Seguro DPVAT. Breves comentários ao acórdão do STJ, exarado no resp nº 1.601.533, de relatoria do eminente ministro João Otávio de Noronha, versando a validade do pagamento a credor putativo, cuja ementa a seguir se expõe. Conexão com o artigo histórico do Dr Floriano da Matta Barcellos

Ricardo Bechara Santos.

 

 

“RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.533 – MG (2012/0115489-7) RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA. RECORRENTE: UNIBANCO AIG SEGUROS S/A (S) RECORRIDO: K F M G (MENOR).

 

EMENTA – RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO. CREDOR PUTATIVO. TEORIA DA APARÊNCIA. 1. Pela aplicação da teoria da aparência, é válido o pagamento realizado de boa-fé a credor putativo. 2. Para que o erro no pagamento seja escusável, é necessária a existência de elementos suficientes para induzir e convencer o devedor diligente de que o recebente é o verdadeiro credor. 3. É válido o pagamento de indenização do DPVAT aos pais do de cujus quando se apresentam como únicos herdeiros mediante a entrega dos documentos exigidos pela lei que dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais, hipótese em que o pagamento aos credores putativos ocorreu de boa-fé. 4. Recurso especial conhecido e provido.

 

ACÓRDÃO. Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Senhor Ministro Relator. Brasília (DF), 14 de junho de 2016(Data do Julgamento).”

 

Uma das razões pelas quais entendo oportuno comentar a recente jurisprudência acima ementada, é a de que, nesta mesma edição da Revista Jurídica de Seguros da CNseg, é publicado, na seção dos Artigos Históricos, o texto do Dr. Floriano da Matta Barcellos, que muito e bem se dedicou aos temas do direito do seguro (ver breve currículo do autor), tanto que premiado em 1957 pela FENASEG, em parceria com o Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, então presidido pelo eminente jurista Trajano de Miranda Valverde, versando justamente sobre o mesmo tema tratado agora pelo STJ, é dizer, sobre a validade do pagamento da indenização securitária a “credor putativo”, nesta quadra reforçado pela “teoria da aparência”. Embora o artigo histórico de 1957 tenha sido pensado na vigência do Código Civil de 1916, e a decisão do STJ sob a égide do Código de 2002, vê-se tratar de tema que ainda se mostra em sua plena atualidade. É que o Código de 2002, no seu artigo 309, manteve a mesma redação do correspondente dispositivo do Código de 1916, no caso o artigo 935, ambos estabelecendo que “o pagamento feito de boa-fé ao credor putativo é válido, ainda provado depois que não era credor”.

 

Não sem lembrar de que, segundo a doutrina, como a trazida ao bojo do acórdão em comento, “credor putativo é aquele que se apresenta aos olhos de todos como o verdadeiro credor. Recebe tal denominação, portanto, quem aparenta ser credor, como é o caso do herdeiro aparente. Se, por exemplo, o único herdeiro conhecido de uma pessoa abonada, e que veio a falecer, é o seu sobrinho, o pagamento a ele feito de boa-fé é válido, mesmo que se apure, posteriormente, ter o de cujus, em disposição de última vontade, nomeado outra pessoa como herdeiro testamentário.” (Carlos Roberto Gonçalves, em Direito Civil Brasileiro, vol. 2, 13ª ed.). E a boa-fé, que aparece no texto legal como condição de validade do pagamento ao credor putativo, referenda atos que, em princípio, seriam nulos. Ao verdadeiro credor, que não recebeu o pagamento, resta somente voltar-se contra o accipiens, ou seja, contra o credor putativo, que recebeu indevidamente, embora também de boa-fé, pois o solvens, no caso o segurador, nada mais deve.

 

Ou, como dito no artigo histórico ora parametrizado, credor, tipicamente, putativo é o beneficiário designado na apólice ou na lei, sendo obrigação precípua do segurador cumprir a cláusula beneficiária, respeitar a vontade do segurado, não cabendo ao segurador exercer um verdadeiro poder de polícia, a procura de saber se o segurado deixou outro herdeiro que não o indicado no contrato ou na lei. Por isso que, se já se consumou o pagamento, sem nenhuma culpa do segurador, cujo pagamento fê-lo de boa-fé, não há que se falar em anulação de ato, mas simplesmente, em remedeio de fato consumado. “O ato – o do pagamento -, quando se verificou, tinha condições de bom e valioso, pois o segurador cumpriu, puramente, a obrigação que assumira com o segurado, de pagar o benefício a quem nomeado na apólice ou indicado na lei. O fato – o da retenção indevida do capital nas mãos daquele que, posteriormente, se provou não poder recebe-lo -, este sim, poderá ser remediado, por intermédio de reivindicação, exercida pelo prejudicado, contra quem detém o dinheiro (…)”. Guardadas, portanto, as devidas peculiaridades de cada uma das situações, a do acórdão e a do artigo histórico, ambos consagram a mesma tese, que outra não poderia ser, senão a da validade do pagamento feito de boa-fé a credor putativo.

 

Senão vejamos o que e como ficou decidido no STJ a respeito do tema, quando os Ministros da sua Terceira Turma, em data recente, decidiram que a seguradora responsável pelo DPVAT não será obrigada a pagar novamente indenização por morte, após o surgimento de novo beneficiário legítimo, reformando, assim, decisão do TJMG que obrigava a seguradora a fazer novo pagamento, com a justificativa de que o anterior não havia sido feito aos devidos beneficiários.

 

Os fatos, por si só, conduziram o entendimento do STJ: após o óbito de um homem, o seguro foi pago aos pais, tendo havido a apresentação de todos os documentos exigidos e, apesar de a documentação do falecido dizer que ele não tinha herdeiros, havia um filho, que posteriormente ingressou com ação contra a seguradora para receber a indenização do seguro.

 

Entendeu a Corte, por unanimidade, conduzida pelo voto do eminente Ministro Relator, João Otávio de Noronha, que a seguradora agiu de acordo com a lei, efetuando o pagamento após a conferência de todos os documentos exigidos, não sendo, assim, possível obrigar a empresa a realizar novo pagamento correspondente ao mesmo benefício, já que realizado de boa-fé, com a exigência dos documentos previstos, sem que coubesse à seguradora a obrigação de averiguar a existência de outros beneficiários da vítima, ficando expresso no acórdão, entretanto, que o fato de o pagamento ter sido correto não retira o direito do herdeiro preterido, mas que deverá formulá-lo diretamente a quem recebeu os valores, e não pleitear novo recebimento da seguradora, devendo fazê-lo em ação distinta da demanda em que pedia novo pagamento. Da mesma forma como orienta o artigo histórico aqui referido, como se ambos, acórdão do STJ e artigo histórico estivessem em plena e fina sintonia.

 

Feitas essa sumárias considerações, permito-me por oportuno dizer que nos meus livros “Direito do Seguro no Cotidiano”, Forense Rio, escrito quando ainda vigia o Código Civil de 1916, assim como no “Direito do Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria”, também Forense Rio, sempre esposei os entendimentos versados tanto no artigo histórico do Dr. Floriano da Matta Barcellos, quanto no acórdão do STJ em comento, no primeiro livro às páginas 138/139 e 271/274, e, no segundo, às paginas 391 e 514.

 

Esses, em apertada síntese, os meus comentários.

Voltar