que se essa penhora resultar em transferência da propriedade do bem ao credor segurado, tornando-se este o seu novo proprietário, o seguro deverá ser extinto por falta de objeto, na medida em que o segurado não mais terá interesse legítimo sobre o mesmo bem, porquanto esse bem não mais lhe pertenceria. Nesse caso, haver-se-ia de examinar a questão à luz do artigo 785 do Código Civil, que trata da transferência do bem a terceiro, com ou sem o seguro preexistente.

CONCLUINDO

Por todo o exposto e fiado em pesquisa doutrinária e jurisprudencial pertinentes, concluo no sentido da impenhorabilidade dos valores, capitais e ativos relacionados aos planos de seguro de vida e de previdência privada aberta complementar e suas provisões técnicas, assim também aos demais seguros, como os de dano, ressalvadas, no entanto, algumas variáveis que possam ser extraídas de um ou outro julgado do Poder Judiciário em sentido contrário, mas que aqui me permito, com todas as vênias, não considerar por entendê-los inadequados e contrários à legislação e fundamentos técnicos e jurídicos que informam e conformam as operações de seguro, de planos de previdência privada e capitalização.

Há de se concluir também, que os fatos e suas recorrências já estariam a recomendar a edição de ato normativo do CNSP, de modo a disciplinar, no âmbito da SUSEP, a necessidade, imperiosa, de a própria autarquia envidar todos os seus esforços no sentido de fornir o Poder Judiciário dos argumentos e fundamentos técnicos imprescindíveis quanto à regra da impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens, valores e interesses relacionados ou garantidores dos fundos, reservas e provisões técnicas dos planos de seguro, previdência privada e capitalização, até em homenagem ao princípio constitucional da Segurança Jurídica, tão necessário ao desenvolvimento e estabilidade das operações do setor.

Considerando as variáveis da questão posta, este o meu entendimento.

 

 

 

 

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