Os Seguros Obrigatórios no Brasil

Ricardo Bechara Santos1

 

Sumário: 1. O Plano Diretor da SUSEP – 2. Justificativa para um seguro obrigatório – 3. Seguros obrigatórios no Decreto-Lei nº 73/66. 4. Os seguros obrigatórios não estão livres de má interpretação – 5.  Outros mecanismos de criação de seguros obrigatórios – 6. Seguro obrigatório de condomínio – 7. Seguro obrigatório de condomínio x SFH – 8. Seguro obrigatório de incêndio pessoa jurídica – 9. Seguro de crédito a exportação – 10. Seguro obrigatório do construtor de imóvel. 11. Sinopse dos seguros obrigatórios, nos vários modais de transporte, e na propriedade de embarcações e aeronaves – 11.1. Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – Carga – RCTR-C – 11.2. Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo – Carga – RCTA-C – 11.3. Responsabilidade Civil do proprietário ou explorador de aeronave/transportador – 11.4. Responsabilidade Civil do Transportador Aquaviário Carga – RCA-C. 11.5. Responsabilidade Civil do Transportador Ferroviário Carga – RCTF-C – 12. Destaques de alguns dispositivos do Código Civil pertinentes ao tema deste estudo – 13. Referências.

 

  1. O Plano Diretor da SUSEP

 

Em 1992 foi editado e publicado o “Plano Diretor do Sistema de Seguros, Capitalização e Previdência Complementar” do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, cujo item 5.3.15 informa sobre a “manutenção dos seguros obrigatórios somente em situações em que se preservem interesses de terceiros”. Realmente, se o seguro se inclui na relação de consumo, conforme o CDC, não faria sentido impor ao “consumidor” um bem ou serviço que ele não deseja contratar, ou consumir, assim como não se pode impor ao “fornecedor” a aceitação de uma contratação de produtos ou serviços que não lhe aprouver, até em face do princípio constitucional da livre iniciativa e economia de mercado. Das duas uma, se é bem de consumo, vislumbra-se uma aparente incompatibilidade com sua aquisição obrigatória, por isso só os seguros facultativos estariam sob a égide do Código do Consumidor, dele se arredando os legalmente obrigatórios, que serão regidos, unicamente, pela lei específica que o rege, e pela que determinou a sua obrigatoriedade bem assim, no que couber, pelo Código Civil (artigo 777: “O disposto no presente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias”).

 

Ora bem, o próprio caráter compulsório do seguro, máxime quando suas condições são estabelecidas pela lei, sem chance do segurado e do segurador escrevê-las, repele por si só a incidência do CDC. Pois não há oferta e, por conseguinte, liberdade alguma de aceitação, justo por se tratar de seguro imposto pela lei com cláusulas e condições já moduladas pelo legislador. É dizer, noutro giro, que não há espaço para aplicação do Código Consumerista, em nenhum de seus atributos, como por exemplo, abusividade de cláusulas, hipossuficiência, responsabilidade solidária etc., já que não escritas pelo segurador, inexistindo, por conseguinte, as figuras de fornecedor e consumidor.

 

O item 30 do Quadro-Resumo anexado ao Plano Diretor prevê a adoção, em longo prazo, de medidas de “revisão dos seguros obrigatórios”, que, em princípio, deverão ser mantidos somente em casos que “preservem interesses de terceiros”, tendo como justificativa para tanto a liberdade de escolha pelo consumidor.

Na minha leitura, o Plano Diretor, aprovado pela FENASEG e ao que consta ainda não modificado em que pese o arco temporal que medeia a sua edição e os dias atuais, orienta no sentido contrário aos seguros obrigatórios novos e pela manutenção dos existentes, mesmo assim apenas para a preservação de interesses de terceiros como, por exemplo, o DPVAT e o DPEM (este em agonia, eis que a única seguradora que decidiu operá-lo anuncia não mais pretender fazê-lo, em face da inadimplência que atinge o nível alarmante de 80%), de cunho eminentemente social.

Não há confundir o fato da obrigatoriedade do seguro com o seu cunho eminentemente social. Uma coisa é visar a cobertura, objetivamente, dos danos a passageiros ou transeuntes vítimas em potencial do trânsito, por exemplo, e, outra, é visar a cobertura do risco da responsabilidade civil do empresário para com outros empresários, importadores e exportadores, consignatários de carga, como soe acontecer na relação de transportes de mercadorias, importação e exportação, também a guisa de exemplo.

É preciso distinguir seguro eminentemente social de seguro privado de finalidade social. Há que se distinguir também seguros obrigatórios de seguros de contratação obrigatória, sendo os primeiros aqueles como tal listados em lei e, os últimos, aqueles que a lei, convenções, contratos e posturas, em situações justificadas, impõem a sua contratação em que pese não constarem do rol dos seguros legalmente obrigatórios, mas que são seguros já regulamentados e disponíveis no mercado inclusive para contratação facultativa.

De lembrar que consoante artigo 788 do CC, cabe ação direta do terceiro contra o segurador nos seguros de responsabilidade civil legalmente obrigatórios (não necessariamente nos de contratação obrigatória), razão pela qual, embora listados dentre os obrigatórios, por sua natureza não justificaria a ação direta, como é o caso, por exemplo, do seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga (RCTR-C), até pela inviabilidade decorrente do cumprimento desse dispositivo do CC para tal seguro de responsabilidade civil dito compulsório, que envolve um grande número de consignatários de mercadorias numa mesma viagem, tendo sido prática corrente a de se pagar ao transportador diretamente, que é o segurado no caso, dado que o segurador, a rigor, muitas vezes sequer tem contato com os diversos consignatários dessas mercadorias transportadas.

Em princípio, todo seguro, por sua própria arquitetura, tem finalidade social, sendo uns com maior, outros com menor carga de socialidade. E não é, necessariamente, a sua obrigatoriedade legal que deve medir a natureza social de cada qual.

O seguro vive e se alimenta da colaboração de muitos para formação do fundo necessário ao pagamento das indenizações. É custeado pelos próprios segurados, mediante o pagamento de um prêmio que varia de acordo com as condições técnicas e atuariais do risco.  Mas nem todas as pessoas dispõem de rendimento para contratar seguro, sendo por isso marginalizadas quanto a seus benefícios, como os operários de baixa renda, os transeuntes menos favorecidos etc.

Efetivamente, o seguro de Responsabilidade Civil do Transportador de Carga, por exemplo, não traz em si as galas de um seguro eminentemente social, até porque, tanto o segurado, o transportador, como o consignatário/destinatário da carga, são pessoas que normalmente possuem condições de arcar com o prêmio, tanto que o consignatário também realiza, por outro lado, o seguro contra o risco da própria carga, os chamados seguros de Risco Rodoviário – RR. O empresário, sem altruísmo, tende a fazer seguro para proteger o seu patrimônio, independentemente de uma lei que a tanto o obrigue.

Em suma um seguro, se deve ser obrigatório, o seria mais por sua demanda e necessidade, não por imposição legal. De nada adianta ser obrigatório para o segurado se não o for para o segurador, sabido que a este, por garantia constitucional, está assegurado o direito de aceitar tão somente os riscos e seguros que lhe aprouver.

Aliás, o DPVAT é o único seguro que conseguiu sua efetividade e operabilidade como tal, graças ao sistema de consórcios e à sua contratação mediante bilhete incrustado no Documento Único de Trânsito – DUT, o que assegura a sua efetiva realização por todos os proprietários de veículos automotores ou, ao menos, a garantia de que as vítimas, segurados e ou beneficiários possam receber a indenização mesmo que o proprietário não o tenha realizado ou pago o prêmio, esteja identificado ou não o veículo.

 

Nos demais seguros legalmente obrigatórios, conquanto a lei possa determinar sua realização compulsória pelo segurado, a eficácia dessa obrigatoriedade não é garantida por não se poder, do outro lado, compelir uma seguradora a aceitar o risco de que tal ou qual seguro se ocupe, face o princípio da livre iniciativa e da liberdade de mercado, como dito esculpido no artigo 170 da CF. Já com o sistema de consórcios do seguro DPVAT, as seguradoras são como que induzidas coletiva e solidariamente a operá-lo, dando-se, assim, asas à sua vocação de seguro compulsório e, como tal fazendo valer os princípios da efetividade e operabilidade de um seguro que se apresente autenticamente como obrigatório e, sobretudo, de finalidade eminentemente social.

 

2 – Justificativa para um seguro obrigatório

Todavia, com a intensificação dos riscos, pelo desempenho das atividades industriais, comerciais, administrativas ou até recreativas, as pessoas ficaram expostas a um perigo maior e, para atenuar os malefícios da lesão, propiciando às vítimas melhores perspectivas de ressarcimento, ganhou gradativo relevo o seguro de responsabilidade civil, a ponto de tornar-se compulsório. Entretanto, mesmo no Brasil, já se conheciam outros tipos de seguros obrigatórios, dentre eles o de acidentes do trabalho (Decreto nº 24.637/34, para não irmos mais longe), contra incêndio de edifícios de mais de cinco andares e mercadorias depositadas em armazéns gerais (Lei n° 5.418/28).

Criou-se a consciência de que o seguro compulsório seria uma garantia que o Governo ou o Estado exige para proteger as vítimas, em razão do número crescente de eventos danosos, mas sem a ele imprimir caráter tributário, na medida em que seu custeio continua sendo o prêmio, como contraprestação da garantia do risco, mas com a gestão de um segurador, como requisito mínimo de solidariedade, atribuído àqueles que colocam em perigo as pessoas e seus bens no exercício de uma atividade ou na utilização de uma coisa perigosa. Este teria sido, decerto, o pensamento do legislador ao elencar os seguros obrigatórios, mormente de responsabilidade civil, no artigo 20 do DL n° 73/66.

Ao menos em relação aos seguros de responsabilidade civil de veículo automotor de via terrestre, portanto, que se destaca como a máquina mais perigosa do planeta, tal iniciativa não é inédita no mundo, a exemplo do que sucede no Brasil com o DPVAT, instituído pela Lei nº 6.194/74, seguindo as pegadas da legislação da maioria dos povos em que o veículo automotor se apresenta como antagonista de acidentes de trânsito.

Exemplo típico de seguro que se justificaria como eminentemente social e, portanto, obrigatório, seria o seguro de acidente do trabalho (SAT).

O SAT já foi seguro privado obrigatório de responsabilidade civil do empregador em nosso país até sua estatização nos idos de 1967 e, como tal, pode retornar dependendo da vontade política de se cumprir o artigo 201, § 10 da CF, cuja redação a seguir foi introduzida pela EC nº 20/98:

Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.”

O art. 7º, inciso XXVIII da CF insere dentre os direitos sociais do trabalhador:

Seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”

Mas curioso é que ainda consta como vigente a Súmula nº 229 do STF, in literis:

A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador.” (o grifo não é do original).

A obrigatoriedade desse seguro asseguraria indenização às vítimas de acidente do trabalho que assola o país, independentemente da insolvência do empregador.

A inércia do Legislativo já recomendaria Mandado de Injunção conforme artigo 5º, inciso LXXI da CF (“Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”). Matéria, aliás, recentemente regulamentada pela Lei nº 13.300, de 23 de junho de 2016, que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo e dá outras providências.

Cabe enfatizar que, ante o referido marco regulatório o SAT se desdobra em duas características: a do Modelo Privatizado e a do Modelo Previdenciário, sendo conveniente destacar a distinção entre indenização acidentária e beneficio previdenciário, conforme síntese que adiante se mostra.

Modelo privatizado

  1. Teoria da Culpa:

– Seguro privado de Responsabilidade Civil do Empregador.

– Responsabilidade Subjetiva – Comprovação da culpa do empregador.

As normas que antecederam a nossa primeira Lei de Acidentes do Trabalho (1919) eram de Direito Privado e regido pela responsabilidade subjetiva, devendo o acidentado provar a culpa do patrão (loteria da culpa). Esse ônus, quase sempre inalcançável pela própria hipossuficiência do obreiro, inviabilizava a reparação, prejudicando direitos básicos do trabalhador e reduzindo os efeitos sociais desse seguro. Daí o abandono de tal teoria, no Brasil e no Mundo.

  1. Teoria do Risco Profissional:

− Seguro privado de Responsabilidade Civil do Empregador (obrigatório).

− Responsabilidade Civil Objetiva – Sem indagação de culpa.

Com a evolução industrial verificou-se que o princípio milenário da culpa não seria suficiente para resolver problemas da era industrial, com severo incremento de vítimas de acidentes do trabalho. A imperiosa necessidade de que nenhum dano pudesse ficar sem reparação, inspirou a teoria do risco profissional (responsabilidade objetiva), baseada na abstração de qualquer ideia de culpa.

Assim, o dano causado pelo trabalho, deixou de ser aferido pela culpabilidade, por não se adequar às novas técnicas de trabalho e da produção industrial. O empregador passa a suportar a reparação do dano de acordo com a nova concepção, respondendo, objetivamente, pelos riscos inerentes ao exercício da atividade empresarial.

Quando se adota a teoria objetiva, a indenização é limitada (tarifada), porque o empregador paga sempre, já que não se indaga culpa.

Para garantir certeza do pagamento, e proteger o acidentado contra a insolvência do patrão, o seguro torna-se compulsório, pela transferência do risco do empresário para o segurador, realçando a finalidade eminentemente social desse seguro.

Com base nesta teoria, adotada na Alemanha, pelo Governo Bismark, em 1884, na primeira lei específica de acidentes do trabalho do mundo, e seguida por diversos países, a partir do inicio do século passado, foi editado, no Brasil, o Decreto Legislativo nº 3.724 de 15.01.1919 e todas as sucessivas leis especiais sobre o SAT, que vigoraram no país até 1967, quando o seguro foi integrado à Previdência Social.

Modelo previdenciário

Teoria do Risco Social:

− Seguro Público ou Social.

− Supressão da responsabilidade civil do empregador.

− Risco suportado pela sociedade e não apenas pelo empregador.

Nessa teoria, a responsabilidade pelos danos advindos dos acidentes do trabalho deve ser de toda a coletividade em face da função social da empresa, carecendo de fundamento das coberturas com base na responsabilidade civil do patrão. A Teoria do Risco Social apoia-se na crescente importância da Seguridade Social e no imperativo social do progresso econômico, de cujo proveito toda a sociedade se beneficia. O desenvolvimento de novas tecnologias e de complexos processos industriais, imprescindíveis para a evolução da sociedade moderna e pós-moderna, ampliaram ainda mais a incidência de acidentes, com consequências imponderáveis para o empregador. Assim, para preservar a incolumidade econômica da empresa e tutelar o empregado dentro do esquema da Previdência Social, cujo objetivo fundamental é o bem estar coletivo, o legislador de 1967 acolheu a doutrina da responsabilidade coletiva pelos riscos sociais.

Equívoco supor que o seguro só possa revestir-se de caráter social se operado por um órgão público. A prática tem demonstrado o contrário, tanto que o seguro saúde e o DPVAT, sociais por excelência, vêm sendo operados pelo segurador privado. Percepção a que também chegou o legislador constitucional de 88 ao quebrar o monopólio do SAT.

3 – Seguros obrigatórios no Decreto – Lei nº 73/66

Para melhor lembrança e visualização do leitor, vale uma visitação ao artigo 20 do Decreto-Lei nº 73/66, transcrevendo-o como segue:

“Art. 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:

  1. a) danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais;
  2. b) responsabilidade civil do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo;
  3. c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas;
  4. d) bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras públicas;
  5. e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e construtor de imóveis;
  6. f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária;
  7. g) edifícios divididos em unidades autônomas;
  8. h) incêndio e transporte de bens pertencentes a pessoas jurídicas, situados no País ou nele transportados;
  9. j) crédito à exportação, quando julgado conveniente pelo CNSP, ouvido o Conselho Nacional do Comércio Exterior (CONCEX);
  10. l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não;
  11. m) responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada.

 Parágrafo único.  Não se aplica à União a obrigatoriedade estatuída na alínea “h” deste artigo.”

Não sem lembrar, também a propósito, das disposições que se seguem ao dispositivo acima transcrito do mesmo Decreto-Lei:

Art. 21. Nos casos de seguros legalmente obrigatórios, o estipulante equipara-se ao segurado para os efeitos de contratação e manutenção do seguro.

  • 1º Para os efeitos deste decreto-lei, estipulante é a pessoa que contrata seguro por conta de terceiros, podendo acumular a condição de beneficiário.
  • 2º Nos seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados.
  • 3º O CNSP estabelecerá os direitos e obrigações do estipulante, quando for o caso, na regulamentação de cada ramo ou modalidade de seguro.
  • 4º O não recolhimento dos prêmios recebidos de segurados, nos prazos devidos, sujeita o estipulante à multa, imposta pela SUSEP, de importância igual ao dobro do valor dos prêmios por ele retidos, sem prejuízo da ação penal que couber.

 Art. 22. As instituições financeiras públicas não poderão realizar operações ativas de crédito com as pessoas jurídicas e firmas individuais que não tenham em dia os seguros obrigatórios por lei, salvo mediante aplicação da parcela do crédito, que for concedido, no pagamento dos prêmios em atraso.

Parágrafo único. Para participar de concorrências abertas pelo Poder Público, é indispensável comprovar o pagamento dos prêmios dos seguros legalmente obrigatórios.”

Com efeito, o Decreto nº 61.867/67, se propôs a regulamentar os seguros obrigatórios previstos no art. 20 do DL n° 73/66. O DPVAT e o DPEM, todavia, já se encontram regulados por normas próprias, assim como os seguros de responsabilidade do transportador. Cabe a propósito mencionar em síntese os seguintes, dentre os seguros listados no artigo 20:

Seguro de responsabilidade do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo, que cobre, no mínimo: (I) danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais, suas bagagens, acompanhadas ou não, nos limites estabelecidos pelo Código Brasileiro do Ar (CBA); (II) responsabilidade civil extracontratual do proprietário ou explorador de aeronaves.

Seguro contra riscos de incêndio de bens (móveis e imóveis) pertencentes a pessoas jurídicas, desde que localizados em um mesmo terreno ou em terrenos contíguos e que tenham, isoladamente ou em conjunto, valor igual ou superior à determinada quantia, devendo ser adotados valores de reposição dos bens.

Seguro de transporte de bens pertencentes à pessoa jurídica, contra riscos de força maior e caso fortuito, inerentes aos transportes rodoviário, ferroviário, aéreos e hidroviários.

Seguro de garantia do cumprimento das obrigações a cargo do mutuário. Seguro Garantia Imobiliário, de obrigatoriedade duvidosa até em face de inexistir regulamentação completa como tal.

Seguro de bens em garantia de empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras públicas, que deve ser contratado em montante correspondente ao respectivo valor de reposição.

Seguro de crédito à exportação (instituído pela Lei n° 4.678/65).

 

4 – Os seguros obrigatórios não estão livres de má interpretação

 

E isso pode acontecer até mesmo entre os seguros mais usuais, como o DPVAT e o DPEM, confusão essa felizmente sanada pelo STJ como segue.

A 4ª Turma do STJ definiu que, em casos de acidente náutico, a indenização deve ser paga pela seguradora da embarcação, e não por seguradora de veículo terrestre, desacolhendo o pedido de uma viúva para que a Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT complementasse o valor da indenização.

Na ação, a viúva alegou que a Lei n° 8.374/91 – que dispõe sobre o DPEM -, não estipula valor indenizatório e, por analogia, o valor a ser utilizado deveria ser, segundo ela, o previsto na Lei n° 6.194/74 (que regula o DPVAT).

O juízo da 2ª Vara Cível de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, acolheu o pedido da viúva e determinou que a Seguradora Líder arcasse com a diferença entre o que fora pago e o que está previsto na lei, entendendo que o DPVAT e o DPEM deveriam ser tratados da mesma forma.

A Seguradora Líder apelou, sustentando sua ilegitimidade passiva, uma vez que o acidente em questão envolve embarcação e não veículo automotor terrestre. Esclareceu, ainda, que a viúva deveria ter acionado a seguradora emitente do bilhete do seguro DPEM, conforme a Lei n° 8.374/91.

O TJSC reformou a sentença, entendendo que as ações de cobrança de seguro obrigatório envolvendo embarcações são regidas pela Lei n° 8.347/91, no que torna inaplicável a Lei n° 6.194/74 devido à sua especialidade. Decisão que foi confirmada pelo STJ.

 

5 – Outros mecanismos de criação de seguros obrigatórios

 

Os seguros costumam se tornar obrigatórios também por Convenção Coletiva de Trabalho (saúde e de pessoa) e também por leis específicas.

 

Mas existem carradas de iniciativas de projetos de leis estaduais e municipais propondo obrigatoriedade de seguros específicos, que esbarram em vícios de inconstitucionalidade por faltar competência a esses entes federativos para legislar sobre seguro (CF, art.22, VII). A não ser como condição de alvará de autorização para funcionamento de estabelecimento que, dentre outros requisitos, se exige um seguro já regulamentado, hipótese em que, a rigor, não se estaria legislando sobre seguro, mas os Estados e Municípios exercendo o seu poder discricionário. São os chamados seguros de contratação obrigatória. É o caso do seguro de responsabilidade civil do empresário como condição de habilitação para operar, dos quais são exemplo os seguros de responsabilidade civil e ou de acidentes pessoais para realização de grandes shows.

 

A propósito da enxurrada de tentativas de se legislar nos Estados e Municípios sobre seguro, inclusive para torna-lo obrigatório, vale destacar a mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal barrando tais medidas. É o caso da decisão proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.402, pela qual o STF, no apagar das luzes do ano passado (2015), julgou inconstitucional a Lei nº 11.265/02 do Estado de São Paulo, que pretendia estabelecer o seguro obrigatório de acidentes pessoais coletivo para eventos artísticos, desportivos, culturais e recreativos com renda resultante de cobrança de ingressos, reconhecendo a sua inconstitucionalidade formal por invasão da competência privativa da União para fazê-lo. Tudo, independentemente de se tratar ou não de seguro de contratação obrigatória ou de criação de novo seguro obrigatório.

 

Também por atos normativos infra legais pode-se constatar a existência de seguro na sua forma compulsória. É o caso do seguro de responsabilidade civil do corretor de resseguro, valendo observar que o monopólio do resseguro sempre dispensou a sua regulamentação, dado a ausência de intermediação. Com a abertura, foi editada a CNSP n° 164/07 dispondo, inclusive, sobre a corretagem de resseguro, permitida apenas para corretora pessoa jurídica, cuja constituição e funcionamento dependem de autorização da SUSEP e exigência de seguro de RC profissional por erros e omissões (CNSP n° 164/07, art. 10, § 2º), com Limite Máximo de Garantia – LMG mínimo de R$10.000.000,00 e franquia máxima de 10% da IS (leia-se mais corretamente Limite Máximo de Indenização LMI, e não Importância Segurada- IS).

 

6 – Seguros obrigatórios de condomínio

 

Regulamentado hoje pela CNSP nº 218/10, foi Instituído pelo art. 13 da Lei n° 4.591/64 (adiante transcrito), para riscos de incêndio e outros riscos cujo sinistro possa causar destruição no todo ou em parte da edificação ou no conjunto de edificações, incluindo as unidades autônomas e partes comuns do condomínio.

 

“Art. 13. Proceder-se-á ao seguro de edificações ou do conjunto de edificações, neste caso, discriminadamente, abrangendo todas as unidades autônomas e partes comuns, contra incêndio ou outro sinistro que cause destruição no todo ou em parte, computando-se o prêmio nas despesas ordinárias do condomínio”.

 

Como seguro de dano, incide a disciplina suplementar das seções I e II do Capítulo do CC que trata do contrato de seguro e Circular SUSEP n° 256/05 (CC art. 777).

 

O prêmio é calculado em função dos ingredientes técnicos do risco garantido, dentre eles o valor de reconstrução, o valor atual (valor em risco do bem no dia e local do sinistro) e valor de novo (valor em risco referente ao custo de reposição e sem depreciação pelo tempo, uso ou desgaste, mas sujeito a limitações), se caso, mas sempre nas balizas do valor estabelecido como LMG (Limite Máximo de Garantia), cuja indicação na conclusão do contrato, é de responsabilidade do segurado, auxiliado pelo seu corretor.

 

Se por economia o segurado atribuir valor inferior ao do bem se submeterá aos efeitos da cláusula de rateio (tratado como sub seguro conforme art. 783 do CC), tornando-se auto segurador da diferença. Deve ser contratado a primeiro risco absoluto se a expectativa de dano médio for igual a 100% do risco coberto, caso em que não haverá rateio, mas sempre sujeito ao LMG (CC artigos 778 e 781). Tudo pautado no princípio da boa-fé.

 

Costuma-se levar em conta a depreciação do imóvel (princípio indenitário), que não integra o conceito do risco (já que ocorre de maneira gradativa e natural), não sem lembrar que a sua contratação é de responsabilidade do síndico, que responderá por sua omissão.

Consoante a antes citada Resolução CNSP nº 218/10 tal seguro deve ser oferecido nas seguintes modalidades:

 

− Cobertura Básica Simples (incêndio, queda de raio dentro do imóvel segurado e explosão de qualquer natureza, mais coberturas adicionais que podem ser contratadas de acordo com os riscos a que estiver sujeito o condomínio segurado) e;

 

−Cobertura Básica Ampla (quaisquer eventos que possam causar danos materiais ao imóvel, exceto os expressamente excluídos). A IS/LMG é única para todas as garantias, sendo vedados sublimites.

 

São riscos excluídos: prejuízos resultantes de má qualidade, vício intrínseco, desarranjo mecânico, desgaste natural pelo uso, deterioração gradativa, manutenção deficiente ou inadequada, operação de reparo, ajustamento e serviço de manutenção dos bens garantidos, erosão, corrosão, ferrugem, oxidação, incrustação, fadiga, fermentação e ou combustão natural espontânea, atos de autoridade pública (salvo para evitar propagação de danos cobertos), atos dolosos do segurado e beneficiários, danos ou despesas emergentes, exceto eventuais desembolsos para salvamento antes, durante ou depois do sinistro. Não cobre também os conhecidos riscos extraordinários (atos de hostilidade, guerra, insurreição, motim, confisco etc.).

 

A contratação é obrigatoriamente a 1º risco absoluto, sendo o seguro do SFH a 2º risco absoluto enquanto perdurar o financiamento e desde que amparado por seguro compulsório, mas refere-se apenas ao mutuário, não se aplicando às partes comuns do condomínio.

 

7 – Seguros obrigatórios de condomínio x SFH

 

A Lei nº 11.977/2009 que trata do Financiamento de Imóvel pelo Programa Minha Casa Minha Vida, em seu art. 79, dispõe sobre a contratação obrigatória do seguro desde que o financiamento não seja garantido pelos Fundos, estabelecendo que “os agentes financeiros do SFH somente poderão conceder financiamentos habitacionais com cobertura securitária que preveja, no mínimo, cobertura aos riscos de morte e invalidez permanente do mutuário e de danos físicos ao imóvel.

 

Já a Lei n° 9.514/97 do Sistema Financeiro Imobiliário (fora do programa minha casa minha vida), também estabelece sobre a contratação de seguro (aqui somente para a cobertura de Morte e Invalidez), dispondo, em seu art. 5º, que os financiamentos imobiliários em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuados pelas partes, desde que observadas, dentre outras, a seguinte condição essencial: “contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente”.

 

Na alienação de unidades em edificação sob o regime da Lei n° 4.591/64, a critério do adquirente, poderá ser contratado seguro que garanta o ressarcimento ao adquirente das quantias por este pagas, na hipótese de inadimplemento do incorporador ou construtor quanto à entrega da obra.

 

Em resumo: 1) a obrigatoriedade do seguro para financiamento de imóvel referido no artigo 79 da Lei n° 11.977/09 se restringe ao programa minha casa minha vida; 2) os proprietários dos imóveis em condomínio do programa minha casa minha vida, estariam ainda obrigados, se não cobertos pelo seguro do programa, a contratar o seguro obrigatório da lei do condomínio; 3) pelo princípio da livre escolha cabe ao mutuário eleger o seguro e a seguradora que lhe aprouver; 4) quanto aos imóveis sem financiamento e integrantes de condomínio a obrigatoriedade é aquela da lei do condomínio; 5) a obrigatoriedade referida na Lei n° 9.514/97 (morte e invalidez) não tangencia com a da lei do condomínio, que não prevê essa cobertura.

 

8 – Seguros obrigatórios de incêndio pessoa jurídica

 

Conforme estabelecido no artigo 20, letra “h” do DL n° 73 − a cuja obrigatoriedade não está sujeita a União−, o seguro contra incêndio é obrigatório para todos os bens pertencentes a pessoas jurídicas, e a Lei nº 4.591/64, como visto, torna-o obrigatório, também, para as unidades autônomas e partes comuns dos edifícios em condomínio. Muitos empresários e proprietários, até mesmo síndicos, desconhecem essa obrigatoriedade e, por isso, difundindo-a, os corretores lhes estarão prestando serviço de inestimável valia, até em função da responsabilidade que decorre da sua não realização. Sabido e ressabido que o seguro de incêndio é dos seguros de menor custo para o segurado.

 

Tem por objetivo garantir ao segurado reposição dos prejuízos materiais que venha a sofrer pela ação do fogo sobre bens de sua propriedade ou pelos quais seja responsável, garantindo ainda as perdas resultantes de queda de raio, e outros decorrentes diretamente do incêndio, tais como desmoronamento do imóvel, ação da água da chuva, providências tomadas para combate ao fogo, despesas com desentulho do local, observado o LMI estabelecido no art. 779 do CC. Sua vigência costuma ser de um ano. Três são os requisitos básicos para o cálculo do prêmio: localização, tendo em vista os recursos de prevenção contra incêndios existentes; ocupação, porque há bens e ou ambientes a segurar de maior ou menor suscetibilidade em relação ao fogo e; construção, porque o tipo de material empregado na construção também pode agravar ou atenuar o risco de incêndio.

 

9 – Seguro de crédito a exportação

 

O seguro de crédito à exportação, a cargo das exportadoras, foi instituído pela Lei nº 4.678/65. Sempre que o crédito for concedido por instituição financeira pública e desde que as condições gerais das operações de seguros permitam a administração das coberturas para o risco (riscos comerciais e riscos políticos e extraordinários, como definidos em lei, regulamentos e normas do CNSP).

 

Riscos Comerciais: as situações de insolvência do devedor (inadimplência; execução; falência/concordata).

 

Riscos Políticos extraordinários: em função de medidas adotadas pelo país de domicílio do devedor gerando o não pagamento etc. (moratória; centralização de câmbio; proibição de remessa de divisas ao exterior; ou medida de efeito similar).

 

A companhia de Seguro de Crédito a Exportação (seguradora única) efetua a cobertura de riscos comerciais de curto e médio prazos, atuando também como agente do Governo Federal na cobertura de riscos políticos e extraordinários.

 

10 – Seguro obrigatório do construtor de imóveis

 

O construtor de imóveis em zona urbana, inclusive os órgãos do poder público, estão também obrigados a fazer seguro em razão de danos que possam ser causados a pessoas ou coisas, que sejam decorrentes da construção como obra de engenharia. Exclui-se dessa cobertura a responsabilidade profissional.

 

11 – Snopse dos seguros obrigatórios, nos vários modais de transporte, e na propriedade de embarcações e aeronaves

 

11.1 – Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário – Carga. RCTR-C

 

Com fundamento na letra “m” do art. 20 do DL n° 73/66, o RCTR-C encontra-se regulamentado pela CNSP Nº 219/10 para, em caráter obrigatório, garantir às empresas de transporte rodoviário de carga o reembolso das indenizações que venham a ser obrigadas a pagar, como responsáveis por perdas e danos sofridos pelos bens ou mercadorias de terceiros que lhes tenham sido entregues para transporte rodoviário no território nacional e países da América do Sul, desde que resultantes de acidentes durante o transporte, tais como: colisão, capotagem, derrapagem, tombamento, incêndio ou explosão, exceto nos casos de dolo ou força maior. Incluem-se entre os riscos cobertos os de incêndio e explosão nos depósitos e armazéns utilizados pelo transportador nas localidades de início, pernoite e destino da viagem, mesmo que os bens segurados se encontrem fora dos veículos. Só pode ser contratado pelo transportador, não pelos donos da carga, estes que deverão contratar o seguro de RR (Riscos Rodoviários). Seu prazo de vigência é de um ano, prorrogável no seu vencimento.

 

Sua contratação é assemelhada à sistemática adotada no seguro de transporte por averbação, isto é, a seguradora emite a apólice, sob a qual são averbados os seguros de todos os bens ou mercadorias confiados ao segurado para o transporte, por meio de uma relação na qual o segurado discrimina, por ordem numérica, todos os manifestos/conhecimentos de carga emitidos com todos os dados relativos aos embarques e com numeração crescente e consecutiva; normalmente adotadas para segurados com grande movimento ou que estejam impossibilitados de utilizar o sistema normal de averbações.

 

É a chamada “averbação simplificada”, em que cada viagem, segundo regras estabelecidas na apólice mestra, representa um seguro autônomo.

 

Conferir com as condições gerais (riscos excluídos; começo e fim da cobertura; bens não compreendidos no seguro; coberturas de bens sujeitos a condições próprias; despesas de salvamento; glossário etc.).

 

As importâncias seguradas são determinadas, como LMG, para cada sinistro (já que podem ser atingidos, em um só acidente, bens de proprietários diversos num mesmo veículo), pelos valores dos bens transportados, declarados à seguradora através das averbações ou relações que acompanham os manifestos/conhecimentos de carga.

 

A responsabilidade assumida pela seguradora, em relação ao transporte tem início no momento em que os bens ou mercadorias são colocados no veículo no local do início da viagem e termina quando são retirados do veículo, no local de destino da mesma viagem. Com relação à cobertura de incêndio ou explosão durante a permanência em armazéns ou depósitos utilizados pelo transportador, existe um prazo especial de vigência (trinta dias prorrogável por igual prazo) contado da data de entrega dos bens ao armazém.

 

Determinados tipos de mercadorias estão sujeitos, por suas peculiaridades, a condições também específicas, tais como: dinheiro, metais preciosos, joias e objetos de raridade, móveis e utensílios domésticos em mudança, animais vivos etc.

 

11.2 – Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo Carga – RCTA-C

 

Hoje regulamentado pela CNSP nº 184/08, tem por objetivo garantir ao segurado (transportador aéreo), até o valor do LMG, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição do CBA ou convenções que regulem o transporte aéreo de carga, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transporte, em viagem aérea nacional contra conhecimento de transporte aéreo de carga, ou outro documento hábil, desde que aqueles danos materiais ocorram durante o transporte e sejam causados diretamente por: (I) colisão, queda e ou aterrissagem forçada da aeronave; (II) incêndio ou explosão na aeronave; (III) incêndio ou explosão nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da viagem, ainda que os referidos bens e mercadorias se encontrem fora da aeronave.

 

Como nos demais seguros de RC legalmente obrigatórios, o pagamento da indenização será feito, pela seguradora, diretamente ao terceiro proprietário dos bens ou mercadorias, com anuência do segurado transportador.

 

Conferir com as condições gerais (riscos excluídos; começo e fim da cobertura; bens não compreendidos no seguro; coberturas de bens sujeitos a condições próprias; despesas de salvamento, glossário etc.).

 

11.3 Responsabilidade Civil do proprietário ou explorador de aeronave/ transportador

 

Aplicabilidade das disposições do CBA e do CDC. Cobre os danos causados a passageiros e a terceiros, inclusive no solo ou em águas jurisdicionais, mesmo por alijamentos por força maior (garantia RETA): (I) danos pessoais a passageiros de aeronaves, suas bagagens, acompanhadas ou não, nos limites estabelecidos pelo CBA; (II) responsabilidade civil extracontratual do proprietário ou explorador de aeronaves.

 

A “garantia reta” visa a garantir indenização por danos causados aos bens e pessoas, inclusive no solo. Discutível a negativa do sinistro se não for demonstrada a culpa do segurado, por entender alguns tratar-se de seguro de responsabilidade civil que, a princípio, depende de apuração de culpa, pois o seguro de RC de garantia reta, embora obrigatório, não se insere dentre os seguros de dano na modalidade no fault, que operam independentemente de culpa ou pelo critério da responsabilidade objetiva que, mesmo assim, não deveria cobrir os danos decorrentes de fatos de terceiro.

 

A garantia de Responsabilidade do Transportador Aéreo, por isso conhecida como garantia reta, decorre de imposição estabelecida no CBA para todo proprietário de aeronave. Todavia, tem por base a responsabilidade civil dependente da existência de culpa, ao menos com relação a aeronaves não comerciais, pois com relação a aeronaves que comercializam o transporte de passageiros cobrando passagem, a cuja obrigatoriedade se estende aos passageiros, há controvérsias diante da aplicação do CDC que, segundo alguns, não poderia, hierarquicamente, ser contraditado por leis específicas, inclusive no que toca a aplicação ou não dos limites de indenização determinados pela legislação aeronáutica.

 

No que se refere às aeronaves de uso particular, destinadas a serviços aéreos privados conforme definição do art. 178 do CBA, não utilizadas comercialmente no transporte de passageiros, a lei não inseriu o passageiro gratuito dentre os que o proprietário da aeronave responderia por danos (muito menos os que invadem a aeronave sem autorização, digamos por prática de roubo), salvo por dolo (SÚMULA STJ n° 145: “No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.”), este que, se ocorrente, afastaria a cobertura do seguro eventualmente contratado, consoante se vê do disposto no art. 267 do CBA, respondendo apenas por danos ao pessoal de bordo como tal reconhecido e às pessoas e bens na superfície, nos limites previstos nos artigos 257 e 269 do mesmo CBA, só nestes casos estando o proprietário obrigado ao seguro correspondente, mas que no caso de roubo ou furto da aeronave não operaria pelo fato de terceiro e pela ausência de culpa do proprietário.

 

No que tange aos danos causados aos passageiros, nenhuma indenização, entendo, seria devida aos seus beneficiários, não só porque os proprietários de aeronaves particulares que não exploram a atividade de transporte de pessoas (salvo quanto à tripulação legalmente reconhecida) não estão obrigadas a realizar o respectivo seguro de passageiros que não pagam passagem (quanto mais de passageiros que arrebatam ilicitamente a aeronave), como também porque se trataria de dano causado pelo próprio piloto, dito sequestrador, e a seus dependentes, pois não seria razoável que o ato criminoso do autor do dano pudesse gerar benefícios a seus dependentes.

 

Neste tópico, a prescrição em ações de acidente aéreo, demonstrada a relação de consumo entre o transportador e aqueles que sofreram o resultado do evento danoso, segundo decisão da 3ª T. do STJ (04/07/13), é regido pelo CDC, ao julgar recurso da Unibanco AIG Seguros contra a Associação de Assistência às Famílias Castigadas por Acidentes Aéreos e Tragédias Antigas e Modernas.

 

A associação ajuizou pedido de indenização pelos danos sofridos por moradores do bairro Jabaquara, em SP, que tiveram suas casas atingidas pela aeronave Fokker 100 da TAM em outubro de 1996.

 

O juiz reconheceu a prescrição de dois anos do CBA, em ação por danos causados a terceiros na superfície. O TJSP afastou a prescrição, por entender que o prazo é de 20 anos (CC de 1916).

 

A seguradora recorreu ao STJ invocando a legislação específica, pois o CC não poderia ser utilizado, arguindo inaplicalidade do CDC, pois enquanto o CBA trata da relação entre o transportador aéreo e o transportado, incluindo terceiros na superfície, o CDC trata da relação entre fornecedor e consumidor – o que não seria o caso – e o CC do transporte em geral.

 

Para a Ministra Nancy Andrighi, o prazo prescricional da pretensão sobre danos causados por acidente aéreo a terceiros na superfície “não pode ser resolvido pela simples aplicação das regras tradicionais da anterioridade, da especialidade ou da hierarquia, que levam à exclusão de uma norma pela outra; mas pela aplicação coordenada das leis, pela interpretação integrativa, de forma a definir o verdadeiro alcance de cada uma delas, à luz do caso concreto”, esclarecendo que, apesar de estabelecido o prazo prescricional de dois anos, essa regra específica não impede a incidência do CDC, desde que a relação de consumo entre as partes envolvidas esteja evidenciada.

 

Segundo a Ministra, a situação dos autos traduz uma relação de consumo: “de um lado a TAM, que desenvolve atividade de prestação de serviço de transporte aéreo; fornecedora, portanto, nos termos do artigo 3º do CDC; de outro, os moradores da rua em que se deu a queda da aeronave, os quais, embora não tenham utilizado o serviço como destinatários finais, equiparam-se a consumidores pelo simples fato de serem vítimas do evento (consumidores por equiparação ou bystanders), nos termos do artigo 17 do mesmo diploma”, afirmou a relatora.

 

Assim a 3ª Turma, por unanimidade, alterou a decisão de segunda instância, afastando a aplicação do CC e determinando a incidência do prazo quinquenal do CDC. Como o acidente ocorreu em outubro de 1996 e a ação foi ajuizada em setembro de 2001, a pretensão não estva prescrita.  Todavia, se a relação é de consumo, dir-se-ia que a prescrição é de cinco anos, segundo o CDC.

 

11.4 –  Responsabilidade Civil do Transportador Aquaviário Carga – RCA-C

 

Atualmente regulamentado pela CNSP nº 182/08, tem por objetivo garantir o segurado (transportador aquaviário), até o valor do LMG, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição de lei, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transporte, em viagem aquaviária, nacional, contra conhecimento de transporte aquaviário de carga, ou outro documento hábil, desde que aqueles danos materiais ocorram durante o transporte e sejam causados diretamente por: (I) encalhe, varação (encalhe que projeta o navio sobre um baixio ou praia, com perda da flutuação, podendo ser voluntária, para prevenir/atenuar dano maior), naufrágio ou soçobramento (ato de emborcar, virar de borco) do navio ou embarcação; (II) incêndio ou explosão no navio ou embarcação; (III) abalroação ou colisão, ou contato, do navio ou embarcação com qualquer corpo fixo ou móvel; (IV) incêndio ou explosão, nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da viagem, ainda que os referidos bens e mercadorias se encontrem fora do navio ou embarcação.

 

Como nos demais seguros de RC legalmente obrigatórios, o pagamento da indenização será feito, pela seguradora, diretamente ao terceiro proprietário dos bens ou mercadorias, com anuência do segurado transportador.

 

Ver as condições gerais (riscos excluídos; começo e fim da cobertura; bens não compreendidos no seguro; coberturas de bens sujeitos a condições próprias; despesas para evitar o sinistro, minorar o dano ou salvar o bem; avarias grossa e particular; glossário etc.).

 

11.5 – Responsabilidade Civil do Transportador Ferroviário Carga – RCTF-C

 

Regulado pela CNSP nº 183/08, tem por objetivo garantir o segurado (transportador ferroviário), até o valor do LMG, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por disposição de lei, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido entregues para transporte, em viagem ferroviária, no território nacional, contra conhecimento de transporte ferroviário de carga, ou outro documento hábil, desde que aqueles danos materiais ocorram durante o transporte e sejam causados diretamente por: (I) colisão, e ou capotagem e ou abalroamento, e ou tombamento, e ou descarrilamento, dos vagões ou de toda a composição ferroviária; (II) incêndio ou explosão nos vagões ou na composição ferroviária; (III) incêndio ou explosão nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da viagem, ainda que os referidos bens e mercadorias se encontrem fora da composição ferroviária.

 

Como nos demais seguros de RC legalmente obrigatórios, o pagamento da indenização será feito, pela seguradora, diretamente ao terceiro proprietário dos bens ou mercadorias, com anuência do segurado transportador.

 

Ver as condições gerais (riscos excluídos; começo e fim da cobertura; bens não compreendidos no seguro; coberturas de bens sujeitos a condições próprias; despesas de salvamento, glossário etc.).

 

12 – Destaque de dispositivos do código civil pertinentes ao tema deste estudo

 

“Art. 732As disposições do novo Código Civil aplicam-se apenas no que couber aos transportes regidos por legislação especial (aquaviário, aeronáutico e ferroviário), tratados e convenções internacionais. Todavia, a aplicação é ampla no transporte terrestre (de pessoas e coisas).”

 

 “Art. 749Transporte de coisas – Responsabilidade presumida pelo jus receptum (teoria da incolumidade). Prevalece no STJ jurisprudência no sentido de excluir a responsabilidade do transportador perante o consignatário da carga decorrente de assalto à mão armada, por equiparar-se ao fortuito ou força maior, posto que embora fato previsível para o transportador, constitui fato invencível e muita vez inevitável. Mormente quando tomadas pelo transportador as providências ao seu alcance para a proteção da carga. Mas há, no entanto, entendimento em sentido contrário, baseado no fato de que o transportador que exerce tal atividade tem por obrigação adotar todas as medidas para proteger a carga. O entendimento do STJ é favorável ao segurador do transportador (e a este) e desfavorável ao segurador da carga (e ao dono desta). O seguro da carga costuma cobrir o roubo, enquanto o seguro do transportador não oferece cobertura para tanto até por ausência de responsabilidade do segurado, salvo no RCF-DC, mas que é seguro facultativo.”

 

Art. 750 – Limita a responsabilidade do transportador ao valor constante do conhecimento, começando do recebimento da coisa e terminando com a sua entrega ao destinatário ou, se este não for encontrado, com o depósito em juízo. Baliza o risco do segurador (coincidente com o art. 780).”

 

“Art. 780 – A vigência da garantia, no seguro de coisas transportadas, começa no momento em que são pelo transportador recebidas, e cessa com a sua entrega ao destinatário.”

 

Considerando que a responsabilidade do segurador é limitada ao valor declarado no conhecimento de transporte, o segurador deve exigir do segurado que indique no referido documento o valor real das mercadorias seguradas, se possível sempre coincidente com o valor da nota fiscal, para que não reste prejudicado o seu direito sub-rogatório.

 

Destaque-se também, que a DDR – Cláusula de Dispensa de Direito de Regresso (RR/TN). “Não implica isenção da contratação dos seguros obrigatórios” (Circular SUSEP nº 354/07, art. 10).

 

“Art. 788 – Estabelece que nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado.”

 

Sendo norma imperativa quanto ao pagamento diretamente ao terceiro nos seguros de responsabilidade legalmente obrigatórios, o pagamento da indenização coberta pelo RCTR-C e similares de outros modais, por reembolso ao segurado ou para posterior pagamento ao terceiro traz o risco de o segurador pagar duas vezes, pois não dá ao mesmo a necessária segurança quanto à efetividade do pagamento realizado, sujeitando-o a uma cobrança direta do terceiro, por um complemento ou pela totalidade da indenização.

 

Por conseguinte, o pagamento eventualmente realizado ao segurado deve ser feito contra a apresentação de uma quitação plena do terceiro, que exonere, inclusive, o segurador de qualquer outro pagamento referente ao sinistro.

 

Mas a dificuldade de cumprimento deste dispositivo poderá ocorrer com frequência nesse seguro, que envolve um grande número de consignatários de mercadorias numa mesma viagem, tendo sido prática corrente a de se pagar ao transportador diretamente, que é o segurado no caso, dado que o segurador, a rigor, muitas vezes sequer tem contato com os diversos consignatários dessas mercadorias transportadas.

 

 

 

Nota

 

1 – Ricardo Bechara Santos – Consultor Jurídico especializado em Direito de Seguro. Membro efetivo da Associação Internacional do Direito de Seguros – AIDA Brasil. Autor das obras “Direito de Seguro no Cotidiano” e “Direito de Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria”. Coautor de diversas obras. Consultor Jurídico da CNseg/Fenaseg.

 

 

Referências

.Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.402 (STF. competência da União. Inconstitucionalidade Lei nº 11.265/02-SP)

. Circular SUSEP nº 256/05 (seguros de dano)

. Circular SUSEP nº 354/07 (Dispensa de Direito de Regresso-DDR)

. Código Brasileiro do Ar (CBA)

. Código Civil – artigos 732; 749; 750; 777; 778; 779; 780; 788; 781; 783

. Código de Defesa do Consumidor

. Constituição Federal – artigos 5º, inciso LXXI (mandado de Injunção); 7º, inciso XXVIII (SAT); art.22, VII (competência da União); 170 (Livre Iniciativa); 201, § 10 (SAT)

. Decreto nº 24.637/34 (Acidente do Trabalho – SAT)

. Decreto nº 61.867/67 (regulamenta os seguros obrigatórios)

. Decreto Legislativo nº 3.724/1919

. Decreto – Lei nº 73/66 (artigos 20 e seguintes – Seguros obrigatórios)

. EC nº 20/98 (SAT)

. Governo Bismark

. Lei n° 4.591/64 (seguro obrigatório de condomínio)

. Lei n° 4.678/65 (Seguro de Crédito a Exportação)

. Lei nº 5.418/28 (Armazéns Gerais)

. Lei nº 6.194/74 (Seguro DPVAT)

. Lei nº 8.374/91(Seguro DPEM)

. Lei n° 9.514/97 (Sistema Financeiro Imobiliário)

. Lei nº 11.977/2009 (Financiamento de Imóvel pelo Programa Minha Casa Minha)

. Plano Diretor do Sistema Nacional de Seguros Privados

. Resolução CNSP 164/07 (seguro obrigatório do corretor de resseguro)

. Resolução CNSP nº 182/08 (seguro RCA-C)

. Resolução CNSP nº 183/08 (RCTF-C)

. Resolução CNSP nº 184/08 (Seguro RCTA-C)

. Resolução CNSP nº 218/10 (seguro obrigatório de condomínio)

. Resolução CNSP nº 219/10 (seguro RCTR-C)

. Súmula STF nº 229 (SAT)

. Súmula STJ nº 145 (transporte gratuito)

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