O direito sub-rogatório das seguradoras e a responsabilidade objetiva das concessionárias de rodovias pedagiadas e de transporte de passageiros

RICARDO BECHARA SANTOS

 

RESUMO: Face os reflexos que a responsabilidade civil objetiva das empresas concessionárias de serviços públicos – notadamente as que exploram atividades ligadas ao transporte coletivo de pessoas e a administração das rodovias pedagiadas – irradia nos seguros de automóvel, transporte e responsabilidade civil, por conseguinte no direito sub-rogatório das sociedades seguradoras, oportuno se faz um estudo mais amplo desse tema, com vistas a oferecer uma visão caleidoscópica das diversas situações daí decorrentes e de seus precedentes históricos, bem assim do pensamento dos tribunais e dos doutrinadores.

SUMÁRIO: 1. Objetivo do estudo; 2. A responsabilidade civil das concessionárias de serviços públicos; 3. O toque da jurisprudência e da doutrina. Vertentes da responsabilidade civil; 4. A responsabilidade objetiva decorrente da própria concessão. Fundamento constitucional. Eximentes. Solidariedade; 5. Resquícios históricos do contraponto à responsabilidade objetiva das empresas de ônibus. 6. O direito sub-rogatório do segurador; 7. Referências onomásticas.

PALAVRAS CHAVE: vertentes da responsabilidade civil; atividade de risco; concessionárias de serviços públicos; risco proveito; nexo de causalidade; teoria do ato administrativo; acidente veicular; transporte de pessoas; rodovias pedagiadas; dolo e culpa; fortuito interno; força maior; animal na pista; roubo; indenização; arma de fogo; força maior; seguro auto; seguro RCF; consumidor; espécies de dano; eximentes; clausula de não indenizar; solidariedade; sub-rogação.

 

  1. OBJETIVO DO ESTUDO.

Cuida-se de tema recorrente e de interesse para os que lidam com o seguro, não só no viés do direito sub-rogatório do segurador como também em relação ao seguro de responsabilidade civil contratado pelas empresas concessionárias de transporte coletivo e de estradas de rodagem, tais como Via Dutra, Linha Amarela, Via Lagos, Ponte Rio – Niterói, dentre muitas outras, considerando os mais variados tipos de sinistros, desde roubo ou assalto à mão armada de veículos, inclusive de cargas, ocorridos no seu trajeto, acidentes com animais na pista, colisão de veículos, roubos de veículos e de cargas etc. Também em relação às concessionárias de transporte publico de pessoas.

Ressalte-se que as ponderações aqui postas valeriam também para a liquidação de sinistros relacionados a apólices de seguro de responsabilidade civil em que figure como segurada uma dessas concessionárias, diante de uma reclamação de terceiro usuário da estrada ou do transporte, que não teria cobertura da apólice em não se configurando a responsabilidade civil da concessionária segurada.

A finalidade deste artigo é basicamente a de esclarecer detalhes acerca da responsabilidade civil da transportadora de passageiros e da empresa concessionária da rodovia, observadas as peculiaridades de cada uma e, por conseguinte, o direito sub-rogatório do segurador, quando da ocorrência de acidente veicular e de sinistros de outras naturezas, não sem lembrar das classificações doutrinárias das espécies de responsabilidade civil e suas respectivas consequências jurídicas suportadas pela transportadora, bem como pela concessionária da rodovia no caso de acidente, a fim de conceder a melhor reparação possível à vítima, por conseguinte do segurador sub-rogado se seguro houver, sempre com suporte em doutrina especializada e na jurisprudência atinente à matéria.

  1. A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS.

Poderia se vislumbrar a responsabilidade civil das concessionárias, em situações em que seja possível demonstrar nexo de causalidade entre o roubo, que pressupõe grave ameaça ou violência à pessoa (CP, art.157), e as funções reservadas a uma concessionária de tais serviços públicos, que tenha se descurado das medidas básicas para evitar o evento, por exemplo, fato ocorrido em área de pedágio ou de administração da rodovia, mesmo quando circunscrita na difícil teoria do fortuito interno, segundo a qual o empresário responde objetivamente pelo simples risco do negócio por ele explorado (risco proveito); ou se se pudesse enquadrar a concessionária, para além da própria concessão, como atividade de risco, que excepciona a regra da responsabilidade subjetiva (CC art. 186), conforme o art. 927 do Código Civil, que a meu ver a tanto normalmente não se enquadraria, ao menos para as hipóteses de roubo ou assalto no trajeto da rodovia pedagiada.

Diferente seria para as hipóteses de colisão, de quebra de suspensão do veículo, furto de veículo estacionado, digamos no pátio do pedágio, enquanto o motorista, na condição de consumidor, se dirigia aos escritórios da concessionária para resolver contrato de pagamento mensal (Onda Livre, Sem Parar etc.) de passagem nos pedágios, tudo a guisa de exemplo. Até mesmo para as hipóteses de roubos facilitados pelo mau estado de conservação da estrada pedagiada, em que o motorista seja obrigado a carroçar, ou até parar, e, com isso, vulnerando-se mais consideravelmente, por motivo alheio à sua vontade, à ação dos bandidos.

Nesse propósito, vale também trazer à colação, hipótese de reconhecimento de responsabilidade civil objetiva da concessionária, que, em situação especial, se descurara de proteger a rodovia, por ela administrada, do trânsito de animais, pondo em risco a incolumidade dos veículos e das pessoas, como se vê da decisão que adiante se resume como amostra:

“ACIDENTE. VEÍCULO. ANIMAL NA PISTA. O recorrente ingressou com ação de indenização contra a concessionária de rodovias por danos materiais causados a seu veículo devido a ter colidido com animais na pista. Note-se que o trecho da rodovia no qual houve o acidente encontra-se em zona rural, com campos de pecuária em grande parte de sua extensão, em que os animais circulam livremente pela pista, não havendo sinalização nenhuma nesse sentido. Isto posto, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento, por entender que as concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários, estão subordinadas à legislação consumerista. Portanto, respondem objetivamente por qualquer defeito na prestação do serviço, pela manutenção da rodovia em todos os aspectos, respondendo, inclusive, pelos acidentes provocados pela presença de animais na pista. Para o Min. Relator, a toda evidência, a questão da obrigação contratual de implantar sinalização em data posterior ao acidente não traz alteração, pois a segurança é inerente ao serviço de exploração da rodovia, haja ou não placas de advertência. Precedentes citados: REsp 647.710-RJ, DJ 30/6/2006; AgRg no Ag 522.022-RJ, DJ 5/4/2004, e REsp 467.883-RJ, DJ 1º/9/2003. REsp 687.799-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 15/10/2009.”

Não obstante, a concessão de serviço público em causa, por si só, não poderia induzir a responsabilidade da concessionária por todos os danos ocorridos com veículos que por ali circulam. É que a concessão de serviços públicos, que realmente transfere para a concessionária – substituta em parte do poder concedente – a responsabilidade objetiva do Estado diante do artigo 37, § 6º da CF (trataremos disso mais especificamente no item 4 deste estudo), não teria o condão de embutir a responsabilidade, que é só do Estado, de garantir segurança pública ao cidadão (reza a CF que a segurança é direito de todos, mas dever do Estado).  Muito menos o pedágio cobrado do usuário envolve o preço, a contrapartida, dessa segurança, na medida em que destinado à conservação das estradas e a proporcionar uma trafegabilidade de boa qualidade. A não ser, como se disse, excepcionalmente, se o roubo ou furto se der em função da má conservação dessas estradas, cujo ilícito decorrente do descumprimento da concessão seja capaz de facilitar a consumação do delito.

Se já seria difícil configurar a responsabilidade – senão pela escarpada trilha do fortuito interno – das empresas de transporte coletivo, que também são concessionárias de serviços públicos do Estado, pelos danos causados aos passageiros transportados (não só por balas perdidas muito comuns em cidades como Rio de Janeiro e são Paulo) por assaltos e roubos no interior dos veículos, muito mais difícil ainda nas situações de roubos de veículos nas estradas normalmente bem conservadas, como soem ser as pedagiadas.

É que as empresas de transporte têm a obrigação e consequente responsabilidade objetiva (Código Civil artigos 730 e seguintes) de conduzir incólumes os passageiros ao seu destino, enquanto as concessionárias de estradas de rodagem a princípio não teriam a obrigação de garantir indenização para os usuários proprietários de veículos roubados no seu trajeto, mas sim a de manter conservadas as estradas por elas administradas, manter serviços de remoção e salvatagem dos veículos que, provavelmente, enguicem no seu curso etc. Daí respondendo se tais serviços se mostrarem defeituosos, segundo regras do CDC.

Realmente, poderia residir aí mais uma situação que, excepcionalmente, pudesse gerar a responsabilidade da concessionária, por conseguinte o direito sub-rogatório da seguradora do veículo sinistrado, quando aquela falhar na presteza desses serviços e, com isso, facilitar o roubo ou furto do veículo ou de suas peças (embora mais remota a ocorrência de roubo ou furto do próprio veículo quando enguiçado), salvo por pane seca, que em regra decorre de culpa do próprio usuário.

  1. O TOQUE DA JURISPRUDÊNCIA E DA DOUTRINA. VERTENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

Para corroborar o quanto acima, vale transcrever a jurisprudência que segue, exarada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que bem compreendera o alcance da questão aqui agitada e que a ela se veste como luva confortável:

“EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL. ROUBO E LESÕES CORPORAIS OCORRIDOS EM RODOVIA PEDAGIADA. DANO MATERIAL E MORAL. CONCESSIONÁRIA. ÂMBITO DO DEVER CONTRATUAL DE SEGURANÇA. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. 1 – o autor, na condição de usuário de rodovia pedagiada, aforou a presente ação indenizatória em desfavor da concessionária Concepa, haja vista os danos materiais e morais sofridos em razão de assalto ocorrido no trecho concedido. O requerente trafegava pela BR 290 “free way – e, tendo ouvido um “barulho na roda”, estacionou em um refugio SOS, momento em que foi surpreendido por três assaltantes, que roubaram seu veículo e desferiram dois disparos de arma de fogo, sendo que um deles atingiu uma de suas pernas. 2 – Responsabilidade civil de empresa privada prestadora de serviço público estabelecida conforme o art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Tratando-se de imputação de omissão, a responsabilidade civil é subjetiva, exigindo dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência. Não é necessário individualizá-la, porém, dado que pode ser atribuída, de forma genérica, à falta do serviço – faute du service -. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3 – Diante dos termos do contrato de concessão firmado entre a requerida e a União, fica evidente que as atribuições contratuais daquela, no que tange a prestação de segurança ao usuário, se relacionam à implementação de fluidez do tráfego e à diminuição, tanto quanto possível, dos riscos de acidentes. Não foi repassado à ré, pelo Poder Público – e obviamente nem poderia sê-lo, haja vista a natureza indelegável do poder de polícia – o dever de prestar segurança lato sensu ao usuário das estradas pedagiadas, enquanto nelas estivessem. 4 – Afora as questões relacionadas à segurança do trânsito – e isso no que tange à evitabilidade de acidentes -, não tem a concessionária dever de prestar segurança ao usuário.  A segurança pública, e nesta rubrica se inserem os pontos relacionados à criminalidade – como ocorreu no caso, em que o demandante foi vítima de roubo e de lesão corporal -, é dever indelegável do Estado, não podendo ser imputada a qualquer outro ente, independentemente do serviço que preste. Tal referência, aliás, está expressa no contrato de concessão. 5 – Mesmo o Estado, titular do dever de prestar segurança pública, somente tem admitida sua responsabilidade quando verificada falha específica, ou seja, nas hipóteses em que o dano ocorreu por culpa ou dolo do agente público responsável pela segurança. 6 – Dever de indenizar não configurado. Embargos Infringentes desprovidos”. (Embargos Infringentes Nº 70019003102, Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, julgado em 18/05/2007).

Vale também a propósito relembrar, que a jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento poderia ser perfeitamente emprestado para as hipóteses de roubo de veículos e ou sua carga nas estradas em regime de concessão, é a de isentar o transportador de coisas pelos roubos ou assaltos à mão armada, por equiparação ao fortuito, embora fato previsível, porém, inevitável. A decisão do STJ cuja ementa adiante segue por amostra, dá bem conta da assertiva, porém, conquanto de um lado beneficie a seguradora do transportador no seguro de RCF-DC (Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo – Desaparecimento de Carga) já que não havendo a responsabilidade deste inexistirá a do segurador (o seguro em causa só opera em se caracterizando a responsabilidade civil do segurado), de outro prejudica a seguradora do dono da carga transportada coberta pelo seguro de Riscos Rodoviários (RR), que verá frustrada a sua ação de regresso para reaver a indenização paga ao segurado dono da carga. Senão, vejamos:

“EMENTA: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIADE CIVIL.TANSPORE DE MERCDORIA.ROUBO COM USO DE ARMA DE FOGO.FORÇA MAIOR.AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELA SEGURADORA. I. O seguro a que está obrigado o transportador, constante do artigo 10 do Decreto nº 61.867/67, é de responsabilidade civil e garante o reembolso dos valores que a empresa for obrigada a desembolsar quando descumprir o contrato por sua culpa. Não engloba, portanto, a obrigação de o transportador contratar seguro para cobrir caso fortuito ou força maior. II. Na linha de precedentes da Corte, na ação regressiva não cabe ao segurador provar a culpa do causador do dano, sendo da responsabilidade do transportador provar que os danos decorrem de vício próprio da mercadoria, força maior ou caso fortuito. III. Segundo entendimento consolidado nesta Corte, o roubo de carga constitui força maior suficiente para excluir a responsabilidade da transportadora perante a seguradora do proprietário da mercadoria transportada. Improcedência da ação regressiva de ressarcimento de danos. Precedentes. IV. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido.” (REsp nº  663.356-SP. Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. (In “Coletânea de Jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre Seguros, Previdência Privada e Capitalização”. CNseg. Impressão Suma Econômica Gráfica e Editora Ltda. Organização/autoria RICARDO BECHARA SANTOS, pág. 139).

Aliás, diga-se de passagem, o próprio Estado (DNER-DENIT), no caso poder concedente, quando submetido ao regime da responsabilidade objetiva, nunca respondera por isso, apenas nas situações excepcionais, como decorrentes de animais na pista, crateras na estrada, falta de acostamento etc.

Como se vê prudente deve ser a tomada de decisão para uma eventual ação de regresso da seguradora, em casos que tais, devendo antes sopesar a situação fática do sinistro, com vistas a se medir o grau de êxito da demanda, não sem lembrar de que nem seria preciso constar do contrato assinado entre a União e a Concessionária determinadas eximentes, pois a não responsabilidade da concessionária já decorre do próprio sistema legal que regula a matéria, sendo inúteis as eventuais excludentes expressas no termo convencional que contrariarem as regras da responsabilidade objetiva, até porque, não fosse o entendimento jurisprudencial que decorre da lei e da doutrina a isentar a concessionária quando caso, seriam facilmente entendidas como “cláusulas de não indenizar”, ineficazes em relação a terceiros usuários da estrada.

Quando os usuários de transporte coletivo de passageiros se veem envolvidos em algum tipo de acidente veicular em rodovia pedagiada, é natural que surjam inúmeras dúvidas sobre a correlata responsabilidade civil.

Com o objetivo de assegurar a livre fruição de direitos, o ordenamento jurídico pátrio reserva mecanismos apropriados, como o da responsabilidade civil, que na sua grande classificação pode ser objetiva ou subjetiva, a primeira independentemente de apuração de culpa, bastando a prova do nexo causal, a segunda pressupondo a existência de culpa (negligência, imperícia e imprudência), valendo aqui o aforisma “in lege aquilia et levíssima culpa venit”, é dizer, o menor pecadilho ou fragmento de culpa gera obrigação de indenizar, que, aliás, é a regra adotada pelo Código Civil de 2002 (artigo 186).

Ensina o Professor SÉRGIO CAVALIERI FILHO, que “Em sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.” (em “Programa de Responsabilidade Civil”, 2006, p. 24).

Em igual sentido a doutrina de PAULO ROBERTO GONÇALVES, quando preleciona que o “(…) responsabilidade exprime a ideia de restauração do equilíbrio, de contraprestação, de reparação do dano. Sendo múltiplas as atividades humanas, inúmeras são também as espécies de responsabilidade, que abrangem todos os ramos do direito e extravasam os limites da vida jurídica, para se ligar a todos os domínios da vida social.” (em Direito Civil Brasileiro, V. 4, 2013, p. 19-20).

Em se conjugando o instituto da responsabilidade civil com o do seguro de responsabilidade civil (CC, artigos 787 e 788), podemos resumir que o instituto da Responsabilidade Civil tem, na sua expressão mais simples, o objetivo de restabelecer o equilíbrio alterado pelo dano (princípio da “restitutio in integrum”), enquanto o seguro de responsabilidade civil o de restabelecer o equilíbrio patrimonial do segurado alterado pelo desembolso para equilibrar o dano causado à terceiro, nos limites da apólice (princípio da delimitação do risco e da indenização. CC art. 757).

Ressalvados os seguros de responsabilidade civil legalmente obrigatórios (estipulação em favor de terceiro, com direito de acionar diretamente o segurador – CC art. 788), os facultativos (com característica de reembolso, por isso não cabe ao terceiro acionar direta e exclusivamente o segurador – STJ Súmula 529. CC art. 787) tem por objetivo a proteção do patrimônio do segurado contra possíveis condenações judiciais e não o interesse direto do terceiro, que não é parte do contrato. O interesse legítimo é a relação de valor econômico sobre um bem que, se ameaçada por um risco, traduz o interesse legítimo segurável (objeto do contrato de seguro). O que se protege no seguro de responsabilidade civil facultativo é a relação do segurado com seu patrimônio, já que este pode resultar afetado no caso de o risco se realizar, ou seja, pela sua diminuição em face da indenização que tiver que pagar a terceiro.

Por responsabilidade contratual, entende-se aquela resultante da inobservância de determinada cláusula estabelecida no acordo de vontades. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana advém do descumprimento de um dever legal, exsurgindo com a prática de um ato ilícito (Código Civil, art. 186).

É solidária a responsabilidade quando há mais de um ofensor e cada um deles é responsável pelo pagamento integral da indenização, podendo o ofendido exigir a reparação de cada um separadamente ou de forma conjunta. Enquanto subsidiária é a responsabilidade que se mede pelo fato de que um dos devedores só pode ter seu patrimônio afetado para quitar a verba indenizatória quando o devedor principal não conseguir, sozinho, arcar com os prejuízos da vítima do dano.

O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade (CC art. 734). Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, porém, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (CC art. 927). Em linha similar trafega a responsabilidade civil das concessionárias de rodovias, garantindo, em certa medida, a incolumidade das coisas e das pessoas que delas se utilizam.

Em caso de acidente veicular, portanto, a empresa transportadora responde objetivamente pelos danos causados aos passageiros. Se tratada como uma atividade de risco (condução de pessoas por transporte rodoviário; afinal, trafegar nas estradas brasileiras e no nosso tresloucado trânsito como atividade, é risco por si só) e como um típico contrato de resultado com cláusula implícita de incolumidade – em que a empresa de transporte tem a obrigação de conduzir o contratante, incólume, até seu destino (jus resceptum) -, o dever de reparação do dano independe da comprovação de dolo ou culpa, tampouco permite a fixação de cláusula contratual excludente de responsabilidade.

O tema está consolidado na jurisprudência dos tribunais, inclusive pela vertente do direito do consumidor, valendo trazer à colação precedente do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:

“PROCESSO CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PESSOAS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 27 DO CDC. NOVA INTERPRETAÇÃO, VÁLIDA A PARTIR DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. – O CC/16 não disciplinava especificamente o transporte de pessoas e coisas. Até então, a regulamentação dessa atividade era feita por leis esparsas e pelo CDC, que não traziam dispositivo algum relativo à responsabilidade no transporte rodoviário de pessoas. Diante disso, cabia à doutrina e à jurisprudência determinar os contornos da responsabilidade pelo defeito na prestação do serviço de transporte de passageiros. Nesse esforço interpretativo, esta Corte firmou o entendimento de que danos causados ao viajante, em decorrência de acidente de trânsito, não importavam em defeito na prestação do serviço e; portanto, o prazo prescricional para ajuizamento da respectiva ação devia respeitar o CC/16, e não o CDC. – Com o advento do CC/02, não há mais espaço para discussão. O art. 734 fixa expressamente a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas por ele transportadas, o que engloba o dever de garantir a segurança do passageiro, de modo que ocorrências que afetem o bem-estar do viajante devem ser classificadas de defeito na prestação do serviço de transporte de pessoas. – Como decorrência lógica, os contratos de transporte de pessoas ficam sujeitos ao prazo prescricional específico do art. 27 do CDC. Deixa de incidir, por ser genérico, o prazo prescricional do Código Civil. Recurso especial não conhecido.” (REsp 958.833/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2008, DJ 25/02/2008, p. 1)”.

Para encerrar este tópico e com intuito de mostrar o quanto o tema se agita no STJ, em copiosa jurisprudência, permito-me aqui transcrever o resumo de mais os seguintes julgados:

“AGINT no AREsp 918705-SP. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2016/0134178-0. Relator Ministro RAUL ARAÚJO – QUARTA TURMA. Data do Julgamento 08/11/2016. Data da Publicação/Fonte DJe 29/11/2016. EMENTA: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. MANUTENÇÃO DE RODOVIAS. ACIDENTE CAUSADO POR PEDRAS SOLTAS NA PISTA. INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE. ALTERAÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a responsabilidade civil das concessionárias de serviço público é objetiva. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, mediante análise soberana do contexto fático-probatório dos autos, concluiu que o acidente sofrido pelo autor ocorreu em virtude das pedras soltas sobre a pista, confirmando que a conduta omissiva da concessionária em providenciar a manutenção da via foi o fator fundamental para o acidente se concretizar, de modo que, para alterar essa conclusão, seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório, o que atrai a incidência da Súmula 7 desta Corte. 3. Agravo interno a que se nega provimento. Acórdão. Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.”

 “AGINT no AREsp 1042777-PR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0008298-8 Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. SEGUNDA TURMA. Data do Julgamento 27/06/2017. Data da Publicação/Fonte DJe 30/06/2017. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO EM AGRAVO INTERNO. POSSIBILIDADE. CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA RODOVIÁRIA. ANIMAIS NA PISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. EXAME DE CLÁUSULA DE CONTRATO FIRMADO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 5/STJ. 1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a comprovação da tempestividade do recurso, em decorrência de feriado local ou suspensão de expediente forense no Tribunal de origem pode ocorrer por meio de agravo interno, como é o caso dos autos. 2. Não se configura a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado, manifestando-se de forma expressa sobre a responsabilidade da concessionária por fato do serviço, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal. 3. In casu, extrai-se do acórdão vergastado que o entendimento do Tribunal de origem está em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça de que a presença de animais na pista coloca em risco a segurança dos usuários da rodovia, respondendo as concessionárias pelo defeito na prestação do serviço que lhes é outorgado pelo Poder Público concedente. 4. No que diz respeito ao exame de possível violação de cláusulas contratuais, o acolhimento da pretensão recursal esbarra no óbice da Súmula 5/STJ. 5. Agravo Interno parcialmente conhecido e não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do agravo interno e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.”

Em sede de Tribunal de Justiça, destaco, por amostragem, decisão proferida pela 9ª Câmara Cível do TJSC (Acórdão nº 70070840004, julgado em março de 2017, tendo como Relator Desembargador Miguel Ângelo da Silva), que negou apelo movido por concessionária que administra trecho da BR-290, contra sentença em favor de duas vítimas de um assalto na praça de pedágio em 2013. Neste caso julgado, os autores, dois representantes comerciais, ajuizaram ação contra o consórcio UNIVIAS, então administrador de um trecho da rodovia, narrando que em uma viagem de trabalho, enquanto transitavam pela rodovia, ao parar na praça de pedágio, foram abordados por criminosos encapuzados, que os fizeram de reféns e subtraíram o carro da empresa que trabalhavam, além de todos os contratos, itens e dinheiro advindo do trabalho realizado pelos autores que estava dentro do veículo. A concessionária foi condenada, em danos materiais e morais, por não possuir estrutura que desse segurança aos usuários da praça de cobrança, mesmo a despeito de arguir que a praça possuía todos os componentes necessários para a segurança dos usuários, e que a responsabilidade de policiamento ostensivo para a repressão de crimes como o acontecido é do Estado (na BR-290, representado pela Polícia Rodoviária Federal), e não da entidade privada.

O magistrado assinalou que mesmo a concessionária não tenha o poder de polícia deve, sim, promover segurança aos usuários da rodovia, ainda mais na praça de pedágio, local onde a circulação de dinheiro é significativa, concluindo que esse dever de assegurar a incolumidade dos usuários dos serviços que disponibiliza deriva da aplicação da teoria do risco criado, risco proveito ou risco do empreendimento (risco de atividade). Vale dizer, quem aufere os bônus com atividade lucrativa que explora deve igualmente arcar com os ônus, lembrou o magistrado. Enfim, consagrou-se a responsabilidade civil objetiva da concessionária, mesmo no item segurança.

  1. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DECORRENTE DA PRÓPRIA CONCESSÃO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. EXIMENTES. SOLIDARIEDADE.

Vale observar que a atividade de manutenção e conservação das rodovias, a cargo das concessionárias, caracteriza-se, notoriamente, como um serviço público, e, como tal, deve ser exercido pelo Poder Público, podendo este delegar a particulares sua execução, após regular procedimento licitatório (Constituição Federal, art. 175). Na lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, a “Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.” (em “Curso de Direito Administrativo”, 24ª edição, 2007, p. 686).

As empresas concessionárias, ao receberem do Estado a missão de colocar em funcionamento os serviços públicos, com fins de lucro, também tem o dever constitucional de reparar os danos porventura produzidos, respondendo objetivamente, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, mas sob a modalidade do risco administrativo. Admite-se, portanto, a existência de causas atenuantes ou excludentes do dever de corrigir os efeitos do evento danoso.

Na doutrina de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (em “Manual de Direito Administrativo”, 18ª edição, 2007, p. 489-490), “Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público. Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.”

Por se tratar de concessão de serviço público, a empresa responde, como se o Estado fosse, em termos de reparação civil pelos danos causados ao público consumidor. Especificamente no que toca às concessões de rodovias e de transportes públicos, não se pode negar, em outro giro, a relação de consumo que se estabelece entre o usuário do serviço e a empresa concessionária (CDC, art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”). Mesmo quando o pedágio não é pago diretamente (assim como no caso dos passageiros de ônibus), a tarifa está embutida no preço, o que não altera o caráter do elo jurídico.

Havendo acidente de veículo de transporte de passageiros, cabe ao ofendido somente demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva da empresa concessionária e o resultado danoso. Ou seja, provada a ligação fática entre os danos e a falta de manutenção ou de sinalização do trecho da rodovia em que ocorreu o sinistro, por exemplo, ou mesmo a negativa, demora ou má qualidade na assistência médica pré-hospitalar, nasce o dever de indenizar. Outro não é o entendimento do STJ, conforme decisão exarada no REsp 687.799/RS, em que foi Relator o Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2009, cuja ementa já se encontra transcrita ao início deste estudo.

Importante registrar que a responsabilidade pela reparação do dano não pode ser imputada ao Poder Público quando estiver em discussão rodovia em regime de concessão, salvante se: 1) constatada a ocorrência de falha no processo licitatório; 2) a execução do contrato de concessão não for devidamente fiscalizada pela Administração Pública.

Situações há em que tanto a empresa transportadora quanto a concessionária da rodovia podem se ver eximidas de suas responsabilidades pelo evento danoso, desde que comprovada ruptura do nexo de causalidade entre a ação/omissão das empresas e o dano sofrido pelo usuário do serviço de transporte ou das estradas.

Ocorre a quebra do liame entre a conduta das empresas e o dano correlato nas situações de caso fortuito ou de força maior, é dizer, quando não era possível evitar ou impedir os efeitos (CC, art. 393, parágrafo único). A doutrina ressalva, entretanto, as circunstâncias nas quais o evento extraordinário faz parte da esfera de previsibilidade das empresas ligadas às atividades objeto da concessão, enquadrando-se no chamado “risco do empreendimento”, podendo ser lembrados os casos de estouro de pneus ou falha mecânica no veículo, mal súbito do motorista, pista escorregadia por conta de água ou óleo, pouca visibilidade em razão de forte chuva ou nevoeiro etc. Em tais situações, o dever reparatório fica mantido em sua integralidade (Igor Pereira Matos Figueiredo, em artigo publicado no portal “Âmbito Jurídico”, em 31/12/16, “Rodovia Pedagiada”). Se, no entanto, o transportador carroçava em rodovia pedagiada, e tendo o acidente decorrido de defeito de manutenção a cargo da Concessionária, conquanto possa escapar da responsabilidade a concessionária transportadora, dela não escaparia a concessionária da rodovia.

O chamado “fato de terceiro” também é elemento capaz de excluir a responsabilidade, mas somente quando a ação da terceira pessoa, alheia à relação contratual, for dolosa, intencional (roubo no interior do ônibus, culminando com o descontrole e tombamento do veículo). Na hipótese de condutas culposas de terceiros, a responsabilidade indenizatória é preservada, podendo quem arcou com a indenização ajuizar ação regressiva contra o causador do dano (CC, art. 735 e Súmulas 187 e 188 do STF), valendo conferir com o precedente infra:

“AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. FATO DE TERCEIRO CONEXO AOS RICOS DO TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA NÃO AFASTADA. SÚMULA 187/STF. INTERESSE PROCESSUAL. SÚMULA 07. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Esta Corte tem entendimento sólido segundo o qual, em se tratando de contrato de transporte oneroso, o fato de terceiro apto a afastar a responsabilidade objetiva da empresa transportadora é somente aquele totalmente divorciado dos riscos inerentes ao transporte. 2. O delineamento fático reconhecido pela justiça de origem sinaliza que os óbitos foram ocasionados por abalroamento no qual se envolveu o veículo pertencente à recorrente, circunstância que não tem o condão de afastar o enunciado sumular n. 187 do STF: a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva. 3. A indigitada falta de interesse processual, decorrente de suposta transação extrajudicial, o Tribunal a quo a afastou à luz de recibos exaustivamente analisados. Incidência da Súmula 07/STJ. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1083789/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009).

Também restará afastada a responsabilidade tanto da concessionária do transporte quanto da rodovia, nos casos em que se verificar a culpa exclusiva da vítima. Sendo concorrente a culpa da vítima e da concessionária, o dever de reparar persiste, porém o montante da verba indenizatória deve ser reduzido. Não colherá frutos eventual arguição de não responsabilidade, se uma ou outra concessionária tentar eximir-se de reparar o dano alegando que a culpa advém da conduta da outra empresa envolvida na relação contratual. É que ambas exploram com fins lucrativos a atividade que originou o dano, devendo por isso arcar com o ônus da indenização, exceto se demonstrada alguma das causas excludentes já mencionadas. Eis que, presente o nexo entre a ação ou omissão e o dano, caracterizado estará o dever de reparação.

Assinale-se que a empresa transportadora de pessoas e a concessionária da rodovia onde ocorreu o evento, deverão em princípio responder solidariamente pelos danos causados, conforme determina o CDC (art. 7º, parágrafo único e art. 25, §1º).

Embora iremos tratar passos mais adiante da sub-rogação, exatamente no item 6 deste estudo, não custa desde já lembrar de que, se o evento estiver garantido por seguro de dano e se o segurado optar pelo ressarcimento junto à seguradora, esta estará sub-rogada em todos os direitos do segurado para acionar o causador, carregando a seu favor os ingredientes desse direito do segurado enquanto consumidor, dentre os quais prazo de prescrição mais largo, no caso de cinco anos consoante o artigo 27 do CDC, bem como o de não ter que comprovar a culpa da concessionária, posto que objetiva a sua responsabilidade. Entrementes, tais bônus se convertem em ônus, para a seguradora da concessionária que emitiu apólice de seguro de responsabilidade civil, esta que, se demandada, denunciará da lide a seguradora para assegurar o reembolso do que tiver que pagar à vítima nos limites da apólice.

 

  1. RESQUÍCIOS HISTÓRICOS DO CONTRAPONTO À RESPONSABILIDDE OBJETIVA DAS EMPRESAS DE ÔNIBUS.

O entendimento, que hoje já se solidifica na jurisprudência, consagrando a responsabilidade civil objetiva das empresas de ônibus, teve início a partir da CF de 1988, e dente os primeiros julgados que na época nos surpreendeu, hoje não mais, pode ser ilustrado pelo acórdão da ementa que segue exarado na década de 1990:

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO-TRANSPORTE COLELTIVO-PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO-CF/88-TRATAMENTO: Responsabilidade civil. Pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço publico de transporte coletivo de passageiros. Art. 37, § 6º da CF. A responsabilidade civil da pessoa jurídica, prestadora de serviço publico de transporte coletivo de passageiros, é, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, objetiva. O referido dispositivo constitucional abrigou a doutrina do risco administrativo e não a do risco integral. Fica a vítima dispensada de provar a culpa ou dolo do agente. Pode, todavia, o Poder Público ou Concessionário, alegar a culpa exclusiva da vítima que, se demonstrada afasta a responsabilidade civil.” (TJDF-1ª. T.Rel.Mário Machado. DJU 3/8/94, pag. 8.750).

Houve na época algumas resistências a esse então novo entendimento que aflorava do atrigo 37, § 6º da então novel Carta Constitucional, que se ostentava na teoria do ato administrativo como fundamento da responsabilidade civil objetiva do Estado e, por conseguinte, das empresas concessionárias ou permissionárias dos serviços públicos. É que o ato de dirigir veículo, na verdade, não poderia ser confundido ou interpretado como sendo um ato administrativo. Assim como acidentes de trânsito, em si e por si, não envolvem relação de consumo.  Sensível a esse entendimento, a jurisprudência paulista, por exemplo, chegou a se manifestar nesse sentido, do que dá mostra as ementas a seguir transcritas, em que pese a existência de outros julgados em sentido contrário:

1ª) “Em se tratando de acidente de trânsito, a questão deve ser focada pelo ângulo da responsabilidade subjetiva, pois não se pode interpretá-la sob a modalidade do risco administrativo.   O ato de dirigir veículo não pode ser confundido ou interpretado como sendo um ato administrativo, ou seja, manifestação da Administração Pública, que, agindo em tal qualidade, procura adquirir, resguardar, transferir,  modificar, extinguir e declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos administrados ou a sí própria” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de SP – Terceira Câm. Apel. 384952 – Rel. Juiz Marcondes Machado.   Julg. em 12.01.88 – In Rui Stoco, Responsabilidade Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial, pág. 280).

) “Não se aplica o princípio da responsabilidade objetiva do Estado, quando se trata de colisão de veículos” (TJSP – Sexta C. Civ. Apel. Rel. Des. Vieira de Morais.   Julg. em 13.12.75 – RT 509/141).

) “Em se tratando de acidente de veículos, é entendimento desta Câmara que não se aplica na hipótese a teoria do risco administrativo, devendo, em consequência, ser provada a culpa da Administração” (Primeiro TACSP Quinta C. Cível Rel. Maurício Vidigal – Julg. em 14/06/89 – RT 645/113).

No limiar das discussões, esboçava-se o entendimento de que muito menos ato administrativo poderia se alvitrar de um acidente de trânsito quando os seus partícipes sejam empresas estritamente privadas, cujo liame com o Estado é apenas uma concessão ou permissão para operar serviço de transporte, sem qualquer outra relação com a administração pública direta, indireta ou fundacional, como vislumbra o caput do art. 37 da Constituição Federal, ao qual os seus parágrafos devem se vincular, sem destoar.

Arguia-se, então, que em sede do preceito constitucional que precedeu a Constituição de 1988, por imprecisão redacional, se construiu uma jurisprudência copiosa, para estender a responsabilidade objetiva às sociedades de economia mista e empresas públicas, jamais às empresas de ônibus genuinamente privadas.  E foi nesse sentido que veio a lume o preceito, mais amplo, constante do § 6° do art. 37 da atual Constituição, vale dizer, para consagrar aquele entendimento jurisprudencial que se fez torrente. Sem, decerto, atingir, por metástase, as pessoas jurídicas de direito privado que não fossem aquelas da administração pública indireta, como soem ser as empresas públicas e as sociedades de economia mista, do tipo CTC, METRÔ, CMTC, EMTU, CBTU, etc.

Os que se surpreenderam com a nova onda, chegaram a invocar lição de CARLOS MAXIMILIANO, segundo a qual as leis posteriores constituem prolongamento das anteriores: “posteriores legis ad priores pertinent.” Por isso o preceito da Constituição de 88 nesse tocante (art. 37 § 6°) constituiria uma evolução do da Constituição antecedente (art. 107), ungido pela consagração jurisprudencial que no vácuo entre um e outro se construiu. Lembrava-se também da máxima “minime sunt mutanda, quoe interpretationem certam semper habuerunt“, que equivale dizer, na tradução do mesmo CARLOS MAXIMILIANO, secundando Paulo, no Digesto, liv. 1, tít. 3, parag. 23: “altere-se o menos possível o que sempre foi entendido do mesmo modo“. É que essa preciosa máxima fazia observar as normas de acordo com o sentido e o alcance uniformemente definidos durante dilatados anos pela doutrina e pela jurisprudência.

E não era de se estranhar, por exemplo, a preocupação das seguradoras de automóveis, que costumavam emitir as apólices tendo como seguradas as inúmeras empresas de ônibus, medindo o risco da garantia de RCF (Responsabilidade Civil Facultativa) com base na responsabilidade subjetiva dessas empresas que, de uma ora para outra, se viram envolvidas com o risco consideravelmente mais gravoso da responsabilidade objetiva.

Foi então que o segurador, nessa transição de entendimentos jurisprudenciais, passou a avaliar a nova hipótese no momento da aceitação dos riscos de responsabilidade civil das empresas de ônibus, ou de quaisquer outras concessionárias de serviços públicos, na medida em que, certamente, muito mais gravoso é o risco de um segurado que se submete ao regime da responsabilidade objetiva, como se Estado fosse, respondendo independentemente de culpa, do que o daquele segurado comum sujeito à teoria da responsabilidade subjetiva, onde só responde pelos danos se obrar com culpa. Nessa avaliação consciente do risco pelo segurador, no momento do exame da proposta, pelo menos três opções se estenderiam: (a) simplesmente não aceitá-la, situação que poderia trazer complicações diante do artigo 39, inciso II do CDC; (b) aceitá-la com a ressalva expressa de que a apólice só opera em caso de culpa do segurado, situação que também traria complicação uma vez que, aceito o risco de segurado que se submete ao regime da responsabilidade objetiva, questionável seria tratar o risco como se subjetiva fosse a responsabilidade e; (c) aceitá-la normalmente mediante a fixação de um prêmio atuarialmente compatível com a responsabilidade objetiva do segurado, que eleva sobremaneira o espectro do risco.

Outra conturbação na época causada foi a decorrente da postura de algumas empresas de ônibus que passaram a assumir, explicitamente, na denunciação da lide de sua seguradora de RCF, a sua responsabilidade objetiva ao contestarem os litígios que envolviam atropelamentos e colisões por seus veículos, quando o segurador cogitou demonstrar a impertinência dessa assunção de responsabilidade objetiva pelas empresas de ônibus, com vistas a negar a denunciação da lide, invocando-se, inclusive, ferimento ao contrato de seguro.

  1. O DIREITO SUB-ROGATÓRIO DO SEGURADOR.

Feitas as considerações referentes à responsabilidade civil das empresas concessionárias de serviços públicos, resta dizer, ainda que em síntese apertada, sobre o instituto da sub-rogação, que legitima o direito de o segurador ingressar com demanda ressarcitória contra o responsável pelo dano que gerou a indenização efetivamente paga pelo segurador.

Não seria demasiado lembrar de que o direito sub-rogatório do segurador privado é assegurado na lei, não raro no contrato e, depois de copiosa discussão no judiciário, também pelo entendimento jurisprudencial sumulado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal através do verbete 188 de suas Súmulas.

É como que se o segurador substituísse a vítima do dano, no caso o segurado por ele indenizado, com todos os consectários pertinentes, para agir contra o causador. Quanto à abrangência da transferência de direitos que a sub-rogação produz, diz o Código Civil no seu artigo 349, que a “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida contra o devedor principal e fiadores”. O segurado indenizado pelo segurador, portanto, transfere a este, junto aos direitos, ações, privilégios e garantias, o prazo prescricional que tiver, como também o direito de acionar o causador para reparação de dano sob a égide da responsabilidade subjetiva ou objetiva, como é o caso das concessionárias de serviços públicos. Assim, se tiver o segurado um prazo prescricional, digamos de três anos contra o terceiro causador, no que tange à ação de reparação de dano (CC, art. 206, § 3º), ou cinco anos se o dano decorrer de relação de consumo (CDC artigo 27), esse prazo é transferido ao segurador por força do direito sub-rogatório.

Sub-rogação e seguro são coirmãos de uma mesma placenta, pois têm a transferência como célula comum. Enquanto no seguro o segurado transfere para o segurador os efeitos econômicos do risco, na sub-rogação o segurado transfere para o segurador todo direito e ação contra o terceiro causador do dano ou quem seja por ele responsável. Só que no seguro, diferentemente do que ocorre na sub-rogação, não se opera a substituição nem de pessoas nem de coisas. Na sub-rogação o segurador substitui o segurado satisfeito com a indenização do sinistro de que fora vítima, assumindo o seu posto para agir contra o terceiro causador do dano; no seguro o segurador, ao aceitar o risco não está, a rigor, substituindo o segurado, mas apenas garantindo a ele uma indenização futura e incerta, pois o risco é e sempre será do próprio segurado (em “DIREITO DE SEGURO NO COTIDIANO”, Editora Forense, pag.530, 4ª edição, RICARDO BECHARA SANTOS). Desta mesma obra extraio as seguintes ponderações:

O fundamento da sub-rogação legal para o contrato de seguro se planta, radicalmente, na utilidade prática mesmo da instituição, beneficiando, de certo modo, até mesmo o devedor, que pode ver substituído seu credor por outro, até mais tolerante e suscetível a acordo. Em síntese, a sub-rogação legal representa uma realidade jurídico-econômica benéfica e até solidária, por isso a lei deve estimulá-la, já que resulta indubitável a sua utilidade, inclusive do ponto de vista social, porquanto facilita o cumprimento das obrigações. A sub-rogação legal, ademais, quando plasmada no contrato de seguro, propicia a redução do prêmio, tornando-o mais acessível ao consumidor, considerando que a ação do segurador contra o causador do dano atende: a) a tutela do princípio indenizatório; b) a impedir que o terceiro responsável fique exonerado da responsabilidade; c) observando-se, assim, uma norma técnica securitária ligada ao princípio da repetição mutualista do risco, diminuindo o custo de gestão do seguro, em benefício da massa de segurados”.

Dúvidas não mais poderão subsistir quanto à sub-rogação no contrato de seguro, posto que o vigente Código, dando ênfase ao direito sub-rogatório do segurador, sem, no entanto, desprezar as regras gerais da sub-rogação, trouxe outras específicas para o bojo do capítulo que lhe é próprio, ao estabelecer, na seção do seguro de dano, mais precisamente no seu artigo 786 e parágrafos, que “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”, como também, obviamente, contra quem seja o responsável por sua reparação. Ressalva, entretanto, em um de seus parágrafos, de forma cogente, que é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos sub-rogatórios.

Esclareça-se que o seguro de responsabilidade civil (CC artigos 787 e 788) é seguro de dano e, como tal, comporta a sub-rogação estabelecida no citado artigo 786 do CC, admitindo-se, daí, o direito de regresso do segurador contra o responsável final, se houver. Justo na hipótese em que, tendo o segurador que reembolsar a concessionária segurada – por conta do seguro de RC contratado – em face da sua responsabilidade civil objetiva (salvo dolo ou culpa grave que é risco excluído da apólice de RC), seja em razão de dano sofrido por passageiro do ônibus seja por usuário da rodovia pedagiada, poderá buscar o ressarcimento junto ao causador final do dano.

O pagamento é forma de extinção de obrigações, por isso o segurador, ao cumprir com sua obrigação indenizando o segurado pelo dano que o sinistro lhe causou, nos termos estipulados no contrato, extingue-a perante o segurado e assume o direito de estar no polo ativo da postulação a ser exercida contra o terceiro causador do dano. Ou seja, a lei e ou o contrato transferem ao segurador a titularidade do direito na mesma relação jurídica, considerando que esta não pereceu, a não ser diante do segurado, porque o causador do dano continua obrigado por sua reparação, já agora perante o segurador, pois a relação jurídica de reparar o dano sobrevive, eis que do contrário estar-se-ia premiando a impunidade daquele que, com a prática de um ato ilícito, causara um dano a outrem.

Com efeito, sub-rogar, em sentido amplo, é colocar uma coisa em lugar de outra ou uma pessoa em lugar de outra. Duas são, portanto, as espécies de sub-rogação, a real e a pessoal, conforme se trate de sub-rogação de coisas ou de pessoas. Porém, a que interessa ao presente estudo é a sub-rogação pessoal, porque o que sucede é a substituição de uma pessoa por outra, a do segurado pela do segurador, pouco importando se tratar de pessoas jurídicas. Até porque, é dessa espécie de sub-rogação que se ocupa o Código Civil Brasileiro no capítulo do seguro.

  1. REFERÊNCIAS ONOMÁSTICAS.

Aldir Passarinho Junior (Rel. REsp nº 687.799 – RS – 2009).

Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, secundando Paulo, no Digesto, liv. 1).

Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo – 2007).

Herman Benjamim (AGINT no AREsp nº 1042777-PR – 2017).

Igor Pereira Matos Figueiredo (artigo no portal “Âmbito Jurídico”, 31/12/16, “Rodovia Pedagiada”).

Iris Helena Medeiros Nogueira (E. infringentes – TJRS nº 70019003102 – 2007).

José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo – 2007).

Luis Felipe Salomão (Rel. REsp n° 663.356-SP e AgRG no AG nº 1083789-MG – 2009).

Marcondes Machado (TACSP. Rel.. Apel. 384952 – 1988).

Mário Machado (TJDF.Rel.DJU 3/8/94).

Mauricio Vidigal (TACSP Rel. Apel. Cível – 1989 – RT 645/113).

Miguel Angelo da Silva (Rel. Apel. Nº 70070840004 – TJSC – 2017).

Nancy Andrigh (Rel, REsp nº 958.833-RS – 2008).

Paulo Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro – 2013).

Raul Araújo (Rel. AGINT no AREsp nº 918.705-SP – 2016).

Ricardo Bechara Santos (Coletânea de Jurisprudência dos Tribunais Superiores – CNseg e Direito do     Seguro no Cotidiano – 4ª edição).

Rui Stoco (Responsabilidade Civil e Sua Interpretação Jurisprudencial).

Sergio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil – 2006).

Vieira de Morais (TJSP. Rel. Apel. Rel. TR 509/141- 1975).

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