O DPVAT, por mais paradoxal que seja em face de sua apregoada simplicidade, de todos os seguros é um dos que mais se tem a dizer

Ricardo Bechara Santos

É DAQUI, DO RIO GRANDE DO SUL, DESTAS PLANÍCIES DA REPUBLICA DE PIRATINI, DOS PAMPAS GAÚCHOS, TERRA DE LENDAS E TRADIÇÕES, DE TANTAS HISTÓRIAS E PÁGINAS HERÓICAS, QUE “SE RECRUTA HOMENS PÚBLICOS E JURISTAS DE APURADO QUILATE, INCLUSIVE PARA FORNIR OS TRIBUNAIS SUPERIORES NO PLANALTO CENTRAL (BROSSARD; JOBIN; ARY PARGENDLER; GILSON DIP; RUI ROSADO; NANCY; ATHOS GUSMÃO; COSTA LEITE; SANSEVERINO…). É TERRA, PORTANTO, NÃO SÓ PRODUTORA DOS MELHORES VINHOS, COMO TAMBÉM DOS MELHORES MAGISTRADOS. “Causos de São Chico e Outras Querências, Forenses e Não Forenses”.

 

Uma efeméride por certo, já que estamos aqui, reunidos com pessoas muito especiais, comemorando 40 anos desse singular “SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIAS TERRESTRES, OU POR SUA CARGA, A PESSOAS TRANSPORTADAS OU NÃO, mais conhecido pela sigla DPVAT, que cobre não só os 190 milhões ou mais de brasileiros, como os estrangeiros que aqui se encontrem e que possam ser vítimas de acidentes de trânsito se não cobertos por seguro mais específico, como a Carta Verde, seguros que se tangenciam por dentre outros motivos: (I) o DPVAT, modalidade sem precedentes na legislação de outros povos, configura estipulação em favor de terceiros, transportados ou não, garantindo-lhes indenização por danos pessoais causados por veículos automotores (automóveis, ônibus, caminhões, motocicletas, tratores e similares) registrados no Brasil, tenha ou não sido pago o prêmio ou sequer realizado o seguro, que é seguro predominantemente de responsabilidade civil, em que pese híbrido com o de acidentes pessoais, por isso atípico; (II) o Carta-Verde configura-se de responsabilidade civil típico (a ele se aplica o critério tarifário praticado pela seguradora no seguro RCF), igualmente obrigatório, do proprietário e ou condutor de automóvel de passeio, particular ou de aluguel, não matriculado no País de ingresso, em viagem internacional, garantindo não só danos pessoais como materiais a pessoas e objetos, desde que não transportados.

 

A esse propósito, oportuno ensaiar algumas rápidas palavras sobre a história e pré-história do seguro DPVAT, sua natureza jurídica contratual, se de direito público ou privado, seu âmbito de cobertura, seus elementos, enfim. Mas não posso deixar de mencionar uma particular coincidência. É que, há pouco mais de 40 anos, exatamente no ano de 1974, ao chegar ao mercado segurador, chegava junto comigo justamente o DPVAT, com a edição da Lei 6.194/74 que acabava de criá-lo, como também saia do mercado com a minha chegada, o RCOVAT. Vi nascer e morrer, portanto, a um só tempo, esses dois seguros obrigatórios sobre os riscos dos veículos automotores de vias terrestres.

 

O DPVAT é seguro que se distingue dos demais pelo seu ainda mais destacado coeficiente de socialidade, por isso obrigatório e, dentre os seguros legalmente obrigatórios, de todos o mais eloquente (também o mais conhecido, o mais popular, talvez porque inserida a sua contratação junto à documentação da máquina mais admirada da população, como a mais perigosa do planeta, o automóvel, que mata mais que uma guerra), posto ser o único que conseguiu sua efetividade e operabilidade como tal graças ao sistema de consórcios e à sua contratação mediante bilhete incrustado no Documento Único de Trânsito – DUT, o que assegura a sua efetiva realização por todos os proprietários de veículos automotores ou, ao menos, a garantia de que as vítimas, segurados e ou beneficiários possam receber a indenização mesmo que o proprietário não o tenha realizado ou pago o prêmio, esteja identificado ou não o veículo.

 

Nos demais seguros legalmente obrigatórios, conquanto a lei possa determinar sua realização compulsória pelo segurado, a eficácia dessa obrigatoriedade não é garantida por não se poder, do outro lado, compelir uma seguradora a aceitar o risco de que tal ou qual seguro se ocupe, face o princípio da livre iniciativa, esculpido no artigo 170 da CF. Já com o sistema de consórcios do seguro DPVAT, as seguradoras são como que induzidas coletiva e solidariamente a operá-lo, dando-se, assim, asas à sua vocação de seguro compulsório e, como tal fazendo valer os princípios da efetividade e operabilidade de um seguro que se apresenta autenticamente como obrigatório e, sobretudo, de finalidade eminentemente social.

A ORIGEM

 

Oportuno lembrar algumas referências históricas e pré-históricas do DPVAP para melhor nos situarmos, pois quem não conhece a história corre, no mínimo, o risco de repeti-la, nos seus erros e desacertos, valendo ressaltar as sempre presentes palavras de CERVANTES (1547-1616): “a história é êmula do tempo, depósito das ações, testemunho do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.

 

Desde a criação do seguro DPVAT, no ano de 1974, até o ano de 1986, quando se instaurou o modelo de operação coletiva desse seguro (Resolução CNSP nº 06/86), sua contratação era realizada mediante bilhete emitido pelas seguradoras individualmente (mormente por aquelas que ficaram conhecidas como “bilheteiras”) e era feita diretamente com seguradora e corretor de livre escolha dos proprietários dos veículos quando, então, passou a ser contratado por via do DUT em relação aos veículos das categorias 1, 2, 9 e 10 (Resolução CONTRAN nº 664/86), mediante Convênio administrado pela FENASEG, mostrando-se mais adequada a modalidade de operação em pool de seguradoras ante as características próprias do seguro DPVAT.

 

No ano de 2006, com objetivo de promover o alinhamento das operações do DPVAT com as mais modernas práticas de governança corporativa, o CNSP editou a Resolução nº 154, alterando o então vigente modelo de operação, daí determinando dois consórcios específicos, um para as categorias 1, 2, 9 e 10, e outro para as categorias 03 e 04, que acabaram sendo constituídos a partir de 2007, com início de vigência em janeiro de 2008, sob a liderança da Seguradora Líder dos Consórcios de Seguro DPVAT S. A. (em providencial substituição à FENASEG, já que esta, como entidade sindical, não estava sujeita a fiscalização e controle da SUSEP), restando assegurado, com esta mudança, a manutenção dos princípios que nortearam o funcionamento desse seguro através de um pool de seguradoras que, dentre os seus objetivos e missão, se destacava também o da mais ampla divulgação do seguro, de modo a preservar, ainda mais, a sua função social.

 

Tais características especiais e peculiares do DPVAT, no entanto, não o afasta, jamais, da sua condição de seguro privado, até porque de direito privado é a sua operação, assim como de direito privado são as seguradoras que o operam, todas constituídas sob a forma de sociedades anônimas.

 

Tampouco lhe é retirada a sua natureza contratual, pois é e sempre foi contrato de seguro privado, apesar de seu modo próprio de ser contratado, mas, como os demais seguros, mormente os de massa, é contrato por adesão, no caso às cláusulas legais, o que não o diferencia dos demais contratos do gênero, ainda que estes o sejam por adesão a cláusulas contratuais cujos parâmetros básicos são ditados por atos normativos infralegais da SUSEP e CNSP, com força de lei. No DPVAT a adesão do proprietário ocorre na compra do veículo, enquanto a do segurador no momento em que adere ao Consórcio e se compromete a cumprir as suas regras.

 

O DPVAT seria como que um “avatar” do seu “ancestral” RCOVAT, uma reencarnação aperfeiçoada deste que, por definição, se traduzia e se denominava como o “SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBRIGATÓRIO DOS PROPRIETÁRIOS DE VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE” – morto nos anos setenta no parto, ou como queiram na estreia do seguro DPVAT (a Lei 6.194/74 foi, a um só tempo, “parteira” do DPVAT e “coveiro” do RCOVAT) -, que girava sob o regime da responsabilidade objetiva baseada na culpa presumida – juris tantum – independente de apuração de culpa, mas admitindo prova em contrário, diferentemente do DPVAT em que preside a responsabilidade objetiva pura, jure et de jure, calcada na infortunística, que teve o mérito de acabar com o que, antes mesmo do RCOVAT, se denominava “loteria da culpa”, porque as vítimas desafortunadas do trânsito acabavam não obtendo a indenização pelo infortúnio porque, não raro, tendo de cumprir a via crucis da prova da culpa do condutor, ainda carregavam o ônus de demonstrar o valor da indenização a que fariam jus. No RCOVAT, diferentemente do DPVAT, se cobria danos pessoais e também materiais, mas havia uma lista legal de excludentes, tais como os danos causados aos proprietários, condutores, parentes, sócios etc.

 

O seguro DPVAT, aperfeiçoado pela idéia criativa do legislador brasileiro é, hoje, no cenário mundial, um dos mais avançados seguros com finalidade social no campo do risco automobilístico, dada inclusive a eficiência e a dinâmica com que as vítimas e ou seus beneficiários são indenizados, pelo espírito mutualista que o rege.

 

Por aí se vê que o DPVAT já nasce mostrando, nos seus cromossomas, sua índole genética predominante de seguro de responsabilidade civil, sem, no entanto, esconder de seu DNA alguns matizes de seguro de acidentes pessoais, ao reconhecer que sua cobertura também se estende ao próprio condutor e ou proprietário do veículo e causador do dano, coisa que naturalmente não ocorre em nenhum outro seguro de responsabilidade civil.

 

O RCOVAT, que teve vida efêmera, foi por muitos considerado uma espécie de “presente de grego” ao mercado segurador para “compensá-lo” da então estatização do Seguro de Acidentes do Trabalho.

 

ÂMBITO DE COBERTURA

 

Como se sabe, as coberturas do seguro DPVAT são as de: (I) morte; (II) invalidez permanente total e parcial (podendo esta ser completa ou incompleta) – No caso de invalidez permanente total, o benefício corresponderá ao valor máximo da indenização, igual ao da indenização por morte. No caso de invalidez parcial, o valor da indenização será apurado consoante uma tabela anexa à lei, conforme essa invalidez parcial seja completa ou incompleta de acordo com a extensão das perdas anatômicas ou funcionais, obedecidas as regras ali inseridas – e; (III) reembolso de despesas de assistência médica e suplementares – DAMS, valendo destacar que se o atendimento é feito pelo SUS, diretamente ou através de ente conveniado, não há falar em indenização no campo da DAMS e, frise-se, se o atendimento for feito em caráter particular, é expressamente vedada a cessão de direito ou de crédito.

 

O hospital, ou qualquer ente médico conveniado ao SUS, tem a obrigação de atender o paciente por conta desse convênio para o qual é remunerado, mormente nas urgências e emergências que costumam ocorrer nos acidentes de trânsito, objeto de cobertura pelo DPVAT, não sem lembrar de que o SUS, por sua vez, tem como fonte de custeio dessa remuneração aos seus conveniados, além dos impostos e contribuições da seguridade social, quase que metade da receita bruta do prêmio do próprio seguro DPVAT, por determinação do art. 27 da lei 8.212/91, justo para fazer face a atendimentos como que tais.

 

Não raro, dúvidas afloram sobre cumulação do DPVAT com os seguros de acidentes pessoais e acidentes do trabalho, como também e principalmente versando a cobertura do seguro DPVAT, em situações especiais por onde se verifica a existência de um dano pessoal, muitas vezes, contudo, sem haver relação de causalidade com o uso do veículo.

 

Mesmo caracterizado e registrado como acidente de trabalho, tal não determina, necessariamente, que o evento não possa ser enquadrado também como acidente causado por veículo automotor ou por sua carga, a pessoa transportada ou não. Tal não induz que o acidente não possa também estar coberto pelo DPVAT, pois há de se considerar que acidentes cobertos pelo DPVAT podem perfeitamente configurar-se também como acidente do trabalho, bastando que se trate de evento de que resulte dano pessoal, a um só tempo causado por veículo automotor e decorrente de uma relação de emprego estando a vítima em serviço, no seu in intinere.

 

Pode também suceder um acidente de trânsito coberto cumulativamente pelo DPVAT e pelo seguro de acidentes pessoais, bastando tratar-se de um evento súbito, violento, exclusivo, involuntário, externo, que por si só e independentemente de qualquer outra causa tenha como consequência direta a morte ou a invalidez do segurado e ou despesas médicas.

 

Até porque, enquanto o seguro DPVAT participa do princípio indenitário, tanto que a prestação do segurador é o pagamento de uma indenização, o seguro de acidentes pessoais, qualificado como seguro de pessoa pela nova dicção do Código Civil, ao contrário, não tem natureza indenizatória e o pagamento devido pelo segurador ao beneficiário é um capital segurado, livremente estipulado nos termos do artigo 789 do Código Civil.

 

Ressalte-se, no entanto, que é juridicamente falsa a difusão entre o público de que o seguro DPVAT deve cobrir todas as hipóteses de acidente envolvendo um veículo automotor de via terrestre, ou toda cena de dano pessoal em que o veículo seja figurante, sendo preciso escoimar os casos verdadeiramente cobertos daqueles que guardam apenas a aparência de cobertura, de modo a se alcançar os verdadeiros critérios de “uso” e “nexo de causalidade”.

 

Primeiramente não se pode abstrair o fato de ser considerado risco o uso do veículo. Esse risco há de erigir da própria natureza do automotor como meio de transporte e enquanto utilizado como tal, deslocado para a via pública, ou seja, em sua atividade funcional no momento da produção do dano, razão pela qual quando desativado, por exemplo, em uma oficina para manutenção, ou conserto, não se poderá dizer produtor do risco coberto pelo seguro em apreço, devendo o risco decorrer da circulação do veículo, de regra em via pública.

 

Afinal o auto é móvel, automotor, e para isso o licenciamos e pagamos o DPVAT para cobrir o risco de sua circulação, enquanto máquina perigosa, em benefício das vítimas do trânsito, jamais como objeto estático.

 

O veículo há de ser o causador do dano e não mera concausa passiva, tem que contribuir para o dano. Estando estacionado necessário que ocorra uma ação espontânea, mecânica, sem interferência da vítima, exigindo-se um nexo causal adequado, por isso segundo a L. 6.194/74 cobre o dano pessoal causado por veículo automotor ou por sua carga. O nexo de causalidade exigido não se dispensa nas indenizações por responsabilidade objetiva.

 

Também entendo, em que pese entendimento contrário, não estar incluído no âmbito da cobertura do DPVAT o feto natimorto em decorrência de acidente de trânsito, não podendo ser considerado segurado ou beneficiário do seguro em causa. É que se o feto não teve vida extrauterina, é dizer, se falecera no interior do útero, ainda que em decorrência do acidente, não encontra, legal e juridicamente, a cobertura do seguro DPVAT, que cobre somente os danos a pessoas naturais, sabido que, consoante o art. 2º do Código Civil o feto, para se tornar pessoa e como tal adquirir direitos e obrigações, precisa nascer com vida, respirar o ar de fora, o ar comum, pois só assim adquire personalidade jurídica. O mesmo dispositivo confere uma expectativa de direito do feto desde a concepção, é verdade, mas se não nascer com vida essa expectativa não se transforma em direito adquirido, não faz do nascituro um sujeito de direitos e obrigações.

 

NATUREZA JURÍDICA E ELEMENTOS

 

Já vimos que o DPVAT é, inexoravelmente, contrato, apesar de sua natureza jurídica de obrigação legal e, como tal, contrato bilateral, oneroso, aleatório, formal.

 

E, assim como os demais contratos de seguro, obrigatórios ou não, o DPVAT também possui seus elementos básicos, a saber: prêmio, indenização, risco e boa-fé, que gravitam em torno de uma grande placenta chamada mutualidade.

 

Quanto à boa-fé, sendo seguro contratado por bilhete, com dispensa de proposta, o DPVAT se submete também aos artigos 10 e 11 do Decreto-Lei nº 73/66, que tratam da contratação mediante simples emissão de bilhete, cujo caput de seu artigo 11 estabelece: “Quando o seguro for contratado na forma estabelecida no artigo anterior, a boa fé da Sociedade Seguradora, em sua aceitação, constitui presunção “juris tantum”).

 

 

 

SEGURO DE DANO X SEGURO DE PESSOA.

 

É natural a discussão que costuma se travar sobre ser o DPVAT seguro de responsabilidade civil ou de acidentes pessoais, tentando alguns enquadrá-lo na modalidade de seguro de dano, outros na de seguro de pessoa.

 

O STJ para chegar ao entendimento pacificado pela sua Súmula nº 405, de que a ação de cobrança do DPVAT prescreve em três anos, reconheceu ser ele seguro de responsabilidade civil, ao mandar aplicar o prazo prescricional próprio para os seguros dessa modalidade, previsto no artigo 206, § 3º, inciso IX, segundo o qual “prescreve em três anos a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório”.

 

Mas o STJ já havia de algum modo direcionado esse seu entendimento quando editou a súmula nº 246, ao julgar que “o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada.”

E só os seguros da mesma espécie são suscetíveis de dedução, por isso valores dos seguros de pessoa jamais são dedutíveis dos de seguros de dano e vice-versa, posto não serem seguros cumulativos, já que os seguros de dano, face o princípio indenitário que os rege, têm natureza repositória.

 

Não se pode ignorar que o DPVAT se apresenta como seguro de responsabilidade civil atípico, mas somente porque cobre também os danos causados ao condutor do veículo, é dizer, ao próprio causador, que poderia nesse ponto se impregnar com pigmentos do seguro de acidentes pessoais. Mas nem por isso se lhe retira o brasão da família dos seguros de responsabilidade civil legalmente obrigatórios. O proprietário do veículo causador, ao contratar em caráter obrigatório o seguro DPVAT, realiza uma estipulação em favor de terceiro, terceiro este de regra não conhecido no momento da celebração do contrato, mas por ocasião do sinistro (salvo o proprietário quando estipula em favor dele mesmo), que, sendo titular do benefício, tem ação direta exclusiva contra a seguradora, diferentemente do seguro de responsabilidade civil facultativo, que tem por objeto, não estipular benefício a terceiro, mas a proteção do patrimônio do próprio segurado proprietário do veículo, visando à reposição, por reembolso, do valor desfalcado pelo desembolso da indenização do dano causado a terceiro.

 

O DPVAT é seguro sui generis de responsabilidade civil, porque concebido com o fito, eminentemente social, de transferir para o segurador, embora por valores limitados, os efeitos econômicos dos riscos da responsabilidade civil objetiva do proprietário (teoria do risco), de reparar os danos que sua máquina perigosa possa causar às vítimas desafortunadas do trânsito independentemente de culpa. Embora não seja classificável como seguro de responsabilidade civil puro, por outro lado não seria também seguro tipicamente de pessoa porque escaparia, a rigor, da definição que os arts. 789 e seguintes do Código Civil reservaram para tal modalidade de seguro, na classificação dicotômica do Código Civil (de dano e de pessoa), a começar pelo fato de não haver a estipulação livre de um capital segurado, ou pelo fato de o DPVAT, ao contrário do seguro de acidentes pessoais, admitir a sub-rogação (vedada nos seguros de pessoa consoante o art. 800 do CC), também pelo fato de operar a primeiro risco do Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo, este que também é seguro de dano na classificação do Código Civil. Diante de toda essa hibridez, meio que camaleônica, do seguro DPVAT, traduz uma estipulação não só em favor de terceiro como ao próprio estipulante proprietário e ou causador do dano. Ele é contratante em relação a terceiro e beneficiário enquanto vítima, sendo que, no ato da estipulação reserva para si a condição de beneficiário.

 

O AVISO DE SINISTRO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE

 

Embora referente a demanda do seguro social do INSS, vale também para o DPVAT decisão proferida em plenário do STF, de relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO, em meados do ano passado, (RE 631240), com repercussão geral reconhecida, pontificando entendimento de que a exigência de prévio requerimento administrativo antes de o segurado recorrer à justiça não fere a garantia de livre acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV da CF), pois sem pedido administrativo anterior não fica caracterizada lesão ou ameaça de direito, pois negado o benefício não haverá impedimento ao segurado para ingressar no judiciário.

 

Nesse sentido o Enunciado nº 03/11 do TJRJ, impondo a necessidade do aviso de sinistro para a regulação e condição da ação judicial após negativa do pedido ou decurso de 30 dias sem manifestação da seguradora, prazo estabelecido no art. 5º da L. 6.194/74 para regulação do sinistro. Antes disso não se caracteriza resistência à pretensão do segurado e, consequentemente, lesão de direito.

 

O novo CPC tipificou o princípio da causalidade, consagrando a falta de resistência e conseqüente desoneração da demandada dos ônus da sucumbência se não teve oportunidade de analisar previamente o pedido de indenização para deferi-lo ou não, prevenindo, assim, a judicialização da regulação do sinistro, que é tarefa imprescindível e de responsabilidade da seguradora.

 

EPÍLOGO: Nem mesmo a função social dos contratos pode significar simplesmente a anulação dos pactos, benemerência para uns em detrimento de outros. Máxime nos seguros obrigatórios, porque as suas cláusulas não são ditadas ao alvedrio das partes, mas por imperativo da lei. Não é incomum se ver confusão entre a possível fragilidade de uma parte com a debilidade de sua pretensão jurídica, valendo lembrar as palavras do eminente Desembargador CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO:poderia até parecer socialmente bom querer aumentar a responsabilidade das seguradoras por razões exclusivamente humanitárias, mas seria injusto. E o que é injusto nunca será socialmente bom.”

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