Seguro Saúde – extensão do verbo “contribuir” (condição dos artigos 30 e 31 da lei nº 9.656/98), baseado no conceito de salário indireto

RICARDO BECHARA SANTOS

 

Chamo a atenção para a decisão judicial que segue do TJ-SP, recém-publicada, quanto ao alargamento do verbo “contribuir”, conjugado nos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, como condição do empregado segurado que se aposenta – ou que é demitido – a permanecer no seguro saúde custeado pelo empregador, junto à operadora de planos de assistência à saúde suplementar.

De chofre, quer me parecer que o julgador, uma vez mais, extrapola, na letra e no espírito, de dispositivo legal elaborado pelo Poder Legislativo, este que, ao cunhar os artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, o fizera com o propósito de estabelecer como condição o fato de o empregado segurado participar do custeio do plano mediante pagamento em dinheiro, normalmente por via de desconto em folha.

Decerto que não fora essa a intenção do legislador, qual a de incluir na referida condição o conceito de salário indireto, de modo a admitir que o empregado segurado, embora não tenha contribuído diretamente com um centavo sequer para o seu custeio, pudesse adquirir o direito de permanecer no plano nas condições ali estabelecidas.

Senão, vejamos o teor da decisão que nos propomos comentar e dela discordar, com as vênias de praxe:

Ementa: Plano de saúde. Contrato coletivo firmado pela ex-empregadora do autor que, mesmo depois de aposentado, continuou trabalhando para a mesma empresa, vindo a ser demitido posteriormente. Benefício de incentivo ao desligamento consistente na manutenção do plano médico por mais 24 meses, custeado pela ex-empregadora. Aplicabilidade do art. 31 da Lei 9.656/98. A contribuição a que alude referido artigo pode ser direta ou indireta. Pagamento por parte da empregadora constitui salário indireto. Manutenção do aposentado como beneficiário do plano de saúde, desde que assuma o pagamento integral das prestações, abrangendo tanto a parcela descontada de sua folha de pagamento quanto à quantia paga pela ex-empregadora, durante a vigência do contrato de trabalho. Sentença mantida. Recurso não provido. (10ª Câmara de Direito Privado- Apelação n° 0042825-28.2010.8.26.0577 – Roberto Maia – Relator)”. (Os grifos não são do original).

Além de não ter sido essa, em nosso entender, a intenção do legislador ao escrever os artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, importante também realçar, para o desate da controvérsia, o disposto no art. 458 da CLT, com a redação que se lhe deu a Lei nº 10.243/01, de modo a não mais fazer incidir na remuneração do empregado, como salário indireto, diversas utilidades concedidas pelo empregador, dentre elas valores relativos a seguro de vida, saúde, acidentes pessoais e planos de previdência privada, descaracterizando, dessa forma, benefícios como que tais, inclusive o seguro saúde, como salário indireto, o que põe a nu qualquer resto de fundamento que acaso pudesse subsistir para a sustentabilidade da decisão judicial em comento.

 

Ressalte-se que, com tal iniciativa, o legislador remove sério e negativo fator que acabava desestimulando o empregador a conceder benefícios sociais a seus empregados e, com isso, ameaçando as chamadas estipulações de seguros em grupo e planos previdenciários coletivos.

 

Para melhor visualização, vale transcrever os citados artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, in literis:

 

 ”Art. 30”.  Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (grifei).

……………………. 

 

  • 6oNos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar. (também grifei).

 

 Art. 31.  Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (o grifo não faz parte do texto original).

 ……………………..

 

 2o  Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2o, 3o, 4o, 5o e 6o do art. 30. (também aqui o grifo é intencional)”.

 

Bem a propósito dos chamados seguros não contributários, de interesse do tema que estamos aqui a cuidar, pelos quais o estipulante, no caso o empregador que paga o prêmio para seus empregados, a Lei nº 10.243/2001 veio cortar cerce, rente mesmo, as dúvidas que pairavam acerca da conveniência dos seguros estipulados por empregadores, eis que, alterando o § 2º do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT passou a determinar que não mais sejam consideradas como salário diversas utilidades concedidas pelo empregador, inclusive “educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde e seguros de vida e de acidentes pessoais e planos de previdência privada”.

 

Essas questões foram objeto de amplos debates na FENASEG, inclusive quanto à insistência de o INSS considerar que tais verbas deveriam ser submetidas à tributação. Note-se que a lei em causa eliminara as ameaças que rondavam os seguros coletivos ou em grupo, quer de vida, quer de acidentes pessoais, quer de saúde, como também planos de previdência privada, cujos prêmios e mensalidades são custeados total ou parcialmente pelo empregador, na medida em que, com o advento da referida lei, claramente não puderam mais integrar a remuneração do empregado, livres, portanto, o empregador estipulante, dos encargos que daí decorria.

 

Cuidamos desse tema nas páginas 447/448 de nosso livro “DIREITO DO SEGURO NO NOVO CÓDIGO CIVIL E LEGISLAÇÃO PRÓPRIA (Forense Rio, 2ª edição, Ricardo Bechara Santos), oportunidade em que, aprofundando um pouco mais na análise da lei supra referida e face ao interesse da questão para o mercado segurador,

 

“(…) fomos buscar a exposição de motivos da lei, da qual vale atentar para o seguinte trecho do texto redigido pelo então Ministro FRANCISCO DORNELLES, verbis: “A proposta modifica, ainda, o § 2º do art. 458 da CLT, que dispõe sobre o salário in natura, ou salário indireto, para determinar que os benefícios, concedidos pelo empregador, relativos à educação, transporte, assistência médica, hospitalar e odontológica, seguro de vida e de acidentes pessoais, saúde e previdência privada, não integram o salário. A carência de serviços e benefícios sociais indica a conveniência de estimular as empresas a concederem benefícios que proporcionam aos trabalhadores maior segurança e satisfação, sem ônus subsequentes de qualquer natureza. A proposta atende a essas expectativas desvinculando tais benefícios do salário “(Diário do Senado Federal de 17/02/2001).

 

Parece que a orientação dada pela Lei nº 10.243/01, corroborada pela própria exposição de motivos (vide “sem ônus subsequentes de qualquer natureza”), espraia efeitos para a esfera previdenciária e para todas as outras em que possa entrar em cena a figura do salário indireto como fator de desestímulo pelo empregador. Impossível, assim, termos, por exemplo, a educação fornecida pela empresa aos seus empregados como não sendo salário para fins trabalhistas e, ao mesmo tempo, constituindo remuneração na esfera previdenciária. O mesmo se dizendo quanto aos seguros custeados pelo empregador, que antes da lei apresentava certa ameaça ao desenvolvimento dos seguros coletivos estipulados pelos empregadores, estes, como estipulantes do seguro, que já se sentiam inibidos para esse custeio temendo os ônus daí advindos.”

 

Não seria demasiado lembrar que, em data recente, os citados artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, foram regulamentados pela ANS através de sua RN nº 279/11(DOU de 25/11/11), no que tange ao direito de manutenção da condição de beneficiário para ex-empregados demitidos ou exonerados sem justa causa e aposentados que contribuíram para os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º da Lei nº 9.656/98, referente aos contratos que foram celebrados após 01/01/99, ou que foram adaptados à Lei nº 9.656/98. Neste último caso, o período anterior à adaptação, inclusive a 01/01/99, no qual o empregado contribuiu para o custeio da contraprestação pecuniária dos produtos, será contado para fins desta Resolução.

 

Consta do glossário de definições dessa Regulamentação que “Considera-se contribuição qualquer valor pago pelo empregado, inclusive com desconto em folha de pagamento, para custear parte ou a integralidade da contraprestação pecuniária de seu plano oferecido pelo empregador em decorrência de vínculo empregatício, à exceção dos valores relacionados aos dependentes e agregados e à coparticipação ou franquia paga única e exclusivamente em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou odontológica”.

 

Também se considera contribuição o pagamento de valor fixo, conforme periodicidade contratada, assumido pelo empregado que foi incluído em outro plano privado de assistência à saúde, oferecido pelo empregador em substituição ao originalmente disponibilizado sem a sua participação financeira.

 

Mesmo que o pagamento de contribuição não esteja ocorrendo no momento da demissão, exoneração sem justa causa ou aposentadoria, é assegurado ao empregado os direitos previstos nos dispositivos objeto da presente regulamentação, na proporção do período ou da soma dos períodos de sua efetiva contribuição para o plano privado de assistência à saúde. Todavia, oportuno ressaltar, cum grano salis, que a regulamentação em causa não considera o salário indireto como forma de “contribuição”.

 

Por fim, não seria demasiado lembrar de que existe abissal diferença entre a CONTRIBUIÇÃO referida nos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, e a COPARTICIPAÇÃO, não cogitada pelo legislador para fins de manter ou não o empregado demitido ou aposentado no seguro saúde, razão pela qual estará fora do seguro saúde integralmente custeado pelo empregador, o empregado demitido ou aposentado.

 

São essas as considerações que sobre o tema me ocorreram ofertar.

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